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 | Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo

Uma história sem partidarismo. Essa é a proposta do historiador Renato Mocellin na obra Pica-paus x Maragatos – a mais sangrenta guerra civil brasileira, lançada na última quinta-feira. O livro relata todos os lados envolvidos na Revolução Federalista, que deixou de 10 mil a 12 mil pessoas mortas durante os anos 1893 e 1895.

De um lado estavam os federalistas, chamados de maragatos, cuja maioria dos integrantes defendia um governo parlamentarista. Eles queriam chegar até o Rio de Janeiro para depor o presidente Marechal Floriano Peixoto. Os rebeldes também lutavam contra o governador do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos. Foi, inclusive, nas terras gaúchas que as tropas começaram a se reunir para derrubar o poder vigente. Do outro lado estavam os legalistas – apelidados de pica-paus, que defendiam o governo.

Entre os seus apontamentos, Mocellin afirma que é um erro colocar o Cerco da Lapa como o salvador da República. Para ele, a resistência na cidade contribuiu para a manutenção do poder vigente, que estava nas mãos de Floriano Peixoto. O historiador também conta a injustiça feita contra o Barão do Serro Azul, que salvou Curitiba de um enorme saque que seria realizado pelas mãos dos maragatos. "Ele negociou com os federalistas e posteriormente foi preso e morto por acreditarem que ele havia ajudado as tropas federalistas". Acompanhe a entrevista realizada com Mocellin, que também é autor de várias coleções de História aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação e de obras paradidáticas.

Por que o senhor optou por revisitar a história da Revolução Federalista?

É um tema sobre o qual há uma bibliografia, porém ela não é acessível ao grande público. Além disso, é muito partidarizada. Os autores defendem um lado da história, geralmente os pica-paus. Toda historiografia glorifica o coronel Gomes Carneiro e o Cerco da Lapa, como se o episódio tivesse salvado a República. E isso não é verdade.

O Cerco da Lapa é supervalorizado?

Os federalistas Silveira Martins e Joca Tavares, por exemplo, eram republicanos. O que o Cerco da Lapa fez foi contribuir para a manutenção do Marechal Floriano Peixoto, chamado de "marechal de ferro", como presidente do Brasil. Os federalistas certamente não iam simplesmente acabar com a República. No máximo, o que iria acontecer seria uma república parlamentarista.

Então, se as tropas federalistas tivessem tido êxito, hoje estaríamos em um regime parlamentarista?

Sim. O máximo que iria ocorrer seria um regime parlamentar.

O senhor também discorda do termo "revolução". Por quê?

Nem federalistas nem legalistas pensavam no povo. Foi uma guerra civil cujo principal foco era a luta pelo poder. Eles não pensaram nas mazelas sociais que a população enfrentava. Além disso, revolução significa mudança estrutural na sociedade, como alterações na economia, educação ou saúde. Dessa forma, o que aconteceu não foi nem de longe uma revolução. Não objetivava nenhuma grande mudança. Apenas uma guerra civil em que o foco fundamental era a luta pelo poder.

Os federalistas não queriam, então, mudar toda a sociedade brasileira?

O objetivo dos federalistas era tirar Floriano Peixoto da presidência e Júlio de Castilhos do cargo de então presidente do estado do Rio Grande do Sul. Também objetivavam tirar Vicente Machado do governo paranaense.

Vicente Machado chegou a fugir da capital do estado quando as tropas federalistas avançavam...

No dia 16 de janeiro de 1894 ele havia escrito uma carta afirmando que derramaria o sangue pelo Paraná. Mas no dia 18, quando as tropas avançaram para tomar Curitiba, ele fugiu para Castro e até transferiu provisoriamente a capital para lá.

Nesse sentido, seu livro procura mostrar os dois lados da mesma história?

A história sempre esteve a favor de Vicente Machado e Floriano Peixoto. Poucos falam que Custódio de Melo ("adversário" de Floriano) era também republicano. Procuro balancear os dois lados e contar o que aconteceu na guerra civil federalista.

Essa guerra foi uma das mais sangrentas da história?

Foram mortos entre 10 mil e 12 mil pessoas, dessas perto de 1,2 mil foram degoladas. A degola era chamada, na época, de gravata vermelha. Muitos desses mortos eram pessoas que nem estavam participando da guerra. Outra coisa que não apontam direito é que os federalistas, quando tomavam uma cidade, pediam para que a população bancasse tudo. Eles pagariam só se a revolução triunfasse. Mas essa prática também era adotada pelas tropas legalistas, que faziam o povo pagar suas custas. No meio dessa guerra, a população foi extorquida dos dois lados.

Um episódio emblemático foi a morte do Barão do Serro Azul. Como ocorreu o assassinato dele?

Para não saquear Curitiba, os federalistas exigiam "empréstimos de guerra". Foi nesse período que Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, pagou aos federalistas para que a cidade não fosse alvo de saques. Nessa época, Vicente Machado já tinha fugido de Curitiba. Serro Azul chegou a cuidar de Curitiba por meio de uma junta governativa. Considerava desnecessário derramar mais sangue. Por isso, decidiu negociar. Quando os legalistas retomaram Curitiba, mandaram prender Serro Azul e mais cinco companheiros sob a alegação de que deveriam ser julgados pelo Conselho Militar pela "ajuda" que teriam dado aos maragatos. Ele não tinha medo. Ele queria ser julgado. Acreditava que era capaz de explicar o contexto em que as coisas tinham acontecido. Mas, na noite do dia 20 de maio de 1894, foram levados de trem com o pretexto de que embarcariam em um navio com destino ao Rio de Janeiro, onde receberiam a sentença. Era uma emboscada. Todos eles foram executados no meio do caminho.

Chegou-se a uma conclusão definitiva sobre quem mandou matar Serro Azul?

Ainda não se tem uma resposta definitiva de quem teria ordenado a morte. Poderia ser Vicente Machado ou Floriano Peixoto. Não há, contudo, documentos que comprovem que um deles mandou matá-lo. Mas a falta de documentos não isenta a responsabilidade de Floriano, por exemplo. Vicente Machado não tinha "caracu" suficiente para dar uma ordem dessas daqui de Curitiba. Porém, ele não fez nada para evitar a prisão e a morte de Serro Azul.

Como o senhor analisa de forma mais crítica essa história?

Enquanto tropas federalistas avançavam tentando chegar ao Rio de Janeiro (capital do país naquela época), havia uma resistência muito forte ainda no Rio Grande do Sul. Eles não conseguiram nem tomar Bagé e Porto Alegre. É preciso, antes de tudo, analisar o contexto. Procuro resgatar a ideia de que nenhuma guerra é gloriosa. Não há nada de grandioso no triunfo da barbárie, nem dos pica-paus nem dos maragatos.

Serviço

Livro: Pica-paus x Maragatos – a mais sangrenta guerra civil brasileira

Editora: Conceito

Preço: R$ 32,90

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