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Recrutamento

Por que os jovens migram para as drogas?

"Antes que o mal cresça, corte-lhe a cabeça". O surrado ditado popular explica como o tráfico de drogas angaria jovens para o seu exército particular. As cidades e estados permitiram o crescimento do "mal". Pior: ele se torna, em muitas ocasiões, a única opção em áreas ausentes da soberania governamental. Situação visível em regiões pobres das grandes capitais, como o bolsão Audi-União, palco da última chacina em Curitiba, e a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Quando o Estado se apresenta a essas comunidades, mostra apenas o lado da repressão.

Com a face da inclusão oculta, o Estado entra em descrédito com a população, deixando de mediar conflitos e se transformando em apenas um aparato proibitivo. "É preciso que os moradores de favelas sejam mais respeitados pela polícia e tenham mais acesso aos dispositivos judiciais para solucionar seus conflitos", esclarece Carolina Christoph Grillo, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Políticas públicas focadas na prevenção ao crime por meio da educação e na inclusão social de famílias menos favorecidas devem ser aplicadas simultaneamente.

Carentes de serviços essenciais – educação, saúde, saneamento e transporte público –, essas comunidades se tornam aliadas dos chefes do tráfico de drogas, que assumem o posto esquecido pelo Estado. Dois passos são fundamentais para recuperar o espaço perdido. "Em um primeiro momento, é necessário desarticular os grupos criminosos. Depois, deve haver ocupação permanente dessas localidades pela polícia, evitando o processo de autoritarismo", opina Jaílson de Souza e Silva, professor da Universidade Federal Fluminense e fundador do Observatório de Favelas do Rio. "A partir daí, há condições de aproximar a população do Estado e da polícia", diz.

O narcotráfico já criou seus mitos, embora nenhum deles tenha se dado bem por muito tempo. Esse tipo de negócio deu status de celebridade a nomes como Escadinha, nos anos 80; Uê, Elias Maluco e Marcinho VP, na década de 90; e, mais recentemente, Fernandinho Beira-Mar, o popstar do tráfico. Não por acaso, todos atuaram no Rio de Janeiro, em morros feitos de pó e pedra. Em Curitiba, não há nenhum expoente no ramo. Na capital paranaense existe, quando muito, a figura do traficante de médio porte, cujo domínio não vai além de um bairro ou parte de uma região. Seu poderio nem se aproxima dos grandes chefes do tráfico de Rio e São Paulo.

Um parâmetro internacional ajuda a pôr o traficante curitibano no seu devido lugar. A polícia de alguns países trabalha com uma escala de quatro níveis para medir a importância de um traficante na hierarquia do narcotráfico internacional. No primeiro nível estão os chefões internacionais, colombianos como o lendário Pablo Escobar, morto em 1993. No segundo, transportadores que negociam grandes lotes de cocaína diretamente com os cartéis da Colômbia, estágio a que poucos brasileiros chegaram. Um nível abaixo, Beira-Mar era um intermediário que comprava algumas dezenas de quilos e distribuía para pequenos traficantes, os do quarto nível.

É desse quarto nível a predominância dos mercadores das drogas em Curitiba, aqueles que atendem diretamente aos viciados na região central e nos bairros de periferia. A julgar pelas prisões feitas pela polícia nos últimos dois anos, em Curitiba prevalece o traficante do sexo masculino, entre 25 e 40 anos, da periferia, de baixo nível de escolaridade, geralmente ex-presidiário. Traficante com esse perfil é corriqueiro no cotidiano da Delegacia de Homicídios. São usuá­rios que para sustentar o vício passam a traficar, e alguns até ganham alguma importância nesse mercado conforme o volume e a diversidade de entorpecentes de que dispõem.

A substituição de uma droga por outra é comum nos negócios do tráfico nas grandes cidades. Em São Paulo, Rio e cidades próximas às fronteiras, a mudança ocorreu faz tempo, chegando há pouco a Curitiba. O traficante tem abandonado a maconha pelo crack, de dependência quase instantânea. Dessa forma, o perfil do vendedor, especialmente o de pequeno porte, também mudou. Com a maconha, conseguia contabilizar os lucros; com o crack, ocorre um escambo. Ele atua para garantir sua cota de pedras para consumo, está nas ruas mais para sustentar o vício do que pelo lucro. E assim encerra-se o mito de que o traficante não usa o produto que vende.

Em cidades de menor porte, o traficante de baixo poderio pode ser tão perverso quanto os que derrubaram o helicóptero no Rio de Janeiro. "Mesmo não sendo tão grande, sua atuação nessas localidades tem o mesmo porte dos traficantes midiáticos para a comunidade", explica Marcus Michelotto, delegado-chefe da Divisão Estadual de Narcóticos (Denarc). Com realidade bastante diferente da fluminense, operações realizadas pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp), como as 279 prisões há uma semana, são a maneira de combater o avanço dos entorpecentes. "Estamos fazendo a nossa parte, prendendo pessoas diariamente", diz Michelotto.

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