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Equipe: Vânia Machado, Maycon Madeira, Maria Helena Pupo, Rafael Possette e Andréa  Burakoski: prédio de volta à escola. | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Equipe: Vânia Machado, Maycon Madeira, Maria Helena Pupo, Rafael Possette e Andréa Burakoski: prédio de volta à escola.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Quem apostou que o Museu da Escola não ia vingar merece o corretivo de uma palmatória. O projeto anunciado em 2012 pela Secretaria de Estado de Educação (Seed), desafiou os céticos e saltou da gaveta para o papel: foi oficializado em maio de 2013. Há um ano, numa manobra bem mais difícil, ganhou uma sede. Não uma sede qualquer, mas a antiga Delegacia de Narcóticos, na Rua Bispo Dom José, 2006, da qual era inquilina.

GALERIA: Veja imagens do local

Entre 1906 e 1927, o local – uma requintada construção neoclássica – abrigou o Grupo Escolar Cruz Machado, um dos primeiros da cidade, criado para atender operários de fábricas da região. Nos anos 1930, virou repartição e depois delegacia. O subsolo, onde os curitibanos do início do século passado corriam de avental alvejado no anil, virou um labirinto de celas insalubres. Uma delas, a “solitária”, é diminuta como um armário de solteiro. Inscrições na parede ainda registram os desejos – e desesperos – dos presos. Devem ser preservadas ao espaço museológico.

Quase pronto

Os entusiastas do projeto Museu da Escola fizeram figas, rezas, correntes de pensamento positivo e tudo mais para a Polícia Civil aceitar se mudar dali – as negociações começaram em 2007. Tiveram sorte. O delegado Sérgio Cirino se alistava entre os que achavam que o prédio todo branco, pequenino, mas solene, com suas duas altas colunas gregas no frontão – tinha de voltar às origens. Deu força para o repasse sair. Hoje figura entre os padrinhos informais do projeto.

O gabinete de curiosidades do “Estadual”

O mestre em Biologia Rafael Possette não se intimida – passa a mão nas lixas e nos vernizes para restaurar as carteiras antigas que chegam à sede do Museu da Escola, no Batel. Abraçou o projeto: as carteiras lotam uma sala e enchem os olhos com seus vazados para tinteiros, mata-borrões e guarda-livros.

Além da gestora Andréa Burakoski, o grupo conta com a coordenação da historiadora Maria Helena Pupo, do fotógrafo Maycon Madeira e das educadoras Fátima de Castro e Vânia Machado. Não há grande dotação de verba – nada que impeça, uma ou duas vezes por semana, que os participantes se mudem para alguma das 13 escolas mais antigas do estado, para dar assessorias e iniciar tombamentos básicos e inventários. Mas a rota mais frequente é o Colégio Estadual do Paraná, onde se desenvolve o projeto piloto dos “centros de memória escolar”. A intenção é que mais e mais instituições se capacitem para gerenciar seus próprios acervos, seguindo o modelo do antigo Ginásio Paranaense, convertido, em 1953, no maior núcleo educacional do estado.

O “centro de memória” do “Estadual começou numa sala pequena, perto do pátio coberto. Agora ocupa lugar de honra, a casa do caseiro do colégio. Está apinhada de objetos, para surpresa da própria Maria Helena. Ela fuça os protótipos usados nas aulas de Biologia, os artefatos de Física e Química. Descobre que foram importados da França ou da Bélgica ou da Alemanha – alguns doados por famílias endinheiradas de Curitiba. Tem motivos para achar que eram de última geração.

Esses tesouros didáticos são consertados por Rafael, fotografados por Maycon, descritos em fichas pelos demais colegas. “Seguimos um modelo taylorista. Não dá para se apaixonar por uma peça e parar nela”, diverte-se Maria Helena, ao falar do ritmo acelerado da documentação. É preciso abastecer o sistema Pergamum, garantia de êxito da empreitada. Assim que for aberto para consulta, o banco de dados deve impressionar. Os números são incertos, mas, sozinho, o acervo do “Estadual do Paraná” poderia abastecer um museu de tecnologia – gênero que costuma ficar abarrotado de crianças e adolescentes nas cidades em que existem.

Iriam se divertir com as peças de eletrotécnica – usadas em aulas sobre rádio e televisão –; com os artefatos indígenas; com os equipamentos didáticos pré-históricos, a exemplo de uma “lanterna mágica” usada para a projeção de slides. A máquina eletrostática Wimshurt exige legenda, tão complexa. Nem sempre se sabe como funcionam as peças. Até o protótipo de uma máquina a vapor tem ali, perto de um mapa da marca Diercke, da Europa Central, campeão em provocar fascínio. Para quem procura livros – numa sala ao lado impera a História de Universal de Césare Canto e o Livro de Botânica de J. Barbosa Rodrigues. É de 1903, com imagens pintadas à mão, em 1874. Luvas para tocar e ler. Tudo bilíngue – claro: em português, e latim. (JCF)

Restava o museu funcionar de fato – e funcionar em tempos de crise, quando tudo que parece “gordura” é deletado do orçamento. A secretaria não fala em cifras – na época do lançamento do projeto, estimava-se que seriam necessários R$ 7 milhões. Não há verba dessa monta, mas tudo indica que a turma do Museu da Escola decidiu ir a campo com o que tem: equipe técnica formada, um endereço inspirador e um conceito moderno de museologia.

