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Atividade de recreação na Obra Social Santo Aníbal, um dos quatro projetos de contraturno escolar no Bolsão Audi-União | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Atividade de recreação na Obra Social Santo Aníbal, um dos quatro projetos de contraturno escolar no Bolsão Audi-União| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

De problema a cartão-postal

Apesar do estigma de viver num dos torrões mais perigosos da capital, o otimismo impera no lastro de tantas promessas dos governos municipal, estadual e federal. Para quem tem má impressão do Jardim Icaraí, o líder comunitário do bairro, Percy Cordeiro dos Santos, diz que ali ainda vai ser um cartão- postal de Curitiba. Não sem razão. A vila é vizinha ao Parque da Imigração Japonesa, um centro de eventos que está sendo erguido pela prefeitura numa ilha, no meio de dois lagos às margens do rio Iguaçu. A estrutura redonda de metal e vidro será parecida com a estufa do Jardim Botânico, célebre cartão- postal de Curitiba.

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O Jardim Icaraí ainda se ressente dos ecos da chacina de 3 de outubro de 2009. Além do saldo de oito mortes, o arrastão do tráfico maculou a reputação de uma vila cuja autoestima já andava maltratada. Ainda hoje, quem se anuncia morador do lugar é tratado a distância. "Deu até no Jornal Nacional", diz o presidente da associação de moradores, Percy Cordeiro dos Santos. O estigma recai sobre todo o Bolsão Audi-União. Tanto que, em março de 2010, em audiência pública, os moradores decidiram mudar o nome do lugar. No decorrer deste ano, o Bolsão Audi-União será oficializado como o 76.º bairro de Curitiba, agora com o nome de Jardim Iguaçu.

O bolsão é formado por sete vilas comprimidas numa área de 1,6 quilômetro quadrado, em terreno alagadiço que vai da BR-277 à Avenida das Torres. Espremidas entre o rio e a linha férrea, essas vilas formam uma das maiores áreas de ocupação irregular de Curitiba, com 2.554 domicílios e 10 mil pessoas. A maioria das famílias não ganha sequer um salário mínimo por mês. No vazio do estado, o tráfico tomou conta, a miséria predomina, as famílias se desestruturam, as casas são improvisadas. Não por acaso o bolsão figura entre as regiões mais violentas de Curitiba. E o Icaraí é apenas uma ponta de um lugar que teima em não sair do noticiário policial.

"Para a sociedade, quem mora no Jardim Icaraí é tudo bandido. Quando sabem, olham diferente", lamenta Santos. Ele chegou em 1999, um ano depois da invasão do bolsão, e é dono de um mercado no lugar. Ficou surpreso com tamanha repercussão do crime porque a chacina se deu na Rua Helena Piekarski, na Vila União Ferroviária, espécie de território neutro entre os traficantes rivais do Icaraí e da Vila União. O problema, segundo Santos, é que o Icaraí arcou sozinho com a conta. De acordo com o líder comunitário, as coisas têm mudado desde o episódio. "Uma vez ou outra acontece alguma coisinha, mas normal como em qualquer outro lugar", observa.

A chacina foi um marco negativo para o Bolsão Audi-União, mas serviu para despertar o interesse do poder público. Dois meses depois, secretários municipais, deputados e vereadores se reuniram no primeiro fórum sobre segurança no bairro Uberaba, onde o bolsão está incrustado. Os moradores relataram casos de abuso policial no período pós-chacina. Os policiais, pouco acostumados a aparecer no bolsão, colocavam todo mundo na parede, inclusive líderes comunitários. "Este ainda é o primeiro lugar que a polícia vem quando recebe uma denúncia", diz o presidente da associação de moradores da Vila União Ferroviária, Damarês Carlos Laurindo da Silva.

A troca de nome é uma tentativa de contornar o preconceito, melhorar a autoestima e simbolizar as mudanças pelas quais o bolsão vem passando desde 2006. A oficialização do Jardim Iguaçu como bairro de Curitiba requer uma série de providências a serem tomadas ao longo do ano, explica Cesário Ferreira Filho, que entregou na semana passada o cargo de administrador da Regional Cajuru. Os moradores do Bolsão Audi-União esperam que o novo nome traga junto uma nova identidade, sem estereótipos ou preconceito. Contudo, a mudança de hábito no tratamento exige mais tempo, a exemplo do que aconteceu quando a Vila Pinto trocou o nome para Vila Torres, ainda na década de 90.

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