• Carregando...

Olga é um nome russo. Obdúlia, árabe. Mas Olga Herrera e Luli Miranda – como Obdúlia naturalmente prefere ser chamada – são paraguaias. Elas fazem parte de uma minoria, a dos 800 nascidos no Paraguai que moram em Curitiba, algo próximo de 0,5% da população. Uma e outra são bilíngües – falam espanhol e guarani, como 90% dos seus conterrâneos e alguns vizinhos, somando 20 milhões de falantes, pelo menos dez vezes menos do que a língua portuguesa. Como poucos, Luli e Olga dominam a gramática e conhecem a cultura e a história dos guaranis. Por saberem, ensinam para um pequeno grupo do Centro de Línguas Estrangeiras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um trabalho que ganhou forma em 2002, arrebanhando não mais do que 70 interessados.

Luli despertou para o guarani quando era menina e vivia no campo, em Coronel Oviedo. Sempre que os homens da tribo Ache Guayaki passavam a porteira, seu pai a mandava para o andar de cima da casa, pois os índios tinham fama de canibais. Da janela, ela escutava uma conversa em língua intraduzível. Quis aprender. Ouviu um "isso não vai dar dinheiro, minha filha!". Fez Psicologia. Mas também doutorou-se em Epistemologia Indígena. Olga, de outra geração, nasceu e cresceu durante a ditadura de Stroessner, que durou 35 anos e proibiu o ensino do guarani, fazendo do idioma um culto secreto. A mãe, já morta, cantava na língua dos índios e adorava soltar uns palavrões em legítimo guarani – no que Luli e Olga concordam: dói ouvir, mais do que em qualquer outra língua.

O guarani é mais difícil do que o mandarim e o vietnamita, além de ser um mar de sutilezas. Não basta decorar a gramática do jesuíta padre Montoya, escrita em 1616, para entender o que é Añarevikua, palavra para a qual cabeçada é pouco. "É uma língua conceitual. Faz com que a gente filosofe sobre a realidade. A soma das palavras é que explica tudo", resume Luli, sobre o idioma em que o todo é mais do que a parte.

O nome de alguém, por exemplo, pode ser dado em sonho, nascer de uma história e há quem receba o dom sobrenatural de batizar as coisas. Como esse expediente não é para qualquer um, dar nomes é atividade sagrada. Tanto que muitas dessas revelações se tornaram segredos de estado. Reza a lenda que os guaranis guardam dezenas deles, gerações a fio, sem fofoca com o vizinho – a exemplo do percurso do Caminho do Peabiru. Admirável mundo velho!

Difícil passar impune por essas e outras notícias que sobreviveram a Cabral e sua turma. O geneticista da UFPR Erasto Villa Branco Júnior, 46 anos, sabe disso. É aluno de guarani há três anos. Logo entendeu que não ia traduzir nem falar, mas pensar como os índios. A experiência abalou até a culinária doméstica – os bolos de tapioca entraram para o cardápio. O mesmo se diga para a relação com o trabalho e com o espaço da casa, hoje abençoado pelos fluidos guaranis. A ciência, idem, não escapou. "Somos majoritariamente 1/3 europeus, 1/3 negros, 1/3 índios", reforça. Alguém falou em minoria?

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]