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Jennyffer no colo da mãe, Andréia: a menina suportou  uma longa viagem e dias na UTI | Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
Jennyffer no colo da mãe, Andréia: a menina suportou uma longa viagem e dias na UTI| Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo

No último mês, a pequena Jennyffer Lira Schaiber, de 3 anos, comoveu o Brasil. A menina de cabelos encaracolados e olhos negros e vivos virou notícia em vários meios de comunicação por um feito inusitado: seu coração e pulmão ficaram parados por quase uma hora, e ela e sua família viraram exemplo de persistência.

No dia 17 de julho, um dia antes de fazer aniversário, Jennyffer teve os batimentos do órgão interrompidos para a realização de uma cirurgia no Hospital Nossa Senhora do Rocio, em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba. A menina veio de Vitória, no Espírito Santo, numa tentativa persistente de seus pais, Roger e Andreia, de salvar sua vida.

A história da família é marcada por superação: Jennyffer nasceu com um problema cardíaco chamado de comunicação interventricular, quando não há separação entre os dois ventrículos do coração, o que faz com que o sangue venoso se misture com o arterial, prejudicando os pulmões e dificultando a respiração. Ela também tem um rim atrofiado.

O problema foi diagnosticado logo depois do parto, e, após o nascimento, a menina teve uma parada cardiorrespiratória. Também ficou seis meses internada em um hospital de Vitória e teve de se alimentar através de uma sonda por três meses.

Enquanto crescia, a menina precisava ser cercada de cuidados, já que qualquer atividade física poderia cansá-la e até comprometer os sistemas respiratório e cardíaco. Andreia deixou o emprego de vendedora para cuidar da filha, e Roger, funcionário público com outros cinco filhos e já avô, redobrou os cuidados sobre a caçula.

Ao chegar a hora de fazer a cirurgia, uma decepção: o procedimento não era ofertado em nenhum hospital, público ou privado, do Espírito Santo, e Jennyffer foi então encaminhada para o hospital paranaense, que é referência em cirurgias cardíacas pediátricas de alto risco.

Antes da operação, a menina precisou passar por uma série de exames de sangue e eletrocardiogramas, além de um cateterismo. No dia tão aguardado e temido, os médicos precisaram provocar uma parada cardíaca para corrigir a falha.

Quando saiu da sala operatória, Jennyffer foi direto para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde ficou por nove dias, a maior parte do tempo entubada. Os pais só puderam vê-la por uma hora a cada dia, e todo cuidado era pouco – nada de ficar muito perto ou tocá-la, para evitar infecções.

Nesse tempo, comemorou três anos de olhos fechados, num sono profundo, enquanto os pais levaram bolo e refrigerantes para o quarto no intuito de não deixar a data passar em branco e comemoraram o renascimento da filha de forma silenciosa, na companhia da equipe do hospital.

No dia 27, após a realização de exames que mostraram que Jennyffer estava bem, a família voltou para Vitória de avião. No carro a caminho do aeroporto, a menina dormiu no colo da mãe, sonhando com os brinquedos prometidos pelo pai, ainda agitada e nervosa por tantos procedimentos a que foi submetida.

A partir de agora, os médicos garantem que ela está curada, embora precise de acompanhamento médico por toda a vida. Poderá correr com os primos, subir em árvores e levar uma vida normal, como a de qualquer criança de sua idade. As palavras "comunicação interventricular" viraram, definitivamente, um termo do passado.

Entenda o problema de Jennyffer

O pediatra especialista em cardiologia do Hospital Nossa Senhora do Rocio (Campo Largo) Lauro Linhares, que acompanhou Jennyfer, explica a cardiopatia que a acometeu:

O problema com o qual sofria a garotinha capixaba Jennyffer Lira Schaiber, de 3 anos, é a comunicação interventricular, também chamada de CVI. Ela ocorre quando uma membrana que separa os ventrículos esquerdo e direito do coração não existe, e o sangue arterial (oxigenado) e o venoso (rico em gás carbônico) se misturam. Por causa desse problema, o sangue passa em excesso para o pulmão, o que causa problemas respiratórios.

Para entender melhor a doença, é preciso lembrar como funciona o coração. São 4 cavidades básicas: duas do lado direito e duas do lado esquerdo. O átrio direito é responsável por captar o sangue venoso que vem das partes inferior e superior do corpo. O ventrículo direito então aspira esse sangue rico em gás carbônico e bombeia-o para o pulmão através da artéria pulmonar.

No pulmão, o sangue é oxigenado e devolvido para o átrio esquerdo. Em seguida, esse sangue rico em oxigênio é sugado pelo ventrículo esquerdo, que se enche e bombeia o sangue pela aorta até a parte inferior e superior do corpo. E o processo recomeça.

No caso de Jennyffer, a separação entre os ventrículos não existia, e eles se "comunicavam", fazendo com que sangue arterial e venoso se misturassem. Em vez de o sangue sair do ventrículo esquerdo e 100% dele ir para a aorta e depois para o corpo, uma parte volta ao ventrículo direito e acaba indo para o pulmão.

O pulmão, no caso, está preparado para receber uma quantidade certa de sangue venoso, mas recebe também o arterial, mais do que sua capacidade, e isso acaba causando um problema chamado de "doença hipertensiva pulmonar", que vai minando o órgão e dificultando a respiração.

Cirurgia paliativa

Quando bebê, Jennyffer foi submetida a uma cirurgia paliativa, chamada de "cerclagem da artéria pulmonar". Os médicos fizeram uma espécie de laço sobre a artéria pulmonar, numa tentativa de estrangulá-la e diminuir a pressão no local. O problema é que, embora o procedimento tenha salvado sua vida, a longo prazo deformou a artéria. Também pode causar pneumonia e levar a criança a óbito. Por isso, era importante resolver de vez o problema. No Hospital Nossa Senhora do Rocio, em Campo Largo, os cirurgiões costuraram uma membrana feita com pericárdio de boi no local onde havia a CVI, que foi tratada para não haver rejeição, e "taparam" o buraco que havia entre os ventrículos. Também reconstruíram a artéria pulmonar que estava deformada.

Para realizar a cirurgia, os médicos provocaram uma parada cardíaco-pulmonar em Jennyffer. Também diminuíram a temperatura do corpo, criando uma hipotermia, para que o gasto energético do corpo fossem menor. O coração e o pulmão ficaram inertes por 50 minutos e, durante esse tempo, a circulação e a oxigenação do sangue ocorreram fora do corpo, por meio de uma máquina.

Para que as coronárias não morressem desnutridas, elas receberam uma solução cardioplégica, que as alimentou durante esse tempo. Após a colocação da membrana e o conserto da artéria pulmonar, os médicos deram um choque no coração, que voltou a bater, e então finalizaram a cirurgia. No total, foram 6 horas e 15 minutos de operação.

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