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Confira o simulado de Português| Foto:

Há mais de meio século, o arquiteto Elgson Ribeiro Gomes, 84 anos, está onde sempre esteve – uma moradia "de antigamente", na Rua São Vicente, num dos pontos mais movimentados do bairro do Cabral. A casa tem sótão, janelas marrons, decoração em madeira. É como tantas. Foi desse cenário curitibano até a última tábua que o "catarinauta" [catarinense + astronauta] alçou vôo para construir uma cidade toda sua. Não decepcionou: Curitiba está marcada de cima a baixo pela arquitetura desse homem comum – por acaso, um dos mestres do modernismo brasileiro.

Não é preciso andar muito para circular pela "cidadela de Elgson". Basta partir da São Vicente, descer a Almirante Tamandaré, virar a Itupava e prestar atenção em cada cruzamento do Velho Centro. Apenas nesse bairro são nada menos do que 18 edifícios, entre eles o Canadá (1960 – 1963) – na Rua Comendador Araújo; o Gemini (1973) – na Rua Visconde de Nácar –, e o Hotel Slaviero (1972), perto da Praça Osório, para citar três dos mais conhecidos. "Acho que fiz 40 prédios em dez anos, mais de 50 em toda minha carreira. Sobrou pouco tempo para desenhar casas", calcula o veterano, enquanto faz conta na ponta dos dedos: 20 moradias. Melhor, 19. Recentemente, uma delas – a casa Joaquim Franco, que era Unidade de Interesse de Preservação (UIP) do município – , virou um monte de entulho nas esquinas das ruas David Carneiro com Marcos Moro, no bairro São Francisco.

A demolição mexeu com os círculos arquitetônicos da cidade. Tudo começou há pouco mais de um mês, quando o caso da casa "assassinada" veio à tona, fazendo com que todos os holofotes se virassem para Elgson. "Tive toda a liberdade, arrojo e uma certa pretensão na hora de desenhar a casa Joaquim Franco. Fiz o projeto nas horas vagas, mas com prazer. Me rendeu fama e me deixou encorajado a continuar. Já destruíram casas do Frank Lloyd-Wright, do Le Corbusier. Terroristas acabaram com as Torres Gêmeas. Por que não aconteceria comigo? Se vocês descobrirem quem é o sujeito que ordenou a demolição, diga para ele me chamar. Se ele quiser, faço outra casa ali para entrar na história", desafia, ao falar do imóvel erguido entre 1952 e 1953, por encomenda do engenheiro Joaquim Franco.

Elgson bola planos certos por linhas tortas para perpetuar a obra perdida. Na memória. Uma de suas estratégias é fazer uma maquete gigante da casa "assassinada". Outro é promover uma visita virtual na internet para que as novas gerações possam conhecê-la.

Nada mais à moda do homem que é doido pelo mundo virtual, por trabalho e por gente. Ainda hoje, bate cartão no escritório todos os dias e o divide com uma turma de jovens arquitetos, todos nitidamente seus fãs. Eles o chamam de "Professor". É natural. A serventia nessa casa é um anfitrião octogenário, cuja simpatia é do tamanho do oceano e a capacidade de surpreender, infinita. Um mestre – um mestre plugado. "Me mandem um e-mail se precisar", grita, ao se despedir da moçada.

Elgson era jovem e idealista quando o projeto da Joaquim Franco caiu no seu colo. Primeiro Franco o convidou para construir o Hospital São Lucas. Mas declinou. Alegou pouca experiência e passou o projeto para o mestre paranaense Vilanova Artigas. Diante da recusa, o amigo sapecou-lhe outro convite – dessa vez para fazer uma casa "bem moderna." Nada mal para quem tinha apenas duas no currículo: a casa Duarte Martins, em São Paulo, e a casa Edgar Cavalcanti Albuquerque, em Curitiba.

Topou – o que lhe custou idas e vindas de uma então longínqua São Paulo, só para cumprir o trato. Não foi fácil. Elgson tinha mil motivos para não se afastar de Sampa, onde por pouco não deixou seu coração enterrado. Foi lá que passou a dividir escritório com Artigas e com o arquiteto alemão Adolf Franz Heep – sua influência confessa. Nem é preciso explicar demais. Heep – autor do paulistaníssimo Edifício Itália – fora discípulo de Le Corbusier. Não poderia ser melhor companhia para um profissional em começo de carreira.

Deu no que deu. Quis o destino que Curitiba vencesse a batalha. Em 1959, Ribeiro Gomes chegou para ficar e com trabalho a rodo. Fez o célebre Edifício Mapi, em Caiobá; e o Edifício Souza Naves, na frente das Lojas Americanas. Vieram a Casa da Estudante Universitária, o Clube Sírio Libanês, a Escola Nabil Tacla, hospitais e condomínios a granel. "É sem limites, doutor!", exclama o Elgson de Curitiba, de frente para o Gemini, em pleno Centrão. Elgson ri à toa. Pudera.

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