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Imagine que você comprou um imóvel, mas descobre que regularizar a propriedade não é tão simples quanto assinar um contrato. Foi para lidar com situações como essa que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC)estabeleceu novas regras para a usucapião — o direito que permite transformar a posse de um imóvel em propriedade legal por quem viveu muito tempo nele. A decisão pode impactar proprietários em todo o Brasil.
O Grupo de Câmaras de Direito Civil do TJ-SC encerrou uma longa discussão jurídica e estabeleceu regras claras para o uso da usucapião em casos de imóveis adquiridos com contrato de compra e venda. A decisão, tomada em um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), traz segurança para milhares de proprietários e unifica o entendimento dos juízes no estado.
Antes dessa definição, havia divergência entre os magistrados do estado. Nesse contexto, alguns extinguiam processos de usucapião logo no início se o comprador tinha um contrato, enquanto outros permitiam que a ação continuasse.
O endurecimento das regras em Santa Catarina também pode influenciar como os juízes aplicam a usucapião em casos imobiliários em todo o país. Apesar de não se tornar uma súmula e não ter caráter impositivo nacional, a decisão tem potencial de servir como referência para outros tribunais e para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que pode adotar posição similar.
Rodrigo Cavalech, advogado especialista em direito imobiliário e presidente da comissão de Direito Imobiliário de Chapecó, explica a resolução e a aplicação atual. “É uma decisão de Santa Catarina, que não vincula o país. Dessa forma, outros tribunais podem adotar posicionamentos diferentes, salvo quando uma súmula vinculante do STJ obrigar aplicação uniforme em todo o país".
O que a decisão significa na prática?
Prevista no artigo 13 da Constituição Federal e no artigo 1.240 do Código Civil (CC), a usucapião é um meio de adquirir uma propriedade de forma originária, sem a necessidade de um vendedor, baseada na posse prolongada e pacífica. Já a compra e venda é uma aquisição derivada, transferindo a propriedade de uma pessoa para outra.
A tese do TJ-SC harmoniza a existência de um contrato de compra e venda e não impede automaticamente que o comprador entre com ação de usucapião. No entanto, o comprador deve provar que a usucapião é a única forma viável de regularizar o imóvel.

Isso significa que não se pode usar a usucapião como atalho para evitar impostos de transmissão, como o ITBI, ou para ignorar regras de zoneamento e parcelamento do solo. Especialistas indicam a usucapião quando existem impedimentos reais, como imóveis sem matrícula ou dificuldades na obtenção de documentos.
Decisão sobre usucapião busca regularizar o mercado imobiliário
Na visão do advogado Rodrigo Cavalech, a decisão visa incentivar que cada vez mais sejam realizadas transações comerciais de imóveis regulares. "Ou seja, que estão regularmente parcelados, que possuem matrícula imobiliária, para tentar coibir cada vez mais o parcelamento irregular ou o parcelamento clandestino do solo", cita.
Desde 2017, cartórios podem realizar a usucapião extrajudicialmente, conforme o provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que já previa essa regra. “O mercado de regularização de imóveis no Brasil teve crescimento significativo com a lei 13.465/17, a lei da Regularização Fundiária Urbana (Reurb). Ela permite regularizar imóveis diretamente nos municípios”, comenta o especialista.
Cavalech destaca ainda os casos práticos em que especialistas indicam a usucapião. Uma das opções, segundo ele, é quando o vendedor desapareceu ou faleceu e os herdeiros são desconhecidos. Também é possível quando o imóvel não possui matrícula e trata-se apenas de posse. "Ou em casos de usucapião extraordinário, com posse superior a 15 anos sem contrato ou título, como em ocupações", explica.
Dessa forma, a decisão do TJ-SC restringe o uso da usucapião, garantindo que compradores e vendedores realizem os atos de compra e venda de forma regular, com escrituras públicas. A decisão assegura o recolhimento dos emolumentos e impostos devidos, como ITBI em operações onerosas ou ITCMD em casos de doação, inventário ou partilha.
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