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O ex-prefeito Ivo Arzua, em 2011, do alto de seu escritório na Rua Visconde do Rio Branco: 50 anos pensando a cidade | Jonathan  Campos/Gazeta do Povo
O ex-prefeito Ivo Arzua, em 2011, do alto de seu escritório na Rua Visconde do Rio Branco: 50 anos pensando a cidade| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

O adeus

O ano 1968 não acabou para o ex-prefeito. E isso lhe parecia injusto

André Simões, especial para a Gazeta do Povo

Centenas de pessoas, entre familiares e amigos, estiveram ontem à tarde no Cemitério Municipal de Curitiba para a última despedida a Ivo Arzua Pereira. Ao lembrar a vida de seu pai, o engenheiro Sérgio Pereira, 49 anos, citou fatos que o agradavam e também o que o magoava. "Ele passou os últimos anos muito recolhido, mas, cada vez que saía às ruas, garis e peões de obra vinham cumprimentá-lo. Só se consegue isso quando se é um exemplo de pessoa reta", disse.

O que lhe causava alguma tristeza era a constante lembrança de seu nome como um dos signatários do AI-5, em 1968, e também com o fato de que, após a redemocratização, qualquer pessoa que houvesse trabalhado para o regime militar era vista com maus olhos.

A pecha, para Pereira, era injusta, já que seu pai expressou por escrito a condição de que o ato tivesse vigência breve. A permanência do regime de exceção levou a seu afastamento voluntário da política, tendo dedicado sua vida depois às atividades acadêmicas. No fim dos anos 70, Arzua se engajou em movimentos pela redemocratização, chegando a ser detido por uma noite pelo Exército. "Lembro-me do jipe parando em frente de casa. Havia um medo muito grande, meu pai me orientava a nunca falar de política", disse Pereira.

Grupo de estudo

Nascido em Palmeira, no interior do estado, Arzua veio para Curitiba em 1945 para estudar Engenharia Civil na Universidade Federal do Paraná. Logo se enturmou com um grupo que ficou conhecido como "os cinco sábios em cima do açougue", referência ao local em que os amigos se reuniam nos estudos para o vestibular e, posteriormente, para as matérias da universidade. Todos se formaram em 1948 e mantiveram encontros mensais por toda a vida.

O engenheiro Ivo de Macedo Gutierrez, 90 anos, integrante do grupo, conta que Arzua desde cedo exerceu liderança intelectual entre os colegas. "Era quem nos orientava, estava sempre conosco. E ter chegado a prefeito e ministro não mudou nada sua personalidade", diz. Para Gutierrez, é importante que Arzua seja lembrado como o homem que deu início à ideia de Curitiba como uma cidade planejada. "Estamos tão acostumados a essa imagem da cidade que muitas vezes não lembramos o trabalho que deu", afirma.

  • Marechal alargada -O Plano Agache foi elaborado na década de 1940, mas ganhou as gavetas. Ao chegar à prefeitura, em 1962, Arzua decidiu colocar o projeto para funcionar, criando avenidas largas no Centro, como a Marechal Deodoro (foto). A particularidade é que – seguindo as orientações de Jorge Wilheim autor do plano diretor de 1965 – nenhuma delas corta a cidade, como previsto, mas se estreitam, inibindo o excesso de carros. A propósito, a cidade tinha, à época, 10 mil veículos
  • A rua vira calçada -
  • O rio canalizado -
  • Vila da Cohab -Terceira Cohab do Brasil, então com 2,1 mil casas, a Vila Nossa Senhora da Luz nasceu em novembro de 1966, para desfavelizar Curitiba. O projeto é até hoje estudo de caso nos cursos de Arquitetura e de Sociologia. Os moradores do Capanema, barras do Santa Quitéria e Parolin foram transportados em caminhões para um rincão sem água nem luz. A maioria voltou para o ponto em que estava. Na foto, João Marreiro e Israel Muniz, veteranos da vila: respeito ao doutor Ivo

Entre 1962 e 1967, algum forasteiro que abrisse os jornais da capital paranaense haveria de se impressionar com os achincalhes dedicados ao prefeito à época – o engenheiro civil Ivo Arzua Pereira. Suas obras de alargamento da Rua Marechal Deodoro eram chamadas, sem pudores, de "As ruínas de Pompeia". E as tentativas de aplacar a fúria do Rio Ivo, tratadas com desdém a cada novo alagamento no Centro da cidade.

