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Escoteiros finalmente entregam a carta a Getúlio Vargas em fevereiro de 1942 | Arquivo familiar
Escoteiros finalmente entregam a carta a Getúlio Vargas em fevereiro de 1942| Foto: Arquivo familiar

Ato marcou o movimento do escotismo no país

A aventura dos escoteiros conseguiu reverter o fechamento dos escritórios marítimos em Antonina e marcou o nome dos cinco escoteiros na história da cidade e, consequentemente, do Paraná. Para Jefferson Picanço, que é neto de Manoel Picanço, um dos idealizadores da jornada, conta que na época o feito representou um alívio comercial para o município, já que a maioria dos moradores dependia do mercado marítimo para sobreviver.

"Hoje é um símbolo de heroísmo e de que não se pode desistir fácil dos objetivos", ressalta.

Filha do escoteiro Antônio José Gonçalves, Sandra Mara, de 55 anos, diz que o legado do pai foi esquecido com o tempo. "Na época teve repercussão grande, hoje o pessoal não conhece muito o assunto", afirma. Ela diz que o pai – falecido há duas décadas – contava que antes de encarar a saga, o grupo estudava muito geografia. "Tinha de saber posicionamento de estrelas e o relevo que iam encarar", diz Sandra.

Milton Horibe, o escoteiro que entregou a carta de reivindicação ao presidente Getúlio Vargas, é um dos ícones do escotismo no Paraná. Tanto é que ele dá nome a um grupo de escoteiros na Cidade Industrial de Curitiba, que reúne aproximadamente 60 jovens.

O diretor técnico do grupo, Saul D’Ávila, afirma que Horibe simboliza o que é ser escoteiro. "Queremos que os jovens que são escoteiros façam a diferença na sociedade onde vivem. Foi o que fez Milton Horibe, que mesmo menino assumiu a responsabilidade", ressalta D’Ávila.

Confira algumas curiosidades da saga dos jovens escoteiros:

Comunicação

Para saber se estava tudo bem durante a jornada, os escoteiros mantinham comunicação via carta e telegrama com o chefe dos escoteiros Manoel Eufrásio Picanço, que avisava os pais dos rapazes. Além disso, a cada cidade que eles passassem deveriam coletar uma assinatura do prefeito daquele município para comprovar que a saga prosseguia sem problemas.

Heróis

Após o cumprimento da missão, os escoteiros foram tratados como heróis pelo presidente. Ganharam passagem para retornar de navio até o porto de Santos, chegando de trem a Antonina, onde também foram homenageados pelo gesto heroico.

O encontro

O encontro do grupo de escoteiros de Antonina com Getúlio Vargas aconteceu no mesmo dia que o presidente estava recebendo outros dois grupos de escoteiros, um de São Paulo e outro do Rio Grande do Sul. A diferença é que esses dois foram de trem para o Rio de Janeiro.

  • Um ano antes de partir, grupos de escoteiros participam de desfiles pelas ruas de Antonina
  • Reprodução de jornal com notícia da época sobre o encontro

Mil e quatrocentos quilômetros a pé de Antonina até o Rio de Janeiro em quase 45 dias. Essa foi a saga de cinco escoteiros do litoral do Paraná no começo da década de 40. Era dia 16 de dezembro de 1941 quando o grupo rumou à então capital federal com a missão de entregar uma carta de apelo ao presidente Getúlio Vargas. Naquele ano, os escritórios marítimos da Companhia de Navegação Costeira e Lloyd Nacional de Antonina tinham sido fechados por ordem presidencial.

As duas empresas representavam cerca de metade da movimentação de cargas e de mão de obra portuária na cidade. O desemprego e o desespero bateram em centenas de famílias antoninenses. Para cobrar uma atitude do mandatário do país, Manoel Eufrásio Picanço, que era o chefe dos Escoteiros da cidade, convocou a tropa para uma missão nada fácil. Ele teria dito, segundo um artigo escrito em 1971 por Admaro Santos: "Só vocês, meninos, poderão sensibilizar o mandatário da nação, a ponto de fazer Sua Excelência ouvir os clamores do nosso povo. Mas vocês terão de ir a pé até lá".

