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Protegido numa cápsula microscópica, um medicamento atravessa incólume o inferno ácido do estômago e a pesada maquinaria metabólica do fígado. Já na corrente sanguínea, ele encontra o local onde deve agir, quando então uma pequena molécula entra em ação e abre a cápsula, lançando um bombardeio certeiro contra o exército de parasitas que ocupa o organismo do paciente. Este verdadeiro míssil teleguiado farmacêutico em breve entrará no arsenal brasileiro contra uma das doenças mais negligenciadas do mundo, a esquistossomose. Desenvolvido por Laís Bastos da Fonseca, pesquisadora da Fiocruz, como parte de seu doutorado na Farmanguinhos, ele será fabricado na nova planta de nanopolímeros que a Coppe/UFRJ inaugura no fim deste mês.

Fruto de um investimento de R$ 11 milhões, a Planta Piloto de Polímeros ocupa uma área de 740 m² no Laboratório de Engenharia de Polimerização da Coppe e será a primeira do país capaz de produzir micro e nanopartículas com aplicações nas áreas médica, biotecnológica e farmacêutica. É dela que deverão sair as pílulas de Praziquantel, o medicamento padrão no combate à esquistossomose, acondicionado nas nanocápsulas. Segundo Laís, os protocolos para os testes da nova formulação já foram enviados para Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e o objetivo é iniciar os ensaios com animais já no ano que vem, seguidos por testes com seres humanos em 2014.

Pelo menos por enquanto, as nanocápsulas do remédio ainda não serão totalmente "teleguiadas", isto é, não terão uma molécula que oriente e controle sua absorção em uma determinada região do corpo. Ainda assim, a tecnologia já possibilitará diminuir em muito as doses necessárias do remédio, pois evitará sua perda no chamado metabolismo de primeira passagem, que ocorre no trato digestivo e no fígado e faz com que cerca de 80% do fármaco fiquem pelo caminho e não ataquem os parasitas.

"Todo medicamento de uso oral sofre este processo para ser absorvido pelo organismo, então temos que dar uma dose muito alta para que sua concentração seja suficiente no local de ação", explica Laís. "Com o revestimento de nanopolímeros, no entanto, não há esta perda, o que vai garantir que mesmo uma dosagem pequena tenha o efeito desejado e evitar os efeitos colaterais provocados por doses grandes de remédios".

No caso do Praziquantel, as nanocápsulas têm vantagens que vão além do melhor aproveitamento do fármaco. Como as crianças são as principais vítimas da esquistossomose - que atinge 200 milhões de pessoas em todo o mundo, oito milhões no Brasil -, a redução da dose também diminuirá o tamanho e quantidade de comprimidos que devem ser tomados, dois obstáculos no tratamento delas. Outro efeito significativo do nanoencapsulamento do Praziquantel será evitar o gosto amargo do remédio, outro motivo de grande rejeição das crianças ao tratamento.

"Muitas vezes o comprimido tem que ser partido para que as crianças consigam engoli-lo, mas isso piora ainda mais o gosto do remédio, provocando vômitos", conta Laís.

As nanocápsulas de Praziquantel não serão os únicos produtos a sair da planta da Coppe, que terá capacidade para fabricar cerca de 100 quilogramas de materiais por dia. Entre outras novidades estarão também êmbolos microscópicos para o tratamento de câncer, usados para entupir os vasos sanguíneos que alimentam os tumores, "matando-os de fome".

"Nosso objetivo principal é tirar estas tecnologias das limitações de produção dos laboratórios e dar a elas uma escala industrial", afirma José Carlos Pinto, professor de Engenharia Química e coordenador do Laboratório de Engenharia de Polimerização da Coppe.

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