Se você fechar os olhos e pensar em justiça, qual imagem vem primeiro? Talvez não seja a de um ministro do STF lendo um voto interminável. Nem a de um fórum abarrotado de processos e ventiladores barulhentos. Para muitos, a imagem da justiça nasceu no cinema: Atticus Finch em "O Sol é para Todos", Tom Hanks em "Filadélfia", os jurados de "Doze Homens e uma Sentença" ou Jack Nicholson gritando "Você não aguenta a verdade!"You can’t handle the truth!”" em "Questão de Honra". Essas cenas moldaram nosso senso de justiça.
O problema é que quase todas essas histórias vêm de outro sistema jurídico: o common law, praticado nos Estados Unidos. Lá, o tribunal é um palco: júri popular, advogados apaixonados, dramas humanos revelados diante de todos. O modelo é naturalmente fotogênico e, por isso, conquistou Hollywood. Já o Brasil segue o direito romano, burocrático, baseado em códigos e decidido em gabinetes. Não há júri nem espetáculo — e talvez por isso nossa justiça real nunca se pareça com a justiça da ficção.
Enganados
É desse contraste que trata o novo episódio do programa "Última Análise", com Paulo Polzonoff Jr. e Francisco Escorsim. O programa parte das referências culturais para discutir temas políticos e sociais. E, neste episódio, a pergunta é direta: fomos enganados pela ficção? Será que aprendemos a admirar uma imagem da justiça que o nosso sistema simplesmente jamais poderá nos dar?
Ao longo da conversa, filmes e séries são revisitados. "Doze Homens e uma Sentença", por exemplo, mostra como a dúvida razoável pode salvar uma vida. "O Sol é para Todos" apresenta Atticus Finch, advogado ético que se tornou símbolo da luta contra o preconceito. Séries como "The Good Wife", "Boston Legal" e "Law & Order" transformaram processos em espetáculo. O que tudo isso ensina ao brasileiro, que assiste a julgamentos do STF marcados por burocracia, conchavos e votos técnicos?
Julgamento do Bolsonaro
O programa também não foge da provocação: e se julgamentos famosos do Brasil virassem filme? O julgamento de Lula por Sergio Moro, o julgamento do Bolsonaro por Alexandre de Moraes.... E aqui, claro, a questão não é meramente estética. A diferença entre common law e direito romano revela visões distintas de sociedade. Enquanto o júri americano valoriza o senso comum e os costumes da sociedade, o modelo brasileiro entrega o destino de milhões às decisões muitas vezes convenientes de uns poucos togados. Ou seja, não é só questão de imagem; é de confiança.
O episódio termina com a provocação de sempre: a ficção nos ensinou a esperar tribunais onde a verdade aparece. A realidade brasileira insiste em nos mostrar tribunais onde a verdade se esconde. E a pergunta final ecoa: será que um dia a justiça brasileira vai estar à altura das histórias que aprendemos a amar?



