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O BBB 21 expôs o radicalismo e hipocrisia dos identitários
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Por Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal

Não assisto a nada na televisão há pelo menos uns dez anos. Não se trata de um protesto individual contra uma suposta alienação das telas; não tenho, a priori, nada contra a TV, apenas tenho predileção por outras formas de entretenimento. Sendo assim, não acompanho e não tenho interesse algum pelos chamados reality shows, mas, tendo interesse ou não, acaba sendo inevitável ser bombardeado com as polêmicas envolvendo a atual edição do Big Brother Brasil. O programa sempre gera polêmicas, é movido por elas, mas o que há de diferente dessa vez é que o que poderia facilmente acabar sendo mais um palco para se regurgitar “lacração” acabou ferindo a besta-fera do identitarismo com seu próprio veneno.

Acostumados a viver aprisionados em suas próprias bolhas, onde o “cancelamento” é rotina e não há vida intelectual alheia ao selo da identidade, os identitários não estavam preparados para ver o que têm de pior televisionado e exposto vinte e quatro horas por dia. O que agora se diagnostica é o óbvio: que fora da bolha identitária as pessoas não têm a mínima paciência com o besteirol politicamente correto e seus proponentes toscos, “desconstruídos” e hipócritas.

A coisa adquiriu facetas tão indefensáveis que nem os militantes mais enérgicos se esforçam para disfarçar o mal-estar, preferindo argumentar que tais figuras não são representantes fieis da militância e foram escolhidas para deslegitimar as suas pautas. Na tentativa de sair pela tangente, há quem chegue ao cúmulo de, pasmem, atribuir o identitarismo ao liberalismo. Já escrevi uma série de artigos tratando da incompatibilidade entre o liberalismo e as pautas identitárias e como estas são hostis à liberdade. Afirmações coletivas de identidade pretendendo reger todas as relações sociais e políticas, “tratorando” quaisquer manifestações individuais de divergência, nada têm, nada tiveram e nunca terão respaldo no pensamento liberal.

Quanto a dizer que esse pessoal não representa a militância identitária, é algo crível apenas por quem nunca teve contato com a maluquice ou nunca teve Twitter. O identitarismo é radical até quando não parece adquirir os traços mais beligerantes. Quem se volta contra traços mais radicais como o cancelamento, mas ignora que as ideias em si são péssimas e protagoniza aquele tipo de cena patética que nos faz sentir vergonha alheia, lamuriando-se por ser homem, branco, etc., alimenta aquilo que cedo ou tarde dirá detestar.

A “luta”, palavra ostensivamente utilizada por eles, sempre como uma ferramenta de reforço do apelo emocional é, na verdade, pelo controle de pauta, pelo sequestro das virtudes, nada mais. Querem convencer a todos que os que não aderem aos seus desmandos são todos os “istas” que se possa imaginar. Não basta não ser racista, eles dizem, é preciso ser antirracista. O adendo é que você precisa seguir exatamente o que definem por antirracista. A autonomia intelectual, inclusive dos negros, não é reconhecida. O “lugar de fala” é rapidamente esquecido diante do negro de direita, por exemplo, não raro xingado de “capitão do mato”.

No entendimento desse pessoal, o antirracismo autoriza o “racismo do bem”. O que mais poderia explicar uma das participantes do programa, esta negra e militante, se referir a outra participante, esta branca, como “desbotada” e “sem melanina”? Ao ver chamarem isso do que realmente é, muitos balbuciam: “não existe racismo reverso”. Estão certos, existe racismo, e este não é obrigatoriamente de brancos contra negros – ou então os seis milhões de judeus vitimados pelo nazismo não teriam sido vítimas de racismo. Tampouco se busca, ao apontar o óbvio, negar que no Brasil quem mais sofre racismo são os negros. Sim, é verdade que o branco não é usualmente a vítima de racismo, mas isso, muito longe de justificar, torna o racismo cometido pela referida participante ainda pior, pois se apresenta como método, como um suposto revanchismo torpe e psicótico, como uma licença para discriminar, pasmem, em nome de um suposto combate à discriminação. No mais, não preciso me estender, o artigo 140 do Código Penal, que trata dos crimes de injúria, é bem claro: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa”.

Não há razão para crer que a atual edição do Big Brother Brasil, cujo foco é a audiência, tenha sido feita para deliberadamente dinamitar a militância identitária, mas não há como negar que, de forma muito positiva, colaborou para expor algumas de suas características mais indigestas. É claro que seria esperar demais que isso ferisse de morte o identitarismo no Brasil, mesmo porque a maluquice, o cancel culture, é algo importado, mas ainda assim é um golpe. Agora, uma lição devemos tirar disso. Parte da razão de a reação a essa militância estar sendo tão forte é porque envolveu a um só tempo grupos heterogêneos e não circunscritos a uma bolha. Pessoas que em outra circunstância não se sentiriam encorajadas a falar publicamente o que pensam disso tudo, temendo o cancelamento dentro de suas bolhas (redes sociais, faculdade, etc), agora sentem que na crítica estão fazendo coro a uma maioria. Ocorre que um reality show é uma exceção – e certamente não podemos contar com isso para vencer a batalha contra o autoritarismo identitário. É preciso que as pessoas tenham coragem e não se curvem aos censores culturais, única forma de combater a crescente penetração institucional do identitarismo.

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