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Anahy, na região de Cascavel, faz parte daquela centena de cidades paranaenses com menos de 5 mil habitantes. Ali vivem estimados 4.873 moradores – o equivalente ao bairro de São Miguel, na Cidade Industrial de Curitiba. A base da economia é a piscicultura (120 tanques), o algodão (5 mil arrobas) e a mandioca (70 toneladas por ano). Até o fim de 2006, a pequena Anahy deve acrescentar algo mais à sua lista de feitos: entra para o circuito dos territórios livres do analfabetismo, título que será pleiteado junto à Unesco para 27 municípios paranaenses, todas tão modestas quanto Anahy. O feito é inédito e só tem similares no Rio Grande do Sul, estado com baixas taxas de analfabetismo, mas onde não foi solicitada a declaração de zona livre.

Segundo o Censo 2000 do IBGE, 305 anahyenses são analfabetos. Hoje, 300 deles estão engajados no Paraná Alfabetizado, programa iniciado em 2003 pelo governo do estado, ou em projetos similares, como os do Movimento dos Sem-Terra (MST), Sesi e Brasil Alfabetizado, do Ministério da Educação (MEC). Como levar 300 pessoas à escola é potencialmente mais fácil do que 3 mil ou 4 mil, a exemplo dos índices de Campo Largo, ou 40 mil, no caso de Curitiba, regiões de população minguada se tornaram laboratório para políticas voltadas à alfabetização.

Com essa tática, muda-se o destino de uma tragédia brasileira que atinge 15 milhões de cidadãos e parece tão crônica quanto a infância desvalida e a seca do Nordeste. As crônicas de vida que cercam o programa não deixam dúvida, a exemplo do casal Alzira Scheice e Nestor Gomes, que se conheceu no asilo, em Itaipulândia, Costa Oeste, e participa do programa numa idade em que muita gente prefere as chinelas almofadadas. (Leia mais na página 4).

A idéia de "índice zero" bateu na porta da Secretaria de Estado da Educação (Seed) há pouco mais de um ano e ganhou forma em abril passado. Até então, o Paraná Alfabetizado, programa iniciado em 2003, presente em cerca de 340 cidades e que abriga 58 mil inscritos em 2006, não trabalhava na perspectiva da chamada "erradicação". Seguia seu curso. Com o desafio de criar focos em que o analfabetismo fosse aniquilado, parte dos 500 educadores do estado e dos 3 mil alfabetizadores populares – incluindo donas de casa e bóias-frias – entraram na dança. A maratona acaba em dezembro, quando 27 municípios terão seus índices de analfabetismo reduzidos a zero, ou perto disso. O índice de tolerância da Unesco é de 4%, mas tirar proveito da margem de erro não está nos planos da Seed. No próximo semestre, numa parceria com o IBGE, técnicos vão bater na porta dos alunos para ter certeza de que não foram vitimados pelo "tranca-rua" de projetos do gênero – a evasão escolar.

Experiência

Uma das particularidades do programa é que ele se baseia numa experiência iniciada em Cuba e reciclada na Venezuela de Hugo Chávez em 28 de outubro de 2005, quando o país se autodeclarou território "libre". Em 1961, dois anos depois que os revolucionários barbudos desceram de Sierra Maestra e passaram sebo nas canelas de Fulgêncio Baptista, a ilha de Fidel fez dos territórios livres do analfabetismo uma de suas bandeiras. Hoje, a taxa é de 2,2%. Quarenta anos depois, Chávez adotou o formato "esforço concentrado" – que chega ao Paraná, com escala na Bolívia. A estranheza fica por conta da importação de modelos pedagógicos num país que deu ao mundo um educador como Paulo Freire, cujo método de alfabetização é tão famoso como o café, Pelé e Carmen Miranda.

Para o professor licenciado da Universidade Estadual de Londrina, Wagner Roberto do Amaral, 35 anos, coordenador do Paraná Alfabetizado, não se trata de ignorar Freire. O que teria convencido o governo a adotar o modelo de los hermanos é o efeito vitaminado que o programa causa nas políticas públicas. A experiência mostra que, depois que um município ganha a chancela de território livre, os vizinhos se deixam arrastar pelo exemplo. Por esse raciocínio, em seis anos o Paraná deixaria em algum lugar do passado as estatísticas que contabilizam 649 mil analfabetos, 6% da população do estado – um índice menor que a média nacional de 13,6%. Somente em 2006, 10 mil alunos aptos a ler e a escrever vão se safar dessa estatística.

Os números não traduzem a pedreira enfrentada por programas de alfabetização. Os percalços são muitos. Adultos entre 36 e 60 anos, em mais da metade dos casos pobres, e em sua maioria (71% ) mulheres com jornada dupla, os analfabetos tendem a desistir. Para mudar essa história, a Seed teve de investir em logística, botando o cotovelo no mapa para estudar distâncias e trabalhando com turmas até cinco vezes menores que as previstas pelo Ministério de Educação. Em Fernandes Pinheiro, as aulas obedeceram a um rodízio de casas. E em Pitanga, educador teve de dar uma de João Coragem e apear um cavalo. Pelo que tudo indica, deu certo. A insistência estabelece um novo ponto de vista em projetos do gênero. Por mais que um professor seja cordato e atencioso em qualquer um dos níveis que atue, o impulso de ir atrás é incomum. Agora vai ter de ser também uma prática. Para que o título de território livre de analfabetismo não vire um penduricalho, as 27 cidades eleitas vão ter agora de investir pesado na educação continuada. Caso contrário, no pasarán.

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