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Agentes penitenciários acuados, cooptação de detentos novos seguida de extorsão para tirar dinheiro de suas famílias, patrocínio de jogos de futebol e de advogados, cadeias imundas, infra-estrutura precária e uma completa mistura de presos de alta periculosidade com os chamados "ladrões de galinha". Está dada a receita que permite ao crime organizado manter e ampliar suas atividades ilegais mesmo com os líderes enclausurados nas prisões.

Problema atualíssimo, mas que já foi preconizado no século 18, quando o pensador Beccaria dizia em sua obra clássica "Dos Delitos e Das Penas" que o uso de penas cruéis em penitenciárias sem lei era mais uma vingança coletiva contra o criminoso do que efetivamente uma ressocialização e que isso só alimenta o ódio e facilita a ação do crime organizado.

"O estado deixa de prover as necessidades básicas da população encarcerada, o baixo controle do cotidiano nas unidades e as lacunas provocam oportunidades para grupos mais organizados imporem a sua vontade sobre outros presos, detentos mais vulneráveis e presos de menor periculosidade", explica o sociólogo Fernando Salla, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), especialista em sistema carcerário brasileiro.

No Paraná, as facções – como o PCC (Primeiro Comando da Capital) – chegaram há cerca de sete anos. De lá para cá aprimoram seu modus operandi. De acordo com o advogado criminalista Dálio Zippin Filho, os chefões do PCC têm nas mãos detalhes sobre a vida dos agentes penitenciários estaduais do Paraná. Com isso, conseguem impor uma pressão que dá resultados.

Agentes penitenciários ouvidos pela Gazeta do Povo enfrentam situação complicada. Um deles chegou a chorar. "A minha família está sendo ameaçada. Estou desesperado", relatou. "Já procurei o sindicato e o Departamento Penitenciário... Não posso esperar o pior acontecer." O que os criminosos querem? Facilidades, como, por exemplo, vistas grossas ao uso de telefone celular. Segundo Clayton Agostinho Auwerter, presidente do sindicato dos agentes penitenciários, funcionário que segue à risca as regras, sofre forte pressão dos bandidos.

De acordo com Sandra Márcia Duarte, presidente do sindicato dos servidores do sistema penitenciário estadual, o PCC está tentando se infiltrar nas penitenciárias também de outra forma. "Uma advogada que trabalha para a facção fez o último concurso [para agente]." Ela tem clientes na Penitenciária Central do Estado (PCE) e visita um presidiário na Penitenciária Estadual do Paraná (PEP), onde estão os "generais" do PCC. Agora, tenta uma vaga entre os profissionais encarregados de cuidar dos detentos.

Ameaças

Pelo lado da cooptação, Fernando Salla diz que os pequenos traficantes e criminosos em geral desempenham um papel importante para as facções que atuam nas penitenciárias e em toda rede do crime organizado. "Eles ajudam a reproduzir as organizações, dentro das prisões e fora delas", afirma. "Eles passam a ter um papel importante nos movimentos e na realização de tarefas dentro de uma organização criminosa. A cooptação pode ser pela falta de perspectiva social e pela vontade de se associar a criminosos."

De acordo com Dálio Zippin Filho, a cooptação dos "bagrinhos" ocorre no momento em que chegam à penitenciária. Eles são ameaçados de agressões físicas e violência sexual. Em seguida vem a proposta de segurança, proteção, ajuda à família e contribuição para pagar advogados. Pronto, ganha-se mais um soldado. "Primeiro são as promessas, depois vêm as extorsões para garantir a integridade física deles", afirma Zippin, que é membro da comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho Penitenciário Estadual e do grupo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que estuda o assunto no país. Apesar da forma de atuação ser real, o estatuto das organizações criminosas costuma condenar esse tipo de comportamento.

Braço legal

O pesquisador Salla lembra que não existe facção criminosa que não tenha algum envolvimento, uma interface, com a legalidade – empresas, agentes públicos, setores do executivo, legislativo e judiciário. "É preciso entender que o crime organizado tem uma ampla cobertura de atividades legais, que cobrem as ilegais. É praticamente impossível imaginar [o movimento de] toneladas de cocaína e maconha de alguém que opere só na clandestinidade", afirma. "Há toda uma rede que está na legalidade e dá cobertura para as atividades ilegais. É ingenuidade achar que o crime está somente dentro das prisões. Ele está do lado das casas das pessoas."

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