Com uma mão de tinta, o antigo Grupo Escola Cruz Machado poderá receber exposições. Está em boa forma para seus 109 anos, mesmo que em parte deles tenha servido de cárcere provisório para traficantes de drogas. É lugar gracioso – herança do tempo em que tinha duas salas de aula [uma para meninas e outra para meninos], uma varanda e um hall. Se os “deuses da educação continuarem abençoando o projeto” – como dizem os envolvidos, breve o local há de receber interessados em ver um globo dos tempos em que existia a URSS ou uma saia plissada de uniforme dos anos 1950. Some-se a possibilidade de reunir ali o mobiliário de época – pianos, chapeleiras de imbuia e carteiras de pinheiro-do-paraná. As escolas, tão pobrezinhas, gozaram desses luxos.

Mostrar a escola em que as vovós escreveram ditados não é, contudo, a função primeira do museu. A equipe está ali para assessorar os colégios estaduais na tarefa de cuidar de seus próprios acervos. Eis a novidade.

Depoimentos

O governo mantém 2.139 escolas. Dessas, 562 têm mais de 50 anos de atividades, marca que as candidata a formar seus próprios centros de memória. Cabe à turma do museu auxiliar na tarefa, dando dicas para tombar os acervos de fotografias antigas, chegando às noções elementares de história oral. A possibilidade de recolher o depoimento de professores, alunos e funcionários criou expectativas nas escolas. E tirou muitos diretores da defensiva. “Eles temiam que a gente entrasse no colégio e trouxesse o material para a sede”, conta a historiadora Maria Helena Pupo Silveira, uma das idealizadoras e coordenadoras do museu.

Um projeto-piloto de centro de memória escolar está em andamento no Colégio Estadual do Paraná. Foi uma escolha natural. Mesmo antes do Museu da Escola, o “Estadual” mantinha uma sala de documentação. Uma pesquisadora salvava do mofo e do esquecimento o acervo que figura, com folga, como o mais rico e interessante de todo o estado (leia nesta página). Outras 13 escolas veteranas – espécie de “núcleo duro” do programa – também foram visitadas pelos técnicos. Iniciaram seus trabalhos. “Há uma organização intuitiva em muitas instituições. É da natureza da educação preservar”, observa Maria Helena, ao citar como o exemplo o Colégio Estadual Regente Feijó, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais, e o “Gastão Vidigal”, em Maringá, no Norte Novo.

A parte mais cuidada costuma ser a das fotografias, não raro salvas por uma funcionária diletante, sensível à documentação. Há quem tenha levado o material para casa, em tempos idos, temendo que algum diretor em fúria pusesse tudo a perder. Segundo a equipe da Secretaria de Educação, assim que o museu foi anunciado, muitos documentos começaram a voltar das catacumbas. Há também iniciativas inesperadas, como a da escola do Assentamento Contestado, na Lapa: a comunidade escolar trabalha pela recuperação de uma casa do século 17, sob sua custódia.

“Não passa dia sem surpresa”, dizem, em acordo, Fátima de Castro e Vânia Machado, duas das educadoras destacadas para o Museu da Escola. Elas atuam no “inventário”, fase inicial do projeto. A cada empreitada, objetos didáticos, atas, boletins, livros – curiosamente, não apareceu até agora nenhuma palmatória – são catalogados no sistema Pérgamo, desenvolvido pela PUCPR. A lista ultrapassa 1,2 mil itens, arquivo virtual passível de ser consultado por qualquer museu do gênero.

Não são muitos no país. Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina figuram entre os estados com alguma forma de Museu da Escola. A expectativa e que se torne um movimento nacional. Não é de duvidar – a memória escolar desperta afetos de milhares.

  • Maria Helena, Vânia e Andréa; Rafael e Maycon - parte da equipe do Museu da Escola. Iniciativa surgida em 2012, oficializada em 2013, ganha corpo e soma 1,2 mil peças catalogadas.
  • A equipe numa das áreas da antiga Delegacia de Narcóticos, no Batel. Prédio neoclássico abrigou a partir de 1906 o Grupo Escolar Cruz Machado, criado para filhos de operários das fábricas da região: duas salas apenas - uma para meninos, outra para meninas.
  • Fachada do prédio da Rua Bispo Dom José, 2.600: um patrimônio escolar que volta aos domínios da educação.
  • Subsolo da antiga escola - local serviu de prisão provisória por pelo menos três décadas: inscrições nas paredes.
  • Inscrições deixadas pelos presos nas paredes serão mantidas pela equipe do Museu da Escola: “Faz parte da história do prédio”, diz Maria Helena Pupo.
  • Mais inscrições deixadas pelos presos.
  • Inscrições deixadas pelos presos.
  • Carteiras restauradas pelo biólogo Rafael Possette, da equipe técnica do museu.
  • Maria Helena e as peças catalogadas do Colégio Estadual do Paraná.
  • IPeças eram importadas , demonstrando a importância do colégio , em especial a partir dos anos 1950, quando vira espaço de afirmação do paranismo.
  • Peças do museu não foram contabilizadas, mas poderiam abrigar um museu de tecnologia.
  • Proposta do Museu da Escola é que cada instituição crie seu espaço museológico. O “Estadual” é projeto piloto.
  • Acervo do “Estadual”.
  • Livro do início do século traz pinturas botânicas feitas à mão.
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