Incrédulos, os rapazes que tinham entre 15 e 18 anos se entreolharam e desconfiaram. Mas era verdade. Era preciso apelar para que Vargas voltasse atrás de sua decisão. Duas comissões já haviam tentado em vão contato com o presidente. A situação da cidade era calamitosa. A tristeza e melancolia imperavam nas ruas de Antonina. Alguma alternativa deveria surgir. Nada melhor que uma ação que sensibilizasse o então presidente do Brasil.

Pela antiga estrada da Ribeira, os cinco meninos fardados de escoteiro caminharam rumo à capital federal. Sofreram com chuva, fome, calor, frio e calos nos pés. Sem falar dos riscos de picadas de cobras ou até serem atacados por outros animais selvagens. Os rapazes Milton Horibe, Manoel Antônio de Oliveira, Antônio José Gonçalves, Lídio Santos Cabreira e Alberto Shtorach encararam os seus medos e munidos com uma mochila com roupas, alimentos e dinheiro partiram com a aguardada carta em mãos.

Eles chegaram ao destino somente no dia 30 de janeiro do ano seguinte. Foram quase 45 dias longe dos familiares e de suas casas caminhando entre matas, estradas poeirentas, pontes e cidades.

Mas a jornada ainda estava longe de terminar. Era preciso entregar a dita carta a Vargas. A situação não era das mais fáceis. Como conseguir uma agenda com o homem mais importante do país naquele período? Tiveram de se alojar mais alguns dias no Rio de Janeiro esperando serem recebidos por Vargas. Somente no dia 19 de fevereiro, depois de contar com apoio de personalidades influentes no meio político, foi que Horibe entregou a Vargas a tão aguardada carta.

Ao receber a mensagem das mãos do escoteiro Milton Horibe, o presidente atendeu parte das reivindicações, mandando reabrir os escritórios das empresas, que por mais alguns anos mantiveram a principal fonte de renda da cidade.

Barracas e dinheiro para a travessia

A jornada dos cinco escoteiros começou com um desfile pelas vias de Antonina às 13 horas do dia 16 de dezembro de 1941. No dia anterior, como consta no diário escrito por um dos escoteiros, Lídio Cabreira, foi feita toda a checagem do material que iria ser transportado durante a saga. Levaram uma quantia de 40 mil réis para o custeio da travessia. Além disso, cada um carregava cifrões que variavam de 10 mil a 20 mil réis para emergências no meio do caminho.

Cantil, faca, machadinho, lanterna, barraca e alimentos eram obrigatórios. Cada um deles carregava cerca de 20 a 25 quilos de apetrechos. O povo de Antonina estava emocionado com a coragem dos jovens. Segundo o diário de Cabreira, o burburinho tomou conta da cidade. Algumas pessoas achavam que os jovens não chegariam vivos ao destino, outros que tudo aquilo era uma loucura. Alguns apostavam que tudo daria certo. "Numa curva da Estrada da Graciosa acenamos o último adeus para aqueles que ficaram", diz o relato.

A dificuldade na empreitada não foi pouca. Eles tiveram de beber água que estava acumulada em poças formadas por pegadas de cavalo. "Com algodão na boca para filtrar aquela água amarela cheia de mosquito saciamos nossa sede", consta no diário. Esse episódio aconteceu no dia 19 de dezembro.

Quando chegaram no Rio de Janeiro, foram procurar o general Heitor Borges, que era presidente da União Brasileira dos Escoteiros, que cuidou deles, mantendo-os em um albergue dentro do Exército até ajudar na concretização do encontro com Vargas em Petrópolis no dia 19 de fevereiro.

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