Pois para o horror dos ambientalistas de hoje, no "Ivo contra Ivo", o rio "entrou pelo cano", como se dizia. Venceu o Arzua. Trata-se de um caso típico de gestor público que enfrentou os humores da oposição, mas que caiu em graças ao fim do mandato, de uma vez para sempre. Findadas as dores de cabeça com o alargamento das "marechais" e com a agonia do rio, Arzua se tornou uma espécie de "eterno prefeito de Curitiba", título informal que honrou até as 19 horas de domingo último, quando morreu vítima de enfarte, aos 87 anos.

Sua "prefeitura" tinha até sede, em um prédio da Rua Visconde do Rio Branco, na qual atendia a quem o procurava. Passados 50 anos de sua gestão, mantinha impecáveis pastas de plástico com recortes de jornal e até um pequeno mapa da Vila Nossa Senhora da Luz – a primeira Cohab do Paraná, outro feito polêmico de sua gestão. Era homem cordato, cativante, que lembrava aqueles inocentes veteranos do cinema americano. Dono de irresistível autoconfiança, tinha solução para tudo, do congestionamento à política de habitação.

Ao encanto pessoal, Arzua somou uma boa dose de sorte, tão necessária aos políticos, como frisa o cientista social Ricardo Oliveira, da UFPR. Na década de 1960, integrou o grupo de tecnocratas amealhados pelo governador Ney Braga. Há um Paraná antes e depois deles. Ligados ao Par­­tido Democrata Cristão, o PDC, trouxeram para a administração pública a ideia de planejamento, então rara qual discos voadores. Tinham um olho na Europa, onde ideólogos mais ao centro, como o padre Debret, ofereciam soluções para acelerar o desenvolvimento mundial no pós-Guerra.

Prefeito aos 37 anos

Nas táticas políticas, a turma do Ney Braga também era arrojada. Fazia campanha política de porta em porta, em uma Curitiba de 350 mil habitantes e inchando graças às contínuas crises nas lavouras de café. Bolava slogans. Fazia plebiscitos populares, lançando mão das técnicas comuns à Ação Católica, como o "ver, julgar, agir". Foi assim que Ney chegou ao governo e que Ivo Arzua ganhou a prefeitura, aos 37 anos, com 45% dos vo­­­­tos válidos, logo iniciando o "bota abaixo" nos cortiços do Centro.

Mesmo dado a ouvir a população, uma raridade, não agradou. Matracas e os trombones reclamavam da balbúrdia. Rinites foram atacadas pelo pó das obras. "Criticado por sua administração, ele abriu diálogo e trabalhou com um sujeito do quilate do arquiteto Jorge Wilheim, a quem a cidade ainda deve justiça", lembra o arquiteto Key Imaguire, da UFPR. "Éramos alunos de Arquitetura e se questionava a gestão dele. Mas ele reagiu bem. Criou o órgão de urbanismo que se transformaria no Ippuc", lembra o arquiteto Manoel Coelho.

Pai das inovações

A gestão Ivo Arzua teve tamanho impacto que, anos depois, reconhecida, passou a ser apontada como legítima criadora das inovações que marcaram os anos Lerner, na década de 1970. Sim, o primeiro calçadão saiu na gestão Arzua: duas quadras da Travessa Oliveira Bello. Mas é de consenso que o grande feito do engenheiro apadrinhado por Ney Braga foi ter sido uma espécie de papa João XXIII da prefeitura. Sem que se esperasse uma revolução, soube conviver com as pessoas certas, como Wilheim, autor do plano diretor de 1965.

"O primeiro plano diretor do Arzua era uma insanidade. Previa um viaduto, um minhocão cruzando a Tiradentes, próprio da cultura engenheirística da qual saíra. Mas ele teve o mérito de deixar o caipirismo e procurar um projeto menos pobre para a cidade. Acho que ele aprendeu a ser prefeito na marra", arrisca o historiador e arquiteto Irã Dudeque.

Infelizmente, ao se tornar ministro da Agricultura, em 1967, Arzua assinou o AI-5, um ano depois. "Foi sua cota de azar. O grupo a que estava ligado, afinal, se ocupava de criar instituições de debate público e considerava que o Estado devia promover a transformação social", analisa Ricardo Oliveira. O episódio o marcou de tal forma que, acredita-se, foi o que o lançou ao ostracismo político. Mas só no mundo partidário. No afeto popular, manteve-se a postos. Antes de Ivo Arzua, o cargo de prefeito era algo insignificante. Depois dele, estar na principal cadeira de Curitiba virou um símbolo – e para sempre será o trono de Ivo.

Deixa viúva Helena e quatro filhos.

De 1962 a 1967, Ivo Arzua mexeu com a rotina da cidade. Teve reconhecimento póstumo

Os anos Arzua

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