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Iva, 99, e Abdon do Nascimento, 101 | Fotos: Daniel Castella no/ Gazeta do Povo
Iva, 99, e Abdon do Nascimento, 101| Foto: Fotos: Daniel Castella no/ Gazeta do Povo

Diferença

Passado naturalmente ativo

A vice-coordenadora do curso de Gerontologia da Universidade de São Paulo (USP), Marisa Accioly, avalia os dados da pesquisa olhando para trás: se hoje as pessoas precisam inserir pelo menos 30 minutos de atividades físicas, três vezes por semana, em suas agendas, as pessoas centenárias não tinham necessidade de fazer disso uma obrigação. Longas caminhadas já eram parte de sua rotina.

"Ainda que o estudo mostre que os hábitos de muito centenários não eram tão saudáveis, as pessoas que hoje têm 100 anos, no passado, caminhavam muito mais, pois não havia tantos automóveis, e elas levavam uma vida mais rural, com uma alimentação saudável, porque não havia tantos alimentos industrializados", pondera Marisa.

Para a professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenadora do projeto Universidade Aberta à Terceira Idade (Unati), Nanci Soares, genes mais fortes aliados a hábitos saudáveis seriam um bônus para o acesso à longevidade. "A qualidade de vida deve ser uma preocupação não só na terceira idade. São as atitudes tomadas ao longo da vida que fazem uma pessoa viver mais", diz.

Corpos feitos para chegar aos 120 anos

A importância dos genes é incontestável, mas mesmo sem uma genética favorável ou sem pessoas centenárias na família, qualquer um é capaz de viver muito. É o que diz a presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Silvia Pereira.

"Somos nós que qualificamos a nossa vida. Temos muitas reservas no corpo: nascemos com dois pulmões, dois rins, um coração potente, mas ao longo do tempo abusamos do nosso organismo. Estudos dizem que o ser humano é capaz de viver cerca de 120 anos", revela.

A geriatra observa que as pessoas com 100 anos ou mais são uma raridade nos consultórios. E aqueles que chegam até os médicos são tratados como peças preciosas pelas famílias: as pessoas se espelham nos idosos e almejam repetir o mesmo feito, vivendo mais de 100 anos.

Estilo de vida

Segundo Silvia, normalmente, o passar dos anos traz mais calma à vida de modo geral, o que acaba por contribuir ainda mais para o aumento da expectativa de vida: "Quando estão mais velhas, as pessoas abusam menos do seu organismo, deixam de fumar, diminuem o estresse e o ritmo de trabalho", diz.

Além disso, a geriatra reforça um aspecto ausente na pesquisa americana e presente na personalidade da maioria daqueles que ultrapassaram os 100 aniversários: o otimismo. "Quem chega lá, apesar de todas as perdas vivenciadas, vê sempre a metade do copo cheio. Uma pessoa risonha e bem humorada vai mais longe", ensina a médica.

  • Benedicta Worms Barbosa Campelo, 103

O número de centenários no Brasil passou de 14 mil para 23 mil em uma década, de acordo com dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mesmo com o aumento, é difícil pensar que para chegar lá algum deles tenha vivido sem se preocupar com a saúde, fazer exercícios físicos ou cuidar da alimentação. No entanto, um estudo do Instituto de Pesquisas sobre o Enve­lhe­cimento da Universidade de Yeshiva, nos Estados Unidos, mostrou que uma parcela considerável de pessoas que passaram dos 95 anos consumiram frituras, bebidas alcoólicas, fumaram e deixaram de lado a prática de exercícios físicos.

De acordo com o estudo, 57% dos centenários e 53% das centenárias não praticaram exercícios regularmente durante a vida. Cerca de 60% dos homens, ainda, fumaram ao menos 100 cigarros durante a vida. A obesidade também foi recorrente no grupo. Do total, 48% dos homens e 44% das mulheres eram obesos.

A pesquisa foi feita com 477 judeus – grupo considerado geneticamente mais homogêneo – entre 95 e 109 anos. Eles foram questionados sobre seu estilo de vida até os 70 anos e as respostas foram comparadas àquelas dadas por 3.164 pessoas com idade entre 65 e 74 anos (ver info).

Os resultados poderiam encorajar muitos a afrouxar a rigidez nos cuidados com a saúde no caminho para a velhice, mas a hipótese para explicar o alcance de uma vida longa mesmo com um estilo de vida pouco saudável estaria na genética de uns poucos privilegiados. "Isto não significa que se alguém quiser chegar aos 100 anos poderá fumar e deixar de praticar atividades físicas. Isto quer dizer que existem pouquíssimas pessoas que chegarão aos 100 anos e para elas ter bons ou maus hábitos não importa – elas vão chegar lá de qualquer maneira", disse o médico e autor do estudo Nir Barzilai, em entrevista para a revista Time.

Eles somam 303 anos

Contrariando os dados da pesquisa americana, Benedicta Worms Barbosa Campelo, 103 anos, e o casal Iva do Nascimento, 99 anos, e Abdon do Nascimento, 101 anos, tiveram uma vida bastante regrada. Eles são três dos cerca 140 centenários da cidade de Curitiba.

A vida de dona de casa de Benedicta sempre foi muito caseira, mas ela era acostumada a fazer longas caminhadas para visitar os parentes. Nas refeições, o exagero nunca esteve à mesa. "Gosto muito de arroz, feijão, verduras. Minha alimentação sempre foi muito normal", diz Benedicta.

Apesar de ser diabética há 20 anos, ultimamente ela não abre mão dos doces – único deslize que diz se permitir. "Todos os dias como um pouco de sobremesa, mas não é nada exagerado. Em casa, meus pais faziam muitos doces, tachos de goiabada, e comíamos bastante, mas hoje não é assim", conta ela que é a única remanescente de 10 irmãos.

Na vida de 73 anos de casados de Iva e Abdon a saúde foi mantida ao custo de ficar longe do cigarro e dos excessos do álcool – segundo a esposa, esse é o motivo da longevidade de ambos. No dia a dia, a comida brasileira sempre fez parte da rotina da família, com espaço para algumas frituras como pastéis, mas em pouca quantidade, garantem.

Juril Campelo, filha do casal, se lembra dos pais como um casal bastante ativo. "Eles caminhavam muito, meu pai fazia ginástica com pequenos pesos de areia e usou a esteira mecânica até os 90 anos", conta.

Na família Nascimento, viver por muito tempo está no sangue: o pai de Iva viveu 100 anos, seus oito tios passaram dos 80 e cinco primas passaram dos 90. Entre encarar o centenário como um fardo, por dizer adeus à maioria que passou pela vida de forma mais rápida, ou como uma dádiva, por terem visto o mundo se desenvolver e a família aumentar, os três preferem a última opção. "Vivi uma vida feliz, cercada por pessoas muito boas", diz Benedicta.

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