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Uniformidade da direita?
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Por Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal

Há quem defenda que esquerda e direita são conceitos arcaicos que não mais representam os ideários políticos modernos. Não estou entre estes: penso que esquerda e direita são diferenciações atualíssimas que, no entanto, não representam um fim em si mesmo.

Se alguém lhe diz que é de direita ou esquerda você pode ter uma ideia preliminar do que essa pessoa defende, mas com frequência você pode estar errado em um ou diversos pontos. Isso porque política é plural. Há diferentes esquerdas, diferentes direitas e, do mesmo modo, diferentes visões de liberalismo.

Digo isto para dizer que, embora esquerda, direita e centro não sejam conceitos arcaicos, é preciso tomar cuidado com a rigidez das definições, rigidez essa que parece ser mais comum àqueles recém “iniciados” no debate político.

O país vem passando por um momento de alta politização e isso fez com que muitas pessoas que antes eram alheias ao debate político passassem a não só se inserir no debate, como também a tomar posições mais assertivas.

Claro que esse envolvimento dos cidadãos comuns com questões políticas é muito positivo, mas tem outra faceta. Alguém que passou anos de sua vida numa espécie de “limbo” e foi repentinamente introduzido(a) aos conceitos de esquerda e direita, justamente por não possuir grande bagagem em termos de leitura, informação e conhecimento, tende a ter uma leitura superficial e se tornar excessivamente rígido(a) nessa diferenciação, especialmente ao escolher “um dos lados”.

Isso se torna tão mais verdade quanto mais radicais são as ideias que essa pessoa defende, o que se explica pela falta de transigência. É como se houvesse dois lados com posições claras e irrevogáveis, sendo que ao “escolher” um lado, você deveria aceitar a submissão a um pacote rígido e fixo de ideias, estas completamente antagônicas às que o outro lado defende. Para estes, fazer ou falar qualquer coisa que possa ser entendida como uma concessão ao outro lado não só é um ato de traição, como uma identificação com o traidor.

É por isso que medidas liberalizantes pontuais adotadas durante o Plano Real, permitiram que a esquerda construísse a narrativa de que os tucanos e FHC, um intelectual de esquerda de carreira, recebessem a pecha de direitistas insuspeitos. É pelo mesmo motivo que vemos tantos bolsonaristas histéricos chamando de comunistas todos aqueles que divergem deles, ainda que as vítimas dos impropérios, no caso dos liberais, sejam defensores muito mais contundentes do capitalismo do que eles jamais foram.

Muitos enxergam a vitória de Bolsonaro como o fato que finalmente trouxe representatividade conservadora para um povo que é majoritariamente conservador. De fato, o cidadão médio brasileiro parece ser indubitavelmente conservador, falando aqui de um conservadorismo de costumes muito mais do que um conservadorismo político. Isso significa que o cidadão médio é de direita, entendendo assim que se pode atribuir a ele um “pacotinho de ideias” que englobaria, entre outras coisas, a defesa do liberalismo econômico? Eu diria que nossa história recente depõe contra essa tese.

É importante lembrar que esse mesmo povo de envergadura conservadora nos costumes elegeu o PT quatro vezes ao executivo federal e, mesmo nas últimas eleições, que trouxeram a vitória de Bolsonaro, deram ao partido a maior bancada eleita do Congresso. Muitos destes também apoiaram a famigerada greve dos caminhoneiros, que visava principalmente à concessão de subsídios, pagos com o lombo dos contribuintes, e o tabelamento do frete. Também esse mesmo povo sempre se mostrou majoritariamente contrário às privatizações, sempre sob a égide da soberania nacional e dos tais interesses estratégicos. No mesmo espírito, temos uma cultura de forte apego à CLT, o que causou em muitos setores da sociedade uma visão arredia da recente reforma trabalhista. O mesmo vale para a própria reforma da Previdência que, vale lembrar, quando apresentada por Temer encontrou oposição de um Bolsonaro deputado federal e já pré-candidato à presidência, demonstrando que não só da esquerda vieram ataques.

O ponto aqui não é apontar o dedo em riste para ninguém, mas demonstrar que o buraco é mais embaixo e que dividir a sociedade ao meio é um ato falho quando se tenta obter uma leitura ideológica do eleitorado brasileiro. Também cometem um ato falho os militantes de qualquer estirpe que raciocinam na base do oito ou oitenta e pensam que todos que fazem parte do “seu lado” devem pensar exatamente igual. O que não faltam são bolsonaristas, que incorriam/incorrem em vários, senão todos os vícios do parágrafo anterior, alguns mesmo ex-petistas (já vi exemplares) que passam o dia nas redes chamando de comunista quem, incluindo liberais, ousa criticar o governo ou algum de seus membros. É como se tentassem ensinar o padre a rezar a missa.

O objetivo do texto não é mandar esquerda e direita às favas e dizer que todo mundo deve ser de centro, mesmo porque o centro pode ser tão plural e diverso quanto. Não; o objetivo é arguir que essa ideia de que a direita deve ser uniforme, que devemos todos esquecer as diferenças – significando “calar” as divergências – em prol de uma unanimidade coesa, é, além de impossível, um dogmatismo tosco que se insere em um coletivismo estranho aos princípios liberais.

*Gabriel Wilhelms é licenciado em Música e graduando em Ciências Econômicas, atua como colunista e articulista político.

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