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Ayn Rand colocou John Galt no livro A Revolta de Atlas (1957).
Ayn Rand colocou John Galt no livro A Revolta de Atlas (1957).| Foto: Reprodução

Nos "show trials" soviéticos, aqueles julgamentos de fachada, as vítimas precisavam prestar homenagem aos seus algozes, elogiar os tiranos em público. Era uma forma de manter as aparências, o manto de legitimidade para o que era puro abuso da força, do poder.

George Orwell retratou bem isso em 1984 com Winston Smith, e Ayn Rand colocou John Galt em A Revolta de Atlas desafiando o ditador no último minuto do teatro orquestrado, deixando todos verem a arma que o obrigava a estar ali.

O que todo regime comunista sempre buscou foi isso: comprar cúmplices ou, nos casos mais difíceis, quebrar sua espinha dorsal para transformá-los em mortos-vivos.

John Galt é mantido prisioneiro sob a mira de uma arma enquanto Thompson, o tirano, tenta convencê-lo a assumir o controle autocrático da economia do país. John Galt diz a ele que não vai funcionar, mas Thompson insiste que ele pode ter o que quiser se apenas salvar a nação.

John Galt diz que, como Thompson tem uma arma apontada para ele, ele pode obrigá-lo a fazer qualquer coisa, exceto usar sua mente para ajuda-lo. Os jornais informam falsamente que John Galt concordou em salvar a nação, mas o público não acredita nisso.

O governo anuncia triunfantemente que criou o Plano John Galt. Na cerimônia de anúncio do plano para uma audiência de televisão, a câmera se volta para John Galt, que se inclina para o lado para revelar uma arma apontada para ele. Ele grita: “Saia do meu caminho!”

Quem é John Galt? Trata-se do arquétipo de um herói, e Ayn Rand queria demonstrar que o mal só avança com a sanção das vítimas. O que todo regime comunista sempre buscou foi isso: comprar cúmplices ou, nos casos mais difíceis, quebrar sua espinha dorsal para transformá-los em mortos-vivos dispostos a colaborar publicamente com a farsa.

Chama-se chantagem, nada mais. É pura tortura. Não basta ser um ditador sádico: tem que impor aos súditos a humilhação de fazer elogios falsos para não voltarem a ser torturados. Os verdadeiros golpistas sonham com as aparências de legitimidade, aquela que lhes falta.

Por isso a coragem de um John Galt é tão importante – e incômoda para o sistema. Ele é a lembrança constante de que são apenas ditadores canalhas, nada mais. Galt não aceita fazer o personagem que tentam lhe impor. E por isso sempre será lembrado com admiração por esse heroísmo, pela resistência moral à tirania.

Galt é um personagem de ficção, mas existem pessoas parecidas na vida real, gente corajosa que não aceita compactuar com a farsa, inventar delações inexistentes para livrar a própria pele, elogiar publicamente o sistema que tenta destrui-la. Esses merecem todo nosso respeito.

Ainda mais diante de alternativas mais acovardadas, de quem vende sua alma ao Diabo para manter cargos. "Se não pode derrota-los, junte-se a eles", pensa o covarde. E depois passa a justificar a covardia como pragmatismo, racionalizando a decisão.

Não é fácil julgar, pois é dureza aguentar tortura e ameaça, claro. Mas é importante sempre lembrar do alto preço da adesão, da desistência: transformar-se num eunuco invertebrado inofensivo, num boneco de cera, numa pessoa sem brilho nos olhos, sem consciência limpa, atormentada pela humilhação e pela traição, largada às traças por não oferecer mais qualquer ameaça ao sistema que a destruiu por completo e ainda recebe seus falsos elogios. Pode até continuar um jornalista, um senador, mas já morto por dentro.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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