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Marcelo Ramos, morador da periferia de Curitiba, ganha cobertores para enfrentar o inverno: na fronteira do assistencialismo | Marcelo Elias / Gazeta do Povo
Marcelo Ramos, morador da periferia de Curitiba, ganha cobertores para enfrentar o inverno: na fronteira do assistencialismo| Foto: Marcelo Elias / Gazeta do Povo

Com seis pacotes de cobertores na cabeça, Marcelo Ramos, 34 anos, sabe que naquela noite o frio será menor. Com uma das filhas pela mão – tem três e mais oito enteados – conta que "sem essa ajuda, seria muito mais difícil". A senha para conseguir as doações da Fundação de Ação Social da prefeitura foram conseguidas por intermédio da Associação Vida Nova, com sede na ocupação Ulisses Guimarães, no Pinheirinho.

Ramos é um dos personagens do "Brasil sem Miséria". Não tem emprego, nem documentos. E vive cercado de mais ou menos iguais, sem os quais, como diz, "seria difícil". É o caso de Neri Kohnlien, 52 anos, que mora há 20 na região e cumpre um papel comum nos espaços de muita pobreza: o de pobre que ajuda outro, formando uma "rede de favores".

Dos dois cobertores que Neri ganhou, um tinha destino certo. "Vou levar para o casal de velhinhos que moram ao lado da minha casa", conta o homem que ganha R$ 500 por mês, tem uma pequena chácara e fez da doação de roupas e alimentos um estilo de vida. Leva tudo numa Caravan.

Rodolfo Helmut Loewen, 67, da Associação dos Menonitas, é uma espécie de Neri do Parolin e da Vila das Torres. Os números que cercam o benfeitor são superlativos: duas vezes por semana ele faz o manejo voluntário de cinco toneladas de alimentos que serão distribuídos para 1,5 mil famílias dessas duas comunidades. São 30 cestas básicas por semana. Cada uma delas pesa em média 13 quilos.

A distribuição é germânica. Às segundas-feira, Gerta, mulher de Helmut, e outras voluntárias, vão de casa em casa ouvir as famílias. Às quartas, as cestas chegam aos cinco barracões que os menonitas mantêm na região. É quando se dá o mais curioso, uma inversão de papéis. Helmut recolhe roupas, sapatos e móveis que a turma do Parolin e das Torres juntou para doar aos mais pobres ainda, os do Vale da Ribeira, confirmando a facilidade com que as redes informais geram correntes.

Erradicação

Para o economista e sociólