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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Curitiba chegará no fim deste mês a uma marca histórica: os especialistas no assunto acreditam que ainda em julho a frota da cidade passará a contar com 1 milhão de veículos. Isso levará a cidade à incrível estatística de um carro – ou moto – para cada 1,8 habitantes. Na verdade, em alguns bairros mais ricos, já existem mais veículos do que pessoas. São os casos do Centro, Batel, Alto da XV, Mossunguê, Centro Cívico e Hauer. No bairro campeão de motorização, o Rebouças, há quase três carros para cada pessoa.

Tudo isso leva Curitiba ao título de capital mais motorizada do país. O que pode parecer um motivo de orgulho, no entanto, traz mais transtornos do que alívio para os cidadãos. Mais carros, afinal, significam mais congestionamentos. E enfrentar esse problema exige muito trabalho por parte das autoridades. Ainda mais porque, ao que parece, ninguém está muito disposto a deixar o carro em casa e pegar um ônibus lotado para ir trabalhar.

Levantamento feito pela Paraná Pesquisas, a pedido da Gazeta do Povo, mostra que 82% dos motoristas usam seus carros todos os dias. Mais do que isso. Embora 78% achem que a cidade já tem carros demais, a grande maioria diz que não abre mão do conforto de usar o carro próprio. Dos 407 motoristas entrevistados pelos pesquisadores, só 10% dizem que pensaram um dia em vender o carro e depender exclusivamente do transporte coletivo. Os outros, com congestionamento ou não, querem mesmo é usar seus carros particulares para se locomover pela cidade.

Desafios

"O fato de Curitiba chegar a ter 1 milhão de carros põe por terra dois símbolos da cidade", opina Fábio Duarte, professor do mestrado em Gestão Urbana na PUCPR. "O primeiro é o da Capital Ecológica. O segundo é o do transporte coletivo eficiente", afirma. No que diz respeito ao segundo ponto, a população parece concordar em gênero, número e grau. Quando foram perguntados sobre por que não pegavam mais ônibus, os motoristas citaram que eles são lentos, demoram a chegar e são desconfortáveis. Acima de tudo, são superlotados. Mais de 42% afirmaram que não vale a pena andar espremido na condução curitibana das 6 horas da tarde.

A origem do primeiro milhão de carros, no entanto, tem raízes bem mais antigas do que os defeitos do transporte público. "Em alguns lugares, como nos Estados Unidos, há cidades novas que já são pensadas desde o começo para os carros", conta Claudionor Beatrice, professor de Arquitetura e Urbanismo na PUCPR e no Unicenp. "Curitiba é uma cidade mais antiga e não foi projetada assim, teve de se adaptar aos carros conforme eles apareciam", diz. E a adaptação nem sempre é fácil. Pelo contrário: exige tempo, muito dinheiro e, principalmente, pessoas com capacidade para imaginar soluções para um problema desse tamanho.

Em Curitiba, a atribuição de achar uma maneira de desatar os nós cabe a dois grupos de técnicos. Um fica no Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano, o Ippuc, e pensa as grandes linhas de desenvolvimento da cidade. O outro fica na Urbs, e é encarregado de melhorar o transporte coletivo e dar um jeito no trânsito do dia-a-dia, com todos os seus problemas.

No Ippuc, o estudo do momento é o Plano de Mobilidade, que deve ficar pronto até o fim do ano. Exigido pelo Estatuto das Cidades, o projeto tem de contemplar todas as formas possíveis de locomoção pela cidade, do pedestre ao motorizado. Para os carros, um dos pontos principais é o Anel Viário, que vai ligar várias ruas em torno do Centro. "A idéia é que o motorista possa sempre pegar ruas que desviem do Centro e chegar mais rápido a seu destino", afirma José Álvaro Twardowski, coordenador do programa CirculAção, no Ippuc. Antes de fazer o anel, porém, a prefeitura resolveu fazer um diagnóstico do trânsito da cidade. O resultado é que foram encontrados 20 gargalos a serem resolvidos.

Na Urbs, uma das decisões que estão sendo estudadas é retirar as faixas de estacionamento de algumas ruas, assim como já foi feito na Avenida Visconde de Guarapuava. As rápidas que ligam o Centro aos bairros podem ser as primeiras. "Há várias vias que são de ligação. Não há porque ter estacionamento ali, só atrapalha", diz Rosângela Batistella, anunciada nesta semana como a nova diretora de Trânsito da cidade. No futuro, não pode ser descartada a adoção de sistemas de restrição de trânsito, como pedágios urbanos.

Academia

As soluções para o trânsito lento e para os engarrafamentos usadas no mundo inteiro são várias. E os estudiosos do tema dizem que Curitiba deveria aproveitar algumas das idéias que já estão sendo implantadas no exterior com bons resultados. A primeira, sempre, é apostar cada vez mais no transporte coletivo. O metrô, ou outro tipo de transporte de alta capacidade, se tornará necessário mais cedo ou mais tarde. Mas é preciso pensar bem. "Um metrô ruim é para sempre", diz Claudionor Beatrice, da PUCPR.

Enquanto o metrô não vem, algumas outras possibilidades são sugeridas pelos técnicos. Uma delas é a criação de estacionamentos grandes nas margens da cidade. A idéia é incentivar a pessoa a vir de seu bairro até o estacionamento usando o carro, normalmente. Lá, ela troca o carro por um meio coletivo de transporte. Outra sugestão é criar ruas em que o trânsito de carros seja pouco incentivado, para fortalecer o uso de meios alternativos de transporte, como a bicicleta, por exemplo.

"O curioso é que quem compra um carro parece ter a impressão de que comprou junto 10 metros quadrados da cidade. E isso não é verdade", diz Fábio Duarte. "Temos de dar prioridade para outros meios de transporte", diz o professor, que defende até mesmo uma teoria que pode parecer um pouco antipática para a maioria dos motoristas. "Ninguém força as pessoas a comprar carro. Elas compram porque querem, e têm de saber que junto com o carro compram congestionamentos, lentidão no trânsito, falta de lugar para estacionar. Elas quiseram comprar o carro, então o problema é delas", disse.

O importante, segundo quem entende do riscado, é que Curitiba acorde para a realidade do mar de carros que está tomando conta do asfalto. E pense o quanto antes em maneiras de impedir que a cidade se transforme em uma nova São Paulo, onde ao invés de andar lentamente os carros ficam várias horas sem nem mesmo andar. "Chicago, que é um símbolo de carros e arranha-céus, já está apostando num novo urbanismo, com menos motores e mais convívio humano", diz Claudionor Beatrice. Assim como Chicago, várias outras grandes cidades do mundo caminham na mesma direção. E Curitiba, definitivamente, não deveria ficar para trás.

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