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19 de abril de 2006

12h15

Sou recebido por um rapaz de 24 anos, de sorriso largo e porte franzino – Bohdan Metchko Filho, estudante do terceiro período de Ciências Sociais que desde março ocupa a presidência da maior casa de estudantes da América Latina. Ele será meu anfitrião nas 24 horas que vou passar como estudante no mitológico edifício que completa 50 anos na próxima quarta-feira.

13 horas

Almoço em um restaurante das redondezas com o simpático porteiro da madrugada, o antoninense Celso Alves de Lima, 28 anos. Ele explica que, como 60% dos moradores estudam na Universidade Federal do Paraná (UFPR), quase todos comem no RU – o famoso Restaurante Universitário, onde os alunos pagam R$ 1,30. A mensalidade de R$ 105 dá direito apenas ao café da manhã.

14h30 às 16h30

De volta a casa, o porteiro me apresenta a um aluno da UFPR que mora no local há três anos, e nos convida para um café no seu quarto. Juliano (nome fictício) é um dos poucos que moram sozinhos na casa – cada quarto nos quatro primeiros pavimentos tem capacidade para abrigar duas pessoas, enquanto os dormitórios do terraço (o chamado "pombal") abrigam quatro moradores. O pombal é reservado aos vestibulandos que não têm família na capital nem condições de custear outra forma de hospedagem.

Na conversa, Juliano revela que cerca de cem residentes estariam morando irregularmente na CEU, por não se enquadrarem no perfil socioeconômico. "Muitos não precisam morar aqui. Tem gente com Pajero, Astra e outros carrões. Eu mesmo não tenho necessidade, moro aqui porque é barato e porque boa parte da casa está ociosa."

O presidente Bohdan não desmente a informação, mas garante que o número de moradores nessas condições é bem inferior. "Procuramos informações confiáveis nas bancas examinadoras", argumenta. "Ligamos para as casas dos aprovados, pedimos os holerites dos pais, mas o sistema não é à prova de fraude." Ele conta que a atual gestão pretende aplicar um censo socioeconômico para tentar corrigir essas distorções.

17 às 17h30

Acompanho o fotógrafo Ivonaldo Alexandre (também incógnito) em diversos ambientes do prédio. Percorremos os corredores, o gigantesco salão de baile – que nos anos 60 foi cenário das melhores festas da cidade e hoje é utilizado só de vez em quando para ensaios de teatro e aulas de capoeira – , as amplas sacadas, os dormitórios coletivos para acomodar os hóspedes (conhecidos como salas de visitas), a precária sala de jogos, a razoável academia de ginástica – montada com aparelhos doados por um ex-morador – e a parte externa do pombal. Testemunhamos assim os estragos do tempo na parte interna da construção.

18 às 20 horas

Começo a redigir o diário, com um esforço sobre-humano para restabelecer as conexões nervosas que permitem escrever à mão de forma legível.

20h30 às 22h30

Jantar no shopping com o presidente Bohdan Metchko. Na ocasião, ele confirma que só a venda da chácara de 55 mil metros quadrados que a CEU tem em Pinhais (hoje absolutamente ociosa) seria suficiente para quitar todas as dívidas da instituição.

20 de abril de 2006

6h15 às 7h30

O trânsito insano da Rua Luiz Leão, somado à algazarra dos estudantes que chegam para as aulas da manhã no Colégio Estadual do Paraná, inviabilizam qualquer tentativa de prolongar o sono até depois desse horário – pelo menos na residência oficial da presidência, que fica de frente para a rua.

8 às 8h15

Banho no grande e gelado banheiro coletivo, que por sorte estava vazio.

9 horas

Não estou em um hotel. Dou de cara com o refeitório vazio. O café da manhã é servido das 6 às 8 horas.

9h30

Café com o presidente numa panificadora do Centro.

10h30 às 11 horas

Visita à lavanderia da casa, onde conheço dois patrimônios da CEU: o encarregado Alcebíades dos Anjos, 68 anos, e a funcionária Terezinha Freitas, 64.

11 às 12h30

Bate-papo com seu Alcebíades, morador da CEU desde novembro de 1959. Considerações finais com o presidente na secretaria.

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