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Quatro dias dentro do caminhão: grupo faz a viagem a cada quatro meses, em média, atravessando o Brasil para garantir R$ 600 por mês. | Priscila Forone/Gazeta do Povo
Quatro dias dentro do caminhão: grupo faz a viagem a cada quatro meses, em média, atravessando o Brasil para garantir R$ 600 por mês.| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

Delegacia libertou 170 em 2008

De janeiro a dezembro de 2008, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) retirou 170 trabalhadores de condições degradantes – análogas ao trabalho escravo – de 21 propriedades no Paraná. A maior parte das denúncias está nas regiões de União da Vitória e Tunas do Paraná, geralmente ligadas à exploração do trabalho em propriedades rurais. A atuação é denominada trabalho de resgate. Para ser considerado trabalho escravo, é necessário que haja privação da liberdade de ir e vir ou situações em que o empregador gera situações que criam dívidas impossíveis de serem pagas pelo empregado.

A DRT também exigiu melhoras nas condições de trabalho e regularização da situação empregatícia de 300 trabalhadores espalhados pelo estado, no ano passado.

Faltava muita coisa para um grupo de vendedores de Patos, na Paraíba: oportunidade para trabalhar e ganhar dinheiro era a principal. Por isso eles decidiram deixar a cidade de origem para tentar vender seus produtos em outro local: escolheram Chapecó, em Santa Catarina, a 3,7 mil quilômetros de distância. Mas faltava também, para eles, um meio de fazer a viagem confortavelmente. A maneira que eles encontraram de cobrir a distância foi entrar em um caminhão de carga.

O grupo viajou quatro dias em situação degradante: dentro dos 13 metros quadrados se apertavam 32 pessoas, dividindo o pouco espaço com mercadorias e redes para descanso. Foram parados na madrugada de quinta para sexta-feira em uma blitz de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF), na altura do quilômetro 95 da BR-476, na divisa entre Curitiba e São José dos Pinhais. De lá, foram encaminhados para abrigos da Fundação de Ação Social (FAS). Na segunda-feira, retornam, num ônibus da PRF, à Paraíba.

O grupo pretendia ganhar dinheiro vendendo mercadorias de couro – chapéus, calçados, cintos e capas para bancos de automóveis. Eles recebem comissão pela venda dos produtos. "Não dá para ficar sem pagar as dívidas. Esse é o nosso jeito de mandar dinheiro para casa", conta Clébio Silva Pereira.

Muitos trabalhadores, assim como Pereira, participaram outras vezes de viagens semelhantes. "Parece ruim para quem olha de fora. É mais confortável do que o ônibus", afirma. Os trabalhadores dizem que paravam várias vezes ao dia para ir ao banheiro e comer. No entanto, os policiais que serviram café da manhã ao grupo afirmam que muitos não comiam há algum tempo.

Os trabalhadores costumam passar entre três e quatro meses vendendo mercadorias na Região Sul, ganhando entre R$ 600 e R$ 1 mil por mês. Eles ficam um mês com a família em Patos. Quando o dinheiro acaba eles, invariavelmente, enfrentam outra viagem em condições semelhantes.

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal e o Ministério Público do Trabalho, os trabalhadores foram agenciados de forma ilícita por Denys Luciano de Araújo, proprietário do caminhão. O veículo era dirigido por Silvan Florentinho Coutinho, que receberia R$ 600 por mês. "É melhor fazer isso do que fazer qualquer coisa errada. E o pessoal gosta de vender", relata Coutinho.

Araújo será indiciado por manter trabalhadores sem registro de trabalho, empregar adolescente (havia um garoto de 14 anos entre os trabalhadores) e transporte irregular de passageiros – conforme o Código de Trânsito Brasileiro, levar pessoas ou animais na carroceria é infração gravíssima.

O procurador do Ministério Público do Trabalho Ricardo Bruel de Oliveira esclarece que a situação não configura trabalho escravo. "Principalmente, porque não existiu a restrição do direito de ir e vir desses trabalhadores. Eles estavam aqui porque queriam", diz.

Surpresa

A Polícia Rodoviária realizava operação de combate ao narcotráfico e armas na madrugada de quinta para ontem. "Estávamos abrindo todos os caminhões e observando às mercadorias", conta o inspetor Marcelo Cidade, chefe operacional da 1ª Delegacia da PRF. "Foi uma surpresa quando encontramos as redes com todas essas pessoas dentro".

Desde o início da viagem, o caminhão cortou 10 estados do país sem incômodo da fiscalização. Cidade explica que o motorista conhecia caminhos alternativos para fugir dos postos policiais. "Eles conseguiram, inclusive, fugir de um dos nossos postos. Mas a blitz foi instalada em um local onde não costuma estar", diz. A batida foi realizada com recursos do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que reforçou o policiamento na jurisdição da PRF paranaense.

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