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Hoje em dia, não é mais preciso que uma cidade tenha Casas Pernambucanas e Banco do Brasil para provar que cresceu. Basta reparar no número de escolinhas que colorem o quarteirão. Os colégios particulares destinados a crianças de zero a 6 anos se multiplicam feito carrinhos de cachorro-quente e seguem, aqui e ali, quase sempre a mesma receita: instalam-se numa casa grande o bastante para uma família de cinco pessoas, com quintal, e levam na fachada um título raramente inspirado, com pencas de gerúndios e homenagens a bichinhos. Caso alguém tenha por hábito contar o número de pré-escolas e maternais do bairro, uma dica – experimente descobrir quantas estão autorizadas a funcionar. De acordo com dados da Secretaria de Estado da Educação (Seed), as chances de descobrir irregularidades são grandes: um a cada 4,2 estabelecimentos não está em dia com os órgãos competentes. O caso mais comum é mudança de endereço ou mesmo fechamento sem notificação à Seed.

Essa proporção, contudo, deve ser muito maior. Há escolas que sequer entram com a papelada na prefeitura, Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária e Seed. Quantas, ninguém arrisca dizer. Os colégios particulares clandestinos se tornaram uma praga urbana difícil de controlar. Seus proprietários, raramente educadores, recorrem a vários malabarismos para se manter na praça. Um deles é mudar de nome e endereço a cada ano, dando um baile nos fiscais do município, do estado e afins. Há também quem conte com a sorte de nunca ser denunciado – nada raro numa cidade de 1,7 milhão de habitantes. E há quem tire proveito de uma legislação anterior ao ano 2000, quando cada setor envolvido no processo agia de forma independente, favorecendo que uma escola conseguisse alvará e não estivesse em dia com os órgãos públicos. Contra essas, só cassação compulsória.

De seis anos para cá, um acordo firmado entre as partes coibiu essa prática predatória. As licenças estão vinculadas e há uma artilharia pesada na direção dos aventureiros. No ano passado, 70 escolinhas foram fechadas na capital. Apenas no primeiro semestre de 2006, 35 perderam o direito de funcionar. Hoje, apenas em Curitiba são 104 processos em ação, reduzindo a lista de CEIs autorizados ou em negociação com a Seed para 337. No conjunto, porém, apenas 145 têm o selo de qualidade do Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe).

Os pedidos de abertura também caíram, provavelmente por intimidação diante de tanta exigência: foram autorizados 27 centros infantis em 2005 e apenas oito em 2006. É uma boa notícia, mas a fiscalização, ponto fraco do poder público, continua dando asas à clandestinidade. Basta dizer que um dos únicos mecanismos de controle é a denúncia feita pelos donos de escolas regulares que se sentem lesados pela concorrência desleal nas mensalidades. A defesa desses profissionais é a esperança de que os pais liguem para o Sinepe ou para a Seed antes de pagar a matrícula. "Essa situação é reflexo de um problema social: onde deixar as crianças?", comenta a professora Gilda Guimarães Gonçalves, do Setor de Estrutura e Funcionamento do Núcleo Regional de Educação. Ao lado de Eliana Rodrigues da Costa, Gilda monitora o abre-e-fecha de escolinhas e é catedrática no assunto. Dia desses, encontrou uma agulha no palheiro: um CEI pirata no Centro – onde colégios para pequenos são raros. E anos atrás se deparou com um diagnóstico desses de beliscar para ver se é verdade: de 62 escolinhas de Santa Felicidade, cinco estavam em dia. Botar ordem na casa deu trabalho. "Os pais têm de ficar de olho na portaria do colégio. Devem ver se as autorizações estão à mostra", aconselha.

Mas que nada. Os proprietários ainda se beneficiam da demanda, principalmente nas periferias, onde pais, a maioria de baixa renda, fazem das tripas coração para deixar os filhos num lugar que julgam seguro. Há quem os delegue às "escolas-puxadinhos", identificadas pela placa "Cuido de Crianças" presa ao portão e pelos funcionários cães de guarda lá dentro, impedindo a entrada dos técnicos por força do direito à privacidade no domicílio. E quem imagine ter encontrado uma boa escola particular – sonho de consumo num país que despreza a escola pública e tem um pé atrás com as creches. Não faltam oportunistas tirando proveito da boa fé dessa gente.

O que os fiscais encontram nos CEIs modelo "terra de ninguém", no entanto, faria muita mãe chamar a polícia, a Xuxa e o anjo da guarda. O maior problema está sempre na higiene – cozinhas espremidas, com chão carcomido, louça suja e, o pior, banheiros comuns para adultos e crianças. As salas de aula, além de não atenderem à prescrição de 1,5 metro quadrado por aluno e 2,2 para berçários, muitas vezes servem de corredores que ligam à secretaria ou ao refeitório, pondo por terra qualquer possibilidade de aprendizado ou mesmo de segurança. A inadequação arquitetônica desses CEIs se explica: uma das práticas comuns é alugar uma casa, abrir a escola e esperar juntar dinheiro para só então iniciar as reformas necessárias. A economia se estende aos professores e demais funcionários. Em vez de pagar o mínimo de R$ 600, mais os encargos, a um profissional de educação de nível superior, como manda a lei, opta-se por oito horas corridas e salários modestos para babás, estudantes e, comumente, familiares desempregados. Além dessas práticas serem ilegais e antipedagógicas, são ingênuas. Escolinhas não dão dinheiro em cascata. "As exigências legais sobre os centros infantis são grandes. Não é um dinheiro fácil de ganhar", alerta a educadora Jacinta Caron, diretora de Educação Infantil do Sinepe. Segundo o sindicato, uma escola em situação financeira saudável consome 60% de seus rendimentos com encargos.

O alerta vale principalmente para quem se ilude e compra um CEI por até R$ 15 mil, na esperança de ter um negócio próprio. Esse mercado é mais comum do que se imagina e figura entre as estratégias de sobrevivência dos franco-atiradores. O que muitos educadores de ocasião não sabem é que, principalmente nos bairros populares, o índice de inadimplência é altíssimo, representando um risco até para quem optou pelo serviço malfeito. Que dirá para quem embalou com papelada fajuta o sonho de ter um dia sua própria escola. No frigir dos ovos, são esses o alvo preferido dos clandestinos.

Serviço: A Secretaria de Educação fornece informações sobre a situação dos CEIs pelo fone (41) 3901-2855.

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