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Curitiba – É uma verdadeira avalanche. O aumento de 100% para salários de deputados federais e senadores, em tramitação no Congresso, dobraria automaticamente os vencimentos dos 1.035 deputados estaduais e 51.841 vereadores do país. O acréscimo seria de R$ 157,9 milhões, o suficiente para atender 1,7 milhão de famílias pelo Programa Bolsa- Família, o sul equivale 6,8 milhões de pessoas.

A decisão sobre o reajuste deve sair neste mês de dezembro. A Constituição prevê que a alteração nos vencimentos dos parlamentares seja feita no fim de cada mandato, válida para a próxima legislatura. A aprovação é feita pela maioria simples dos votos de um mínimo de 10% de deputados e senadores. A única proposição em estudo é o Decreto Legislativo 1555, de 2005, de autoria do ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que iguala os salários dos parlamentares aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

O atual presidente da Casa, o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), confirmou a existência de pressão pela equiparação. Ninguém duvida de que, na disputa acirrada pela presidência da casa, que será eleita no próximo dia 1.º de fevereiro, apareçam dificuldades para a sanção do projeto.

Mais do que um problema econômico, os números revelam uma questão ética. "Num país que tem quase 40 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, que precisa sacrificar gastos correntes para se desenvolver, é uma violação a existência de determinadas categorias profissionais que definem os seus próprios rendimentos com valores abusivos. É um contraste num país com tanta desigualdade", analisa Gilmar Mendes Lourenço, coordenador do curso de Economia da UniFAE.

A medida é ainda mais questionável diante dos benefícios recebidos pelos congressistas no exercício do mandato parlamentar (veja quadro). Por mês, cada um dos 81 senadores custa R$ 111,7 mil à União. Os deputados federais, R$ 98,3 mil. Por ano, são mais de R$ 800 milhões desembolsados dos cofres públicos para o sustento dos mandatos.

Quem defende os deputados nos bastidores argumenta que esse aumento seria uma tentativa de regularizar valores recebidos por meio de outras saídas, com possíveis reduções nas verbas de gabinete. "Nesse caso, eles teriam de abrir mão de todas os extras que abrem brecha para o custeio de necessidades fora da atividade parlamentar", rebate Cláudio Abramo, da organização independente Transparência Brasil (entidade que divulga dados e gastos de políticos brasileiros).

Essa realidade provoca distorções, como a posição vantajosa em uma campanha eleitoral em relação aos outros concorrentes. "A disputa política é desleal. Quem está na Câmara, além da visibilidade que a tribuna oferece, tem uma subvenção do erário que lhe permite, por exemplo, manter um escritório em sua cidade", lembra o professor de Direito Friedmann Wendpap, da Escola Superior da Magistratura Federal. "Um caminho para solucionar essa situação seria o financiamento público de campanha", continua.

Sem moral

Os congressistas também não têm credibilidade para tal façanha. A lista de agravos à sociedade é extensa, principalmente dessa última legislatura. Basta lembrar escândalos de corrupção na Casa como o famoso mensalão – a propina paga a parlamentares para a aprovação de proposições do governo federal –; a descoberta de superfaturamento na compra de ambulâncias denunciada na CPI dos Sanguessugas; o mensalinho recebido pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, para prorrogar a concessão de um restaurante do Congresso, sem contar outras investigações ainda em andamento. "É descabido um Poder Legislativo que passou por tantas intempéries tenha condições de reivindicar qualquer coisa no cenário atual", sinaliza Flávio Pansieri, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, em Curitiba.

Para o empresário Oded Grajew, do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, se for aprovado o aumento, os parlamentares darão mais um passo para a desmoralização da política e da democracia. "Os congressistas perderam a noção do bem público. Os envolvidos em corrupção, absolvidos. Além de outros nuances. Um exemplo: quem vai ao Congresso sabe o quanto é concorrido o elevador usado pelo público, enquanto os ascensoristas dos elevadores exclusivos dos deputados ficam conversando no saguão à espera de algum parlamentar. Eles perderam a noção de que é o povo quem paga seus salários. E é ao povo quem eles devem servir", frisa.

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