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“Raça e Redenção”: um filme sobre racismo e coletivismo
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Em tempos em que se renova, por vezes com tintas de radicalismo hipócrita, como no caso do movimento “Antifa” e patetices correlatas, a “discussão” sobre o problema grave e detestável do racismo, cabe uma indicação bastante oportuna de filme sobre o assunto. Trata-se do drama de pouco mais de duas horas de duração Raça e Redenção (no original, The Best of Enemies), lançado recentemente, em 2019.

O filme recebeu críticas medianas e não fez muito sucesso nas bilheterias, mas não escrevo como crítico cinematográfico, função que sequer ocupo. A trama reproduz uma história real, poderosa por si só, que justifica com sobras o interesse em assistir à obra dirigida por Robin Bissell. Ela também oferece uma abertura ímpar a uma interpretação liberal (não no sentido americano do termo, certamente), capaz de evocar paradigmas individualistas, cooperativos e anticoletivistas acerca do problema enfocado.

Desnecessário dizer que haverá revelações diretas sobre o enredo aqui, mas não parece que isso estrague a experiência de assistir, afinal se trata de um trabalho biográfico e que retrata acontecimentos incrivelmente verídicos. A história coloca em confronto duas personalidades fortes na cidade de Durham, na Carolina do Norte, em 1971: a ativista negra de direitos civis Ann Atwater (1935-2016), interpretada pela atriz Taraji P. Henson, e o dono de um posto de gasolina local e presidente regional da organização sectária e racista Ku Klux Klan, C. P. Ellis (1927-2005), interpretado por Sam Rockwell.

Tudo começa porque um incêndio deixa a escola destinada aos negros em condições ainda piores do que ela já estava. Os negros de Durham, desafiando a absurda segregação, passam a pregar a integração “racial” nas escolas, com negros e brancos podendo estudar juntos. Forças políticas poderosas ligadas à Ku Klux Klan se mobilizam para não permitir que isso ocorra, sendo Ellis o ativista mais respeitado e idolatrado no grupo local.

Logo ao começo, quando a Klan se reúne para disparar tiros contra a casa de uma mulher branca que tinha um envolvimento amoroso com um negro, a fim de intimidá-la e pressioná-la, resta claro o quanto a postura da organização, que diz defender os valores fundantes da civilização americana, despeja no lixo os seus aspectos mais fundamentais. O respeito à liberdade individual e à propriedade privada, existente entre os membros da Klan no máximo em uma dimensão inteiramente abstrata e retórica, cede lugar, na concretude dos atos praticados, à violência mais animalesca em prol de uma coletividade imaginária baseada na superioridade da raça.

Com a intensificação do problema regional, o juiz responsável por apreciar a demanda por integração nas escolas, preferindo escapar da necessidade de decidir, prefere organizar uma charrette – um interessante empreendimento no qual segmentos diferentes da comunidade precisam se reunir ao longo de dez dias para dinâmicas de grupo e discussões, ao fim das quais um grupo selecionado (no caso em questão, metade de brancos, metade de negros) vota para aprovar ou não as ideias apresentadas para solucionar os problemas examinados. O responsável por conduzir a charrette foi um homem negro vindo do norte, Bill Riddick.

O que ele fez foi extraordinário: colocar no comando do grupo responsável pelas decisões finais ninguém menos que a ativista negra mais persistente e com a personalidade mais forte – a ponto de considerar o próprio Riddick alguém que se “curvava” docilmente ao ódio supremacista branco – e o líder mais barulhento da Ku Klux Klan. Impassível diante da repulsa e do absoluto desrespeito demonstrados por Ellis, Riddick fez questão de apostar no contato entre aquelas duas individualidades tão opostas, inimigas fundamentais, para perseguir a solução mais bem acabada do conflito.

O que acontece a seguir realmente parece coisa de cinema, mas foi verdadeiro mesmo. O líder da Ku Klux Klan recebe ajuda de Atwater, depois que esta passa a conhecê-lo mais intimamente e desvela suas grandes dificuldades, seu sentimento de desamparo e fracasso. A ativista negra simplesmente se compadece do ser humano Ellis, para além da seita política fanática a que pertencia ou da cor de sua pele, e o auxilia no drama mais complexo de sua vida.

Aqueles que Ellis foi educado a enxergar como “os negros”, os culpados pela falta de empregos, pelas dificuldades financeiras, pelos problemas da sociedade americana, incitado por uma tradição retórica complexada a responsabilizar agentes externos e imaginários por tudo que havia de ruim e difícil, passaram a ser pessoas, com seus rostos, seus anseios, suas disposições particulares. Aquela benesse da civilização ocidental que Hayek chamava de “individualismo” passa a ser sentida de forma direta por Ellis. Os monstros imaginários não eram mais monstros imaginários; eram pessoas de carne e osso, com sentimentos, algumas delas tratando-o com gentileza e amparando-o como poucas outras. Ao constatar isso, Ellis se viu forçado a estabelecer uma comparação com a Klan, pressionando pela força e pela crueldade outros brancos da região a votarem contra a proposta de unir as crianças negras e brancas.

Onde a fraternidade? Onde o reconhecimento mútuo da dignidade de indivíduo para indivíduo? Para eles, a causa racista, coletivista por excelência, dissolvendo o indivíduo em um todo violento, fanático, irascível, estava acima do respeito entre um cidadão e outro, uma pessoa e outra. O contraste entre seus colegas da Klan e Ann Atwater, que nele viu não um branco racista que desejava destruí-la, mas um pai de família em sofrimento como diversos outros, fez com que Ellis se transformasse.

Vale apreciar o discurso final de Ellis quando decide votar a favor da integração, surpreendendo seus “irmãos” da Klan e registrando um recado fortíssimo em defesa, não apenas do meritório individualismo ocidental, como da força da personalidade humana ao romper com a mentalidade sectária, com a submersão grupal autoritária e desumana. Ellis confessa ter sentido que era finalmente “alguém” por estar submerso no “todo”, em uma “causa coletiva” maior do que ele, quando foi aceito na Ku Klux Klan, mas em verdade ele nunca foi tão grande quanto naquele momento em que rompeu com todos os seus companheiros e foi autenticamente ele mesmo, guiado pela realidade sinceramente percebida, a um só tempo, por sua consciência e seu coração.

Diz o C. P. Ellis de Sam Rockwell que chorou ao receber seu cartão da Klan, mesmo tendo sido educado a crer que homens não deveriam chorar. No entanto, arremata: “Mas agora eu tenho um problema. Tenho um problema porque tem muita coisa acontecendo nesta sala. Pessoas ajudando outras. Nessas últimas semanas vi muitas pessoas ajudando as outras – e não são só os brancos, tem muitos negros ajudando os outros também. Mas sou presidente da Ku Klux Klan, devo odiar os negros. Eu ensino as pessoas a odiar os negros. Deveriam ser inferiores a nós. Agora, se eu não acredito nisso, eu não posso ser presidente da Ku Klux Klan. E eu não acredito. Então meu problema é que eu não preciso mais disto aqui.” Terminou rasgando seu cartão. Simples. Magistral. Um homem sendo grande e corajoso, pagando um preço social significativo pela verdade. Um homem – não um branco, um membro da Ku Klux Klan. C. P. Ellis, um homem, tendo a coragem de reconhecer o maior erro de sua vida.

Quem foi mais sábio, mais judicioso, mais nobre? Bill Riddick com sua charrette ou os “antifas” destruindo o patrimônio alheio e os militantes do movimento negro dizendo que brancos devem se calar e devolvendo ao problema do racismo na mesmíssima moeda? Assistam ao filme. Conheçam essa história. Sua força é atemporal.

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