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Victor no colo da mãe, Juliana: a foto não é posada. Ele realmente estava com fome e a mãe precisou alimentá-lo antes do previsto. O arroz é racionado para durar até de noite. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Victor no colo da mãe, Juliana: a foto não é posada. Ele realmente estava com fome e a mãe precisou alimentá-lo antes do previsto. O arroz é racionado para durar até de noite.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo
  • Redução do número de pessoas com algum tipo de insegurança alimentar foi de 5,8% no Brasil

Em cinco anos, o número de pessoas que sofrem com algum tipo de insegurança alimentar (não ter o que comer, comer pouco ou não saber se haverá comida no futuro para todos os membros da família) diminuiu lentamente no Brasil. Segundo dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geo­gra­fia e Estatística (IBGE), com base na Pesquisa Nacional por Amos­tra de Domicílios (Pnad), 8,2% da população brasileira passava fome em 2004, por não ter dinheiro para comprar comida (insegurança grave), contra 5,8% em 2009. Apesar da redução, o número ainda é expressivo: equivale a 11,2 milhões de brasileiros, dos quais 1 milhão são crianças de 0 a 4 anos. Nos casos de insegurança alimentar leve, moderada e grave, o número salta para 65 milhões de pessoas, o equivalente a 34,24% da população. Em 2009, esse índice chegava a 39,9% dos brasileiros, ou 72 milhões de pessoas. Apenas 65,8% da população diz não ter preocupações em relação ao acesso regular a alimentos de qualidade em quantidade suficiente. Nos Estados Unidos, são cerca de 85%.

Também foi possível constatar que a insegurança alimentar é maior entre negros e pardos, com predominância nas regiões Norte (40,3% dos domicílios) e Nordeste (46,1%), em lares com pelo menos um morador com menos de 18 anos e entre os que ganham menos de meio salário mínimo per capita. Maranhão e Piauí têm menos da metade de seus domicílios com acesso garantido a alimentos de qualidade em quantidade suficiente.

Os pesquisadores aplicaram um questionário com 14 perguntas a moradores de todas as regiões do país. Foram incluídos no grupo de pessoas com insegurança alimentar leve os brasileiros que, nos três meses anteriores à pesquisa, estavam preocupados ou inseguros sobre quando e quanto iriam comer no futuro próximo. A insegurança alimentar moderada era notificada quando os adultos precisavam diminuir a quantidade de comida ingerida. Já a insegurança alimentar grave ocorria quando essa redução atingia as crianças e havia a fome (passar um dia inteiro sem comer). Um dado que chamou a atenção diz respeito ao poder de compra dos que apresentavam algum tipo de restrição alimentar: em 6% dos lares havia computadores e em 48,3% havia aparelhos de DVD.

Paraná

No Paraná, o número de domicílios afetados pela fome também diminuiu. Em 2004, 25,9% das cerca de 3 milhões de residências apresentavam insegurança leve, moderada ou grave, contra 20,4% de 3,4 milhões de lares em 2009. O Paraná aparece em terceiro lugar entre os estados que possuem o maior índice de segurança alimentar (79,6% dos domicílios), atrás de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No entanto, 2,4% dos domicílios paranaenses ainda enfrentam a fome. Os números mostram que, no estado, negros e pardos ainda passam mais fome do que brancos. Em 2009, 18,8% dos domicílios com moradores brancos sofriam com a fome, contra 32,5% dos negros.

Família ora por arroz e feijão

O curitibano Victor Mateus, de apenas 2 anos, compartilha com mais 11,2 milhões de brasileiros uma realidade cruel: ele passa fome. Embora a mãe dele, a catadora de lixo desempregada Juliana de Andrade, 24 anos, não saiba o que significa o termo insegurança alimentar, o que importa para ela é que, todos os dias, o que para muitos é uma certeza para eles é uma incógnita. Ela não sabe se terá comida para pôr na mesa.

Pouco depois de Victor nascer, o pai dele, o servente de pedreiro Flávio de Almeida, 30 anos, parou de trabalhar por causa de uma doença renal grave. A mãe trabalhou até um mês atrás, quando passou a sofrer da síndrome do pânico. Quando ainda podia empurrar o carrinho pelas ruas do bairro Campo Comprido, onde moram, ganhava menos de R$ 10 por dia, o que só a permitia comprar leite, arroz e feijão. Às vezes, fuçava em alguma lata de lixo para trazer algo diferente, "com o cuidado de não pegar coisa estragada". Quando come chocolate, Victor para de chorar. Agora, antes de dormir, somente "Papai do céu, que tá lá em cima" ouve o pedido, que inclui também um pacote de arroz.

"Eu tento ser forte, explico para ele que talvez amanhã ele não coma. Ele entende, não reclama e faz oração. Mas eu choro quase todo dia", diz Juliana. A casa de madeira onde vive a família é outra incógnita: não se sabe até quando ficará de pé. Uma chuva mais forte pode levar o fogão e as panelas, que passam a maior parte do tempo sem uso.

A esperança de Juliana é que, no dia 25 de dezembro, a vida dê uma reviravolta. Presente para Victor e os outros filhos, Brian, de 3 anos, que tem necessidades especiais, e Cristian, de 10, nem pensar. O que importa é ter comida. Os dois vivem com a avó, mas Juliana ficará com eles no dia de Natal. Até lá, não sabe o que vai servir. Panetone, vinho e peru são palavras que nem passam pela cabeça dela. Feijão e arroz bastam.

Carne é algo que a família não vê há muito tempo. Um amigo costuma passar e presentear os três com gordurinhas que um açougue não quis. Embora precise de ajuda, Juliana admite: "Tenho vergonha de pedir". Após pensar um pouco, volta atrás e diz: "Quem sabe se alguém puder ajudar só no Natal...". Um dia apenas parece ser suficiente para quem passará os outros 364 sofrendo em silêncio. (VP)

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