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O antigo Caminho do Arraial era uma das três estradas que cortavam os vales da Serra do Mar nos tempos da Colônia. Junto aos caminhos da Graciosa e do Itupava, formava a rede de artérias que serviam ao agitado comércio entre o planalto e as cidades de Morretes e Antonina. Diferente dos outros dois, o Arraial não partia de Curitiba. Era uma opção dos moradores de São José dos Pinhais, que havia despontado graças à febre do ouro. Foi o ouro, aliás, que gerou o caminho no século 16, quando os bandeirantes que vinham do litoral começaram a subir a Serra em busca do metal e de índios. Mas corre a história de que o Arraial seja mais antigo, talvez uma picada aberta pelos índios Carijós antes dos europeus. Até o século 18, a estrada serviu às prósperas minas da região. O ouro, porém, durou pouco, e os mineradores debandaram para os novos aluviões que surgiam em Minas Gerais. A trilha então passou a servir como rota de comércio dos tropeiros, que levavam erva-mate e madeira para o litoral.

Com o crescimento das cidades, grande parte do calçamento foi destruída. A BR-277, entre Curitiba e Paranaguá, tem um trecho construído sobre o antigo caminho. Existem também muitas estradinhas de terra que aproveitaram seu traçado, principalmente no planalto, junto a São José dos Pinhais, e no pé da Serra, perto de Morretes. "O antigo caminho do Arraial hoje é denominado Estrada do Anhaia. Fica a sudoeste da cidade, marginando os rios Marumbi e do Pinto, berço da exploração do ouro no Paraná", conta Laurice Salomão de Bona, diretora da Secretaria de Cultura de Morretes.

Para percorrer esse antigo caminho, a Expedição teve a companhia do guia Bruno Nascimento, de apenas 20 anos, mas com profundo conhecimento sobre as montanhas da região. "Minha mãe dava aula na Estação Marumbi e por isso acabei morando cinco anos dentro do Parque Estadual. Com 9 anos eu já tinha feito a trilha até o cume do Marumbi". O percurso da Estrada do Anhaia é uma belíssima viagem ao passado, onde em cada curva desvendam-se ruínas, alambiques abandonados, antigas casas dos senhores de engenho e imponentes montanhas da Serra do Mar. No meio do caminho surge a singela Igreja de São Pedro, que guarda uma antiga lenda da comunidade. "Conta-se que sob a igreja está sepultada toda uma família vítima do chamado Dilúvio do Anhaia, salvando-se apenas o empregado da casa. Dizem que foi castigo, pelo fato da família fechar às portas para as Bandeiras do Divino e da Santíssima Trindade que visitavam as casas", revela Bruno.

Pouco adiante, no vilarejo de Rodeio, o Engenho do Diquinho é uma parada obrigatória. Antigo engenho de erva-mate, a história do lugar se confunde com a trajetória da cachaça morreteana. Com o fim do ciclo da erva-mate, Benjamin Leal, fundador do estabelecimento, mudou a fábrica de soque para engenho de açúcar mascavo. "O açúcar, o melado e a rapadura eram vendidos na época da Segunda Guerra Mundial, transportados em lombo de burro para São José dos Pinhais pelo Caminho do Arraial", conta o neto Evaldo Leal. Benjamin era casado com uma italiana, fato curioso e fundamental para entender o surgimento da cachaça na cidade, já que eram os colonos italianos que dominavam a fermentação alcoólica em níveis elevados, proveniente da produção de grappa na Itália. Mais tarde, seu filho Frederico assumiu o engenho de açúcar e o transformou em engenho de aguardente, onde durante muitas décadas o Diquinho produziu cachaça de excelente qualidade. Na época existiam dezenas de engenhos, muitos na estrada do Anhaia, numa cidade cada vez mais dependente da "morreteana". Mas quando as grandes usinas de São Paulo partiram para a produção em massa de aguardente, a economia da cachaça de alambique ficou abalada. Pouco a pouco, os engenhos foram fechando, muitos italianos e seus descendentes subiram a Serra para tentar a vida em Curitiba ou nos planaltos do interior. "Graças a Deus conseguimos resistir a diversos ciclos e hoje produzimos umas das melhores cachaças da região", conta Evaldo Leal.

Logo depois do Engenho do Diquinho, a Estrada do Anhaia termina no Parque Estadual do Pau-Oco, mas o Caminho do Arraial continua cruzando o local. Criado em 1994, o parque é pouco conhecido e divulgado, só permitindo a entrada de visitantes acompanhados por um guia registrado. Seguindo a antiga rota, surge uma capelinha escondida no meio do mato, construída pelos jesuítas, onde os viajantes faziam suas orações pedindo proteção às expedições da época. Logo em frente, localiza-se o início da trilha para o Salto da Fortuna, um paraíso encravado na Floresta Atlântica.

A trilha de dificuldade média atravessa diversos riachos com pedras lisas e perigosas, que transformam a caminhada numa verdadeira aventura. "Uma vez fui atacado por um bando de porcos-do-mato. Só me salvei porque consegui me pendurar na primeira árvore que vi", revela o nosso guia Bruno. Outra ameaça no parque é o corte ilegal de palmito. Extraído da palmeira Juçara, o palmito é cortado dentro da mata e cozido na hora sob péssimas condições de higiene. "Atualmente existe uma guerra entre os palmiteiros e os guardas-parque em todo o Brasil. Os palmiteiros agem à noite e andam fortemente armados, se tornando tão organizado quanto o tráfico de drogas. Além de cortar os palmitos, muitos animais são abatidos pelos palmiteiros", explica Bruno.

Depois de uma hora de caminhada, a trilha chega ao fim num imenso salão de natureza, cortado por um riacho de água pura e cristalina. Atravessando o rio e contornando suas pedras, descortina o Salto da Fortuna, com quase 50 metros de altura. Sua piscina natural de grande profundidade é convite para um mergulho. A água gélida e a pureza do local recarregam as energias. Toda a exuberância da cachoeira condiz com seu nome, Fortuna, além de provocar o imaginário das pessoas com tesouros escondidos no fundo do poço.

Cada vez mais, os caminhos coloniais são percorridos pelo homem moderno na volta ao naturalismo e na descoberta de novas opções de lazer, principalmente através do turismo ecológico. Por ser uma atração muito próxima de Curitiba, é necessário redobrar a atenção com o fluxo de visitantes no Parque do Pau-Oco, a fim de evitar uma massificação turística no futuro. No Caminho do Arraial, a aventura é Fortuna preservada.

Serviço – Contato com guias locais e outras informações na Secretaria de Turismo de Morretes.Rua Visconde do Rio Branco, 45 – Centro – Morretes.Tel. (41) 3462-1024.

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