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Cerca de 90% dos crimes contra a vida e o patrimônio – furto, roubo, homicídio, porte de arma e seqüestro – cometidos por adolescentes em Curitiba têm relação com o crack. O cálculo, da juíza Maria Roseli Guiessman, da Vara de Adolescentes Infratores, baseia-se no controle estatístico dos casos atendidos pelo Juizado, de janeiro até a data de ontem. Para resumir os números, a psicóloga Sylnara Borges, que desde 1987 trabalha na vara com o atendimento aos internos, utiliza uma expressão simples: "O crack tomou conta".

O veredicto é inevitável quando se fala sobre o uso da droga na capital com magistrados, policiais, médicos, psicólogos, assistentes sociais e, principalmente, com os próprios usuários. "Crack você compra em qualquer lugar, em quase toda hora", diz André, de 17 anos, que cumpre medida de reintegração pela quarta vez no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator (Ciaadi) de Curitiba. André foi detido por roubo. Os produtos de seu assalto tinham destino certo: dividiam-se entre o sustento da filha e da mulher e as pedras.

O rapaz tem uma história quase padrão nas unidades para adolescentes infratores: começou fumando maconha aos 14 anos, passou para o crack. Brigou com o pai e saiu de casa. Passou a fumar uma, duas, dez pedras por dia. "Roubava farmácias, lotéricas, de tudo. Mesmo assim, não adiantava. Tinha horas que faltava dinheiro. Tomei até tiro do traficante, mas fugi. Ele queria me matar, mas, por sorte minha, mataram ele."

O acerto de contas na base da bala é uma constante na rota da pedra. "O crack e o comércio que se forma ao redor são um dos principais responsáveis pela violência na cidade", explica o delegado Rogério Martin de Castro, titular da Divisão Antitóxico da Polícia Civil do Paraná (Datox). Segundo o delegado, 80% dos traficantes presos pela equipe da Datox vendem crack. "Isso sem contar as demais delegacias. Eu fui delegado do 2.º distrito, e via isso ocorrer diariamente. O viciado, quando termina de vender tudo, começa a furtar e roubar para manter o vício. Se for o caso, ele passa inclusive a revender as pedras para garantir seu consumo", afirma.

A explicação para esse ciclo de violência é simples. O crack é uma droga relativamente barata, quando comparada com outras. Uma pedra custa entre R$ 3 e R$ 10, sendo R$ 5 o preço médio. O efeito é intenso, porém rápido. "Em no máximo um minuto você passa a sentir", diz André.

A combinação de preço baixo, disponibilidade de oferta e alto poder viciante faz do crack a droga da vez. "No caso do álcool, entre o estágio do uso social e a dependência vão dez, quinze anos. No caso da maconha, também há um intervalo maior. Com o crack, não. Primeiro porque não há uso social de crack. Quem chega ao crack já vem de outras drogas, ou se não vem dificilmente não vai continuar", diz a psiquiatra do Centro de Apoio Psicossocial (Capes) do Bairro Novo, Ivete Contieri Ferraz. "Em questão de dois, três meses, o usuário de crack vira viciado, perde o que resta de seus laços familiares, vive, como eles dizem, na ‘correria’."

Nas clínicas de reabilitação de Curitiba, um exército de dependentes químicos busca tratamento. No Capes do Bairro Novo, metade dos pacientes é de alcoolista. "A outra metade é de usuários de droga, a maioria envolvida com o crack", explica Ivete.

Um dos hospitais de referência do SUS no tratamento à dependência química na capital é o Hélio Rotenberg, com 143 pacientes internados em período integral. Desses, 43 são alcoolistas puros, e os outros 100, usuários de drogas. "Desse universo, 100% fuma crack. Pode ser só crack, pode ser misturado com maconha, pode ser junto com álcool, mas sempre tem pedra", relata a psicóloga Maria Clotilde Borges da Silva.

E o entorpecente continua conquistando público. No Hélio Rotenberg, verifica-se que pessoas mais velhas têm utilizado o crack. "Já temos alguns casos de pessoas com mais de 40 anos, com um histórico de alcoolismo, que experimentaram e têm utilizado com freqüência."

Aos poucos, o crack também deixa de ser uma droga exclusiva das camadas mais pobres. Na clínica Porto Seguro, que atende particulares e convênios, cerca de 15 dos 20 internos utilizam crack. "A pessoa pode até começar na cocaína, mas uma hora o dinheiro acaba e o vício se acentua. Aí ela passa a fumar crack mesmo", explica a médica Marilane dos Santos, coordenadora da divisão de dependência química da clínica.

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