A estimativa do Ministério da Saúde é de que neste ano seja desembolsado R$ 1,7 bilhão para a compra de remédios determinada por sentenças judiciais| Foto: Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo

O Ministério da Saúde iniciou uma investigação sobre a existência da “máfia da judicialização”. Há um mês, uma equipe da assessoria jurídica da pasta foi destacada para cruzar dados de médicos, pacientes, advogados e juízes. A ideia é identificar grupos que tenham atuado ao longo dos últimos anos para obter vantagens indevidas nas ações que cobram do poder público remédios não oferecidos no Sistema Único de Saúde (SUS).

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O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que o relatório, prestes a ser concluído, será enviado para a Polícia Federal. Um estudo semelhante está em curso também no Conselho Nacional de Justiça.

Associações de representantes de pacientes ouvidas pela reportagem classificam as investigações como uma estratégia para desviar o foco da discussão. “A ideia é tentar tirar a legitimidade de um movimento que surgiu justamente em resposta à falta de atuação do Estado. De tentar transformar uma reivindicação legítima em ação de um grupo de aproveitadores”, afirmou Antoine Daher, da Casa Hunter, associação que reúne pacientes, familiares e médicos especializados em doenças raras. “Se abusos acontecem, têm de ser punidos. Mas a discussão é outra.”

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A estimativa do Ministério da Saúde é de que neste ano seja desembolsado R$ 1,7 bilhão para a compra de remédios determinada por sentenças judiciais. Entre janeiro e julho, a pasta respondeu a 16.301 ações que tratam do fornecimento de medicamentos. O número é superior ao que foi registrado durante os 12 meses de 2015: 14.940. Entre 2010 e 2015, os gastos para compra de remédios determinados por sentenças subiram 727%.

“Saúde não tem preço. Mas tem um custo e alguém terá de pagar pelo fornecimento dos medicamentos que não estavam previstos na lista”, afirma Barros. O ministro argumenta que, para cumprir as sentenças, ações programadas na Saúde precisam ser interrompidas.

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Inoperância

O presidente da Associação Nacional dos Portadores de Doenças de Gaucher e outras Doenças Raras, Pedro Stelian, discorda. Ele atribui a avalanche de ações na Justiça à inoperância do Ministério da Saúde. “O SUS oferece medicamento apenas para uma doença rara, a de Gaucher”, disse. “Nenhuma das demais está contemplada. O que pacientes devem fazer? Esperar morrer?”

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Daher afirma que os pedidos para incorporação dos remédios no SUS esbarram na avaliação sobre o impacto econômico do tratamento. “Esse tipo de análise nunca é feito pelas empresas para doenças raras. E não há como fazer, pois o número de pacientes com problema é muito reduzido. A lógica tem de ser outra.” Segundo Stelian , todos os pacientes com diagnóstico de doenças ultrarraras que ingressaram na Justiça conseguiram o direito do fornecimento do remédio.

Solicitações feitas

Pela estimativa de Daher, dos 20 medicamentos mais pedidos na Justiça, 90% são para doenças raras. “E, desse total, 14 têm registro na Anvisa”, afirmou Stelian. Ambos não têm dúvida ao dizer que o poder público teria um gasto muito menor se fizesse protocolos para essas doenças. “As compras poderiam ser programadas. E, com isso, o preço do remédio poderia ser negociado com a indústria”, diz Stelian.

“Para pacientes e familiares é sempre muito penoso ter de recorrer à Justiça. Há um tempo precioso que se perde, há insegurança”, contou Daher. Por isso, fala, o ideal seria que o Ministério da Saúde mudasse a política e passasse a avaliar de fato a possibilidade de incluir remédios para doenças raras na lista do SUS.

O filho dele, Antony, teve diagnóstico de mucopolissacaridose tipo 2 aos 3 anos e meio. Ele precisou ingressar na Justiça para conseguir o tratamento, feito por meio da recomposição de uma enzima. “Desde que começou a terapia, a doença estacionou. Ele está ótimo.”