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"Aceitei fazer parte da pesquisa porque queria ver uma diferença no tratamento pelo qual estava passando. Fazia diálise há três anos."Soraya Aparecida Machado, voluntária de uma pesquisa com bolsas para diálise peritoneal | Valterci Santos / Gazeta do Povo
"Aceitei fazer parte da pesquisa porque queria ver uma diferença no tratamento pelo qual estava passando. Fazia diálise há três anos."Soraya Aparecida Machado, voluntária de uma pesquisa com bolsas para diálise peritoneal| Foto: Valterci Santos / Gazeta do Povo

As fases da pesquisa

Entenda como funciona cada etapa da pesquisa até o medica­men­to ser aprovado e comercializado. Elas têm diferentes objetivos e ajudam os cientistas a responder diversas questões:

Início

Antes de a pesquisa ser feita em humanos, é preciso descobrir moléculas com potenciais farmacêuticos (de cada 10 mil moléculas, apenas 250 são promissoras e testadas). Primeiro as pesquisas são feitas em laboratório, depois em computador (para ver como reagirão) e, por último, são feitos testes em animais. Isso leva cerca de seis anos para ocorrer. A fase clínica, a seguir, dura cerca de sete anos.

Fase 1

São os estudos iniciais para determinar as reações farmacológicas de drogas em humanos. Normalmente inclui apenas voluntários sadios para ver se a droga é tóxica. O grupo de pesquisas costuma ser pequeno (entre 20 e 80 pessoas). É a hora de determinar a dosagem a ser aplicada e ver os efeitos do remédio.

Fase 2

Vê a eficácia, os efeitos e os riscos da medicação. O grupo de voluntários é maior (de 100 a 300). A partir daqui, as cobaias costumam ser portadoras da doença que a droga em teste pretende curar ou tratar.

Fase 3

Para comprovar a eficácia do medicamento (e seus possíveis riscos), é preciso ampliar o grupo de voluntários, que passa a ser de mil a 3 mil pessoas.

A intenção é confirmar o que a pesquisa vinha apontando até então.

Fase 4

Finalização dos estudos para determinar os riscos, benefícios, usos opcionais e estipular, finalmente, a dosagem adequada para a droga, então, ser comercializada.

Depois

Mesmo com o remédio no mercado, os laboratórios precisam ficar de olho, porque outros efeitos colaterais podem aparecer sem antes sido previstos.

Fonte: Clinical Trials.org

Sentindo na pele

No Hospital Antonio Pedro, da Universidade Federal Flumi­nense, existem 40 crianças que participam atualmente de uma pesquisa. Uma parte delas recebe corticoide e outra ganha placebo (fármaco inerte). Os pesquisadores estão investigando se a substância ajuda a melhorar a linguagem e sociabilidade dos pacientes que têm autismo.

Leia a matéria completa

Entrevista

"Cobaia por profissão"

Quando precisou levantar um dinheiro extra enquanto estudava em Quebec, no Canadá, o antropólogo uruguaio Roberto Abadie aceitou, em 1998, com 30 anos, fazer parte de uma pesquisa científica para, em troca, ganhar US$1 mil. Tomou um medicamento contra gastrite. A droga, que nunca tinha sido experimentada por humanos, necessitava de gente saudável como Abadie para os testes que se iniciavam.

Leia a entrevista na íntegra

No Brasil, estima-se que mil pessoas participem de pesquisas científicas com novas drogas e tratamentos. Sem haver um cadastro nacional de voluntários e com a impossibilidade de receberem pelos testes, os "sujeitos de pesquisa", como são chamados, acabam se limitando àqueles que buscam nas pesquisas a esperança para a cura de suas doenças.

Nos países onde o pagamento ao voluntário é permitido (como Estados Unidos e parte da Europa), além da esperança de cura, há pessoas fazendo da pesquisa com drogas um meio "profissional" de ganhar dinheiro. Seja qual for o caso, médicos são unânimes em dizer que, sem este tipo de teste, a medicina não sobreviveria. "É a única maneira de ter experiência com novos medicamentos e melhorar o padrão de alguns deles", afirma o chefe da unidade de hipertensão arterial do Hospital de Clínicas da Univer­sidade de São Paulo, Decio Mion Júnior.

Uma pesquisa aplicada no Brasil, normalmente conduzida por um laboratório farmacêutico internacional, ocorre também em pelo menos outros 20 países. Há casos, porém, em que o país faz o experimento sozinho.

Há no Brasil 2,3 mil estudos clínicos envolvendo testes em humanos, principalmente nas áreas de oncologia, cardiologia, reumatologia e infectologia. "Essas pessoas fazem os testes por altruísmo, em benefício ao próximo. Elas conhecem os riscos da pesquisa, mas mesmo assim estão dispostas a ajudar a medicina, por isso são especiais" explica Mion Júnior. A grande crítica é que, no Brasil, assim como na maioria dos outros países, não há um cadastro oficial dos voluntários, ou seja, as pessoas colaboram mas não se sabe, em âmbito nacional (e nem mundial), quem são elas, se ficaram bem depois dos testes e, ainda, se ficarão sem ingerir novas drogas por um determinado período. "Cabe ao médico indagar se o paciente está mentindo ou omitindo a informação. Usar anfetamina, por exemplo, pode confundir a pesquisa, por isso dependemos da honestidade do paciente", explica o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farma­cêutica, Marcelo Lima.

Registro

Já houve a tentativa de se instalar uma plataforma de controle dos voluntários, mas ainda sem sucesso. Por trás desse desconhecimento de quem são as cobaias, está o risco de as pessoas se candidatarem à pesquisa com frequência apenas porque, doentes, têm acesso com mais facilidade ao sistema público de saúde. "O benefício ao paciente é que se o medicamento for comprovadamente benéfico, os laboratórios deverão fornecê-lo até que esse seja comercializado", explica o bioquímico Sérgio Surugi de Siqueira, coordenador-adjunto do Comitê de Ética em pesquisa da Pontifícia Universi­dade Católica do Paraná (PUCPR).

Quando o medicamento vai para as prateleiras das farmácias, deixa de ser fornecido gratuitamente aos voluntários. "É uma grande discussão, assim como a questão do pagamento ao sujeito de pesquisa.

"Seria interessante haver uma retribuição, até porque as pesquisas de fase 1 [que precisam de voluntários sadios], têm baixa procura porque poucos estão dispostos a receber um medicamento e ficar internados por uma semana para ver se ele é tóxico. Mas se o Brasil for aprovar o pagamento, é preciso criar mecanismos para evitar que o voluntário vire profissional", explica Siqueira. E a única maneira de controlar a participação dos indivíduos nas pesquisas é com um registro de dados internacionais e confiáveis. "A ética também pode ser questionada nesse cadastro. Todos os médicos poderão ter acesso às condições de saúde de todos os doentes? Como estas pessoas se sentirão?", questiona Lima.

Para a presidente da Socie­dade Brasileira de Pesquisa Clínica, Greyce Lousana, a proibição do pagamento é utopia. "Hoje temos laboratórios que dão R$ 1,5 mil a pacientes que participam de pesquisas em bioequivalência [medicamentos genéricos]. Elas ganham dinheiro, mas isso entra como ressarcimento. A grande questão é que isso precisa ser discutido e melhor regulamentado no país", afirma.

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao Ministério da Saúde, por e-mail afirmou que não permite o pagamento a cobaias "porque o país tem uma população vulnerável e em situação de extrema pobreza". Mas admitiu: são frequentes os registros de reações adversas, pois se tratam de drogas ainda em desenvolvimento e, por isso, alguns estudos são interrompidos.

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