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Maikaew Panomyai fez uma dancinha ao sair da sala de exame, remexendo os quadris, balançando os punhos no ar e cantando, em seu limitado inglês: "Everything’s OK! Everything’s OK!". "A enfermeira acabou de me dizer que não tenho câncer cervical e que até a manchinha branca que eu havia tratado há três anos desapareceu." O que permitiu que a enfermeira fizesse esse diagnóstico tranquilizador foi um procedimento extremamente simples, rápido e barato, com o potencial de fazer pelos países pobres o que o exame Papanicolau fez para os ricos: acabar com o reinado do câncer cervical como assassino número 1 das mulheres. O ingrediente mágico? Vinagre artesanal.

A cada ano, mais de 250 mil mulheres morrem de câncer cervical, quase 85% delas nos países de baixa e média renda. Décadas atrás, ele matou mais mulheres nos Estados Unidos do que qualquer outro câncer e agora ele está bem muito atrás dos cânceres de pulmão, cólon, mama e pele.

As enfermeiras que usam o novo procedimento, desenvolvido por especialistas da faculdade de medicina Johns Hopkins na década de 1990 e aprovado no ano passado pela Organização Mundial de Saúde, passam vinagre no colo do útero de uma mulher. Isso faz com que manchas pré-cancerosas fiquem brancas.

Depois, elas podem ser congeladas imediatamente com uma sonda de metal resfriada por um tanque de dióxido de carbono, disponível em qualquer engarrafadora de Coca-Cola.

O procedimento faz parte de uma ampla variedade de avanços médicos baratos, porém eficazes, que estão sendo testados nos países em desenvolvimento.

Novas técnicas baratas de diagnóstico e cirurgias, inseticidas, regimes de medicamentos e próteses já estão começando a salvar vidas.

Com o exame papanicolau, o médico faz uma raspagem do colo do útero e envia o material coletado a um laboratório para ser examinado por um patologista.

Muitos países pobres não têm laboratórios de alta qualidade e os resultados podem demorar semanas para chegar. As mulheres que retornam para áreas distantes, onde moram ou trabalham, muitas vezes são difíceis de encontrar quando são diagnosticadas com lesões pré-cancerosas.

Maikaew, 37 anos, poderia ter sido uma deles. Ela é caixa de um restaurante na longínqua Ko Chang, uma ilha paradisíaca. Ela estava em casa em Poyai, uma aldeia agrícola de arroz, para uma breve visita e foi examinada por insistência de sua mãe.

A mesma coisa havia acontecido há três anos, e ela estava com uma mancha branca. (Parecem verrugas e são causadas pelo papilomavírus humano.) A mancha foi congelada com crioterapia, o que doeu um pouco, mas era suportável, disse ela.

Como Maikaew foi examinada duas vezes aos 30 anos, seu risco de desenvolver câncer no colo do útero caiu 65 %, de acordo com estudos realizados pela Aliança de Prevenção do Câncer Cervical, uma coalizão de organizações internacionais de saúde financiada pela Fundação Bill & Melinda Gates.

O procedimento, conhecido como VIA/crio para visualização do colo com ácido acético (vinagre) e o tratamento com crioterapia, pode ser feito por uma enfermeira e apenas uma consulta é necessária para detectar e matar um câncer incipiente.

A Tailândia tem ido mais longe do que qualquer outro país na adoção da técnica. Mais de 20 países, incluindo Gana e Zimbábue, fizeram projetos-piloto. Mas, na Tailândia, o VIA/crio agora é rotina em 29 das 75 províncias, e 500 mil das 8 milhões de mulheres, com idades entre 30 e 44 anos, na população-alvo foram examinadas pelo menos uma vez.

O Dr. Bandit Chumworathayi, ginecologista da Universidade de Khon Kaen, que ajudou a realizar o primeiro estudo tailandês do VIA/crio, explica que o vinagre realça os tumores porque eles têm mais DNA e, portanto, mais proteína e menos água do que outros tecidos. Ele revela pré-tumores com mais precisão do que um exame papanicolau comum.

Mas também gera mais falsos positivos – manchas que ficam claras, mas não são malignas. Consequentemente, algumas mulheres passam por crioterapia desnecessariamente.

Mas o congelamento é cerca de 90 % eficaz e o principal efeito colateral é uma sensação de queimação, que desaparece em um ou dois dias. Em contraste, a biópsia, o método antigo, pode causar sangramento.

"Alguns médicos resistem" à abordagem crioterápica, disse o Dr. Wachara Eamratsameekool, ginecologista do hospital rural Roi Et que ajudou a implantar o procedimento. "Eles chamam isso de tratamento pobre para os pobres. Isso é um mal-entendido. É o uso mais eficiente dos nossos recursos".

Em uma oficina, as enfermeiras em treinamento se debruçaram sobre cartões flash que mostram colos do útero com problemas diagnosticáveis. Elas fizeram exames ginecológicos em manequins de aparência humana com colos de plástico. Elas realizaram a crioterapia em cachorros-quentes cortados preso em tubos de plástico. Depois do almoço, elas se separaram em pequenos grupos e foram em micro-ônibus para as clínicas rurais vizinhas para praticar em mulheres de verdade.

Como o câncer cervical leva décadas para se desenvolver, ainda é muito cedo para provar que a Tailândia reduziu sua taxa de câncer. Na verdade, a província de Roi Et, onde começou a triagem em massa, tem uma taxa maior do que o normal, mas os médicos atribuem isso ao teste extra. No entanto, das 6 mil mulheres recrutadas 11 anos atrás para o primeiro exame, nenhuma desenvolveu o câncer por completo.

O VIA/crio foi iniciado na década de 1990, simultaneamente, pelo Dr. Paul D. Blumenthal, ginecologista americano que trabalha na África, e pelo Dr.

Rengaswamy Sankaranarayanan, na Índia. Blumenthal disse que ele e seus colegas da faculdade de medicina Johns Hopkins conversaram sobre maneiras de facilitar a visualização das lesões cervicais e concluíram que branquejá-las com ácido acético seria eficaz. O congelamento das lesões é rotina na ginecologia e na dermatologia; o desafio era torná-lo fácil e barato. O nitrogênio líquido é difícil de conseguir, mas o dióxido de carbono está prontamente disponível. A Tailândia parece feita para a técnica de vinagre. Tem mais de 100 mil enfermeiras e uma rede de clínicas rurais que é em grande parte gerenciada por elas.

Além disso, enquanto os pobres aldeões rurais de muitos países vão aos xamãs ou herbalistas antes de consultar os médicos, os tailandeses pobres não fazem isso. A Tailândia tem uma taxa de alfabetização de 95 % e os médicos são confiáveis. O rei é filho de um médico e uma enfermeira: seu pai estudou em Harvard. Uma das princesas reais tem doutorado em química e interesse na pesquisa do câncer.

Mas, segundo Wachara, o verdadeiro segredo é este: "A Tailândia tem Lady Kobchitt".

Dra. Kobchitt Limpaphayon para seus colegas da faculdade de medicina da Universidade de Chulalongkorn, em Bancoc, e 'Kobbie’ para seus colegas de classe de muitos anos da faculdade de medicina de Albany, Nova York, é a ginecologista da família real tailandesa.

"Kobbie é uma força da natureza", disse Blumenthal, que já lecionou com ela. Em 1971, quando era uma jovem médica, mudou-se de Albany para Baltimore para ajudar a iniciar o Programa de Educação Internacional em Ginecologia e Obstetrícia da Johns Hopkins. Em 1999, ela leu um dos artigos de Blumenthal e pediu-lhe para introduzir o VIA/crio na Tailândia. Sem os contatos e o poder de persuasão dela, segundo Bandit, teria sido impossível conseguir que a conservadora faculdade real tailandesa de obstetrícia e ginecologia desistisse do papanicolau ou convencer o parlamento a permitir que as enfermeiras fizessem crioterapia, procedimento previamente reservado para médicos.

Os exames gratuitos em clínicas públicas são essenciais para pessoas como Yupin Promasorn, 36 anos, que fazia parte do grupo de Maikaew.

Ela vende lanches em Bancoc, e seu marido dirige um riquixá motorizado tuk-tuk. Com dois filhos, ela não tem tempo para esperar nos movimentados hospitais públicos de Bancoc e é pobre demais para consultar um médico particular. Então, ela e seu marido dirigiram 12 horas da sua aldeia natal até aqui em seu tuk-tuk. Quando ela descobriu que o exame deu negativo, ela sentou-se em uma cadeira se abanando.

"Parece que eu tirei uma montanha pesada das minhas costas", disse ela.

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