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Vídeo| Foto: Reprodução / Paraná TV

De cada 10 curitibanos, 6 compram falsificados

Seis entre dez curitibanos compraram algum produto pirata nos últimos dois anos. Desses, 83,90% foram motivados pelo preço menor em relação aos originais e 9,35% apontaram a facilidade em encontrá-los. O CD foi o artigo falsificado mais comprado, com 85,04% da preferência, seguido do DVD, com 38,71%. Os números fazem parte de uma consulta popular feita em Curitiba, entre terça e quinta-feira da semana passada, pela Paraná Pesquisas. Foram ouvidas 552 pessoas maiores de 16 anos. A margem de erro é de 4,5%.

Das pessoas entrevistadas, metade disse ter comprado o produto pirata de algum camelô nas ruas, enquanto um terço do total comprou em algum estabelecimento comercial. Outros 11,42% fizeram a compra no terminal de ônibus e 3,90% encontraram o artigo pirata na feira. A Paraná Pesquisas perguntou, ainda, se o entrevistado acredita que esse tipo de comércio alternativo tem alguma relação com o crime organizado: 51,81% responderam "sim", 36,59% disseram "não" e 11,59% não souberam responder.

Primeiro foram os ovos, os tomates, o leite e a alface. Foi assim que, em meados do século XIX, imigrantes alemães, poloneses e italianos deram início às tradicionais feiras livres de Curitiba. Tudo exposto na carroça que levava a mercadoria da chácara para o centro da cidade. Logo, a feira passaria a vender frios, carnes, pescados, massas e alimentos artesanais. Não demorou para chegar luvas, meias e confecções em geral. Passado um século e meio desde a inovação dos imigrantes, as feiras globalizadas da capital têm de tudo: a diversidade de produtos vai dos óculos de grife aos últimos lançamentos de Holywood. O problema é que praticamente tudo é pirata.

Hoje, compra-se pirataria na feira com a mesma naturalidade com que se compra ovos e bananas. Não é para menos: 21 das 40 feiras livres de Curitiba vendem artigos falsificados. O mais grave: são locais públicos administrados pela prefeitura, abertos de terça-feira a domingo, sem falhar um dia sequer. Em cada uma delas funciona uma espécie de sucursal do Paraguai, o maior e mais popular shopping a céu aberto da pirataria na América do Sul. O diretor de abastecimento comercial da Secretaria Municipal de Abastecimento, Luiz Gusi, diz que devagarzinho os artigos falsos foram sendo infiltrados nas barracas de armarinhos até chegar no estágio atual.

Gusi reconhece a situação incômoda, mas tem uma justificativa razoável para ter deixado a pirataria invadir as feiras. Ao assumir o cargo, há dois anos, teve de escolher entre o combate ao contrabando ou a regularização dos problemas sanitários identificados nestes locais. Os alimentos respondem por 85% do movimento das feiras e tratava-se, portanto, de um problema de saúde pública. Agora, ele calcula que 90% das irregularidades foram resolvidas. O peixe, por exemplo, já está sendo vendido a uma temperatura máxima de quatro graus centígrados. Segundo ele, esse controle foi possível porque a Vigilância Sanitária ajudou com toda a base técnica e legal.

É atrás desta mesma base técnica e legal para investir contra a pirataria que Gusi vai bater na porta da Secretaria Municipal de Urbanismo. As punições podem ir da advertência verbal à apreensão da mercadoria, multa e cassação da licença da barraca. Ele diz que os feirantes já foram avisados. Eudorico Mário Marquezini, por exemplo, tem cinco barracas em cinco diferentes feiras de Curitiba. Para abastecê-las, recorre ao Paraguai ou aos leilões de mercadorias apreendidas pela Receita Federal. O que mais vende são óculos de grau e relógios, todos "com garantia". As barracas dele têm ainda brinquedos variados, som para carro, sutiãs de silicone e outras dezenas de produtos.

Cultura nacional

A pirataria já faz parte da cultura nacional, analisa Carlos Alberto de Camargo, diretor-executivo da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi) e membro do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, vinculado ao Ministério da Justiça. Para ele, essa cultura que aceita e valoriza a transgressão, desde que traga vantagens, passa de uma geração para a outra, agravando o problema a cada nova geração, pois cada vez mais se perde o contato com o padrão ético. "E todos caminhamos na direção de uma sociedade transgressora, sem limites éticos e sem segurança jurídica", diz.

Bacharel em Direito e ex-comandante-geral da Polícia Militar no estado de São Paulo, Camargo vê no consumo consciente desses produtos os sinais de uma sociedade que já não se abala com a violação de normas. Para ele, a tolerância a "pequenos crimes" tem levado a sociedade a viver amedrontada pelos "grandes crimes". A tolerância – da população que consome os produtos e dos governos que ignoram ou cedem os espaços públicos – estimula o aumento dessa atividade. Na opinião dele, aceitar a pirataria como válvula de escape para o desemprego, por não ter sido capaz de evitá-lo, é um duplo erro.

Fraude doméstica

Falsifica-se de tudo. Os produtos piratas mais procurados são CDs e DVDs, seguidos de brinquedos, cigarros, relógios, óculos, roupas, calçados, bolsas, tênis, eletroeletrônicos e artigos de informática. O Conselho Nacional de Combate à Pirataria informa que 75% disso tudo vêm do sudeste asiático. Grande parte chega numa triangulação com o Paraguai, a maior porta de entrada desses produtos na América do Sul. Já a pirataria doméstica avança até em produtos mais prosaicos, como revela a Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins. Os mais fraudados são água sanitária, desinfetantes, amaciantes e detergentes líquidos.

Este negócio feito por baixo dos panos demonstra um fôlego capaz de sufocar até a mais oxigenada das indústrias. O volume de apreensões é a ponta do iceberg de irregularidades, mas dá uma amostra da expansão do mercado clandestino. A Receita Federal quase dobrou a apreensão de contrabando, passando de R$ 596 milhões, em 2005, para R$ 871,6 milhões, no ano passado. A maior parte era de produtos piratas. Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), o índice de cópias ilegais de CDs passou de 3%, em 1997, para 50% hoje. Ou seja, para cada CD legal vendido existe um concorrente pirata.

O Brasil deixa de arrecadar US$ 1,8 bilhão por ano só com o contrabando e falsificação de cigarros, valor que sobe para US$ 3,8 bilhões no caso de combustíveis. Na indústria de confecções, os artigos falsos movimentam US$ 60 bilhões por ano no país, segundo cálculos da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). Já o prejuízo da pirataria ao mercado do audiovisual chega a quase R$ 400 milhões, e a R$ 60 milhões com o download ilegal de filmes.

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