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Integrante da Câmara de Ensino Superior do Conselho Estadual de Educação, a professora Lílian Anna Wachowicz, 66 anos, vai estar ao lado de outros 18 conselheiros amanhã, em Curitiba, na sessão plenária que vai definir os últimos detalhes da implantação do ensino fundamental de 9 anos no Paraná. O novo sistema prevê a matrícula obrigatória das crianças com 6 anos na 1.ª série e amplia o ensino fundamental de 8 anos para 9 anos. Com 50 anos de magistério, Lílian defende o novo sistema com unhas e dentes. "Quem for contra é porque nunca estudou educação escolar", provoca. Lílian tem mestrado em Educação pela UFPR, doutorado pela PUC-SP e pós-doutorado na Universidade de Barcelona. Foi professora do estado por 25 anos e depois ingressou na UFPR e na PUCPR, onde foi coordenadora de mestrado até o ano passado. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo.

A senhora é favorável à ampliação do ensino fundamental de 8 para 9 anos? Sou defensora incondicional desse novo sistema. Nós educadores entendemos que isso representa a criação das condições para que a população brasileira em idade escolar tenha maiores oportunidades de aprendizagem. O problema é que a lei não foi acompanhada das condições econômicas, políticas, pedagógicas e administrativas para sua implantação. É uma medida democrática, sem dúvida, mas também contraditória, porque deixou a cargo dos sistemas que cuidam dessa escolaridade, na sua maioria municipais, providenciar as condições para isso.

Os municípios vão gerir o novo sistema?O primeiro ciclo de aprendizagem sim. O princípio fundamental da nova organização é o tempo dedicado à aprendizagem. Respeitado o tempo da formação humana, o ensino já não pode mais ser organizado em séries de um ano letivo de 200 dias, o mínimo previsto por lei. Principalmente a avaliação tem que ser diferente, pois se ao final de um ano o aluno não aprendeu a ler e escrever, ele é simplesmente reprovado na escola seriada, o que não resolve nada. Nas escolas que se organizaram em ciclos de aprendizagem não há reprovação. [Em Curitiba são quatro ciclos de aprendizagem que funcionam em 161 das 168 escolas municipais].

A lei prevê a matrícula obrigatória das crianças 6 anos no ensino fundamental. Como isso ocorrerá no Paraná? O Conselho Estadual de Educação definiu a princípio dois ciclos de aprendizagem. Um primeiro de cinco anos, que a criança começaria aos 6 e terminaria aos 11 anos de idade. E depois um segundo ciclo de quatro anos, dos 11 anos aos 14 anos. Os municípios são responsáveis pelo primeiro ciclo e o estado pelo segundo.

O 1.º ano do novo sistema de 9 anos vai funcionar como uma pré-escola? Não, essa que é a diferença. A alfabetização ocorrerá respeitando o tempo de aprendizado da criança. A atual pré-escola já alfabetiza, inclusive contra a legislação. Mas esse enfrentamento da criança antes dos 6 anos de idade com o código letrado é considerado uma violência. Pesquisas em lingüística e pedagogia há muito tempo indicam que a criança necessita de pelo menos três anos para consolidar a aprendizagem da leitura e da escrita, acompanhada de muito cuidado.

Por que as crianças não podem ser alfabetizadas antes dos 6 anos?Elas não têm o amadurecimento necessário. Em geral as crianças que aprendem a ler antes dos 6 anos elas vão bem na escola até certo ponto, depois começam a querer se comportar de acordo com a idade delas e a turma já está lá na frente. Aí ocorrem distúrbios de comportamento e a gente sabe hoje em dia que esses distúrbios são quase impeditivos do desenvolvimento intelectual. Cada criança tem o seu tempo.

Os pais temem que ocorra repetição de conteúdo quando seus filhos forem para a 1.º ano do novo sistema de 9 anos em 2007, o que, na prática, seria como se eles tivessem reprovado...Essa é uma visão errada porque vai ser um modelo pedagógico totalmente diferente que vai caminhar paralelamente ao sistema atual. É nessa reorganização que as escolas estão atrasadas. Nove anos de escolaridade só pode ser uma vantagem. Quem for contra é porque nunca estudou educação escolar.

O ensino público sofre com a falta de professores e salas de aula nas escolas. Isso não pode dificultar a manutenção de duas turmas de 1.º ano ao mesmo tempo e afetar a qualidade do ensino? Não, porque sendo a implantação progressiva, nós teremos condições de preparar as mantenedoras enquanto estabelecimentos. A preparação maior é pedagógica. Mesmo dando as condições de sala, professores e tudo mais, teremos que nos preparar pedagogicamente com um currículo que seja de 9 anos como um contínuo, não picadinho em séries.

Mas se já há problemas com professores e falta de estrutura antes da implantação do novo sistema, isso não tende a se agravar depois?É por isso que digo que a medida é democrática, mas contraditória. Era preciso garantir as condições necessárias primeiro, mas isso depende de vontade política, especialmente do governo federal, que é quem centraliza as maiores verbas. Nesse sentido acho que a municipalização do ensino, que foi enfiada goela abaixo dos municípios do Paraná nos anos 80, hoje pode ser uma vantagem. Se os municípios aplicarem os recursos previstos em lei e avançarem para uma escolaridade que respeite o tempo de aprendizagem da crianças, nós teremos condições de implantar com eficiência o novo sistema.

A implantação dos 9 anos não começou fora de hora, no meio do ano letivo? Essa é uma reclamação das escolas particulares...A lei saiu em maio de 2005 [o prazo máximo para implantação é 2010] e o conselho estadual de cada estado mais o Distrito Fe-deral estabeleceu as suas normas para implantação do sistema de 9 anos. A nossa deliberação saiu em junho, mas vinha sendo discutida com as escolas antes, teve audiência pública e tudo. Nossa deliberação foi cuidadosamente preparada e aprovada por unanimidade no conselho, que tem 19 membros titulares. Por isso acho que no nosso caso foi um tempo apropriado.

Na sua visão, por que o assunto gerou tanta polêmica?Oficialmente é falta de informação. Mas o problema é financeiro. As escolas querem ter esse mercado livre de pré-escola e não assumir os cinco anos iniciais como um contínuo. A pré-escola hoje funciona como um grande mercado. A oferta gratuita é obrigatória, mas o poder público não cobre as nossas necessidades e é o primeiro a descumprir a lei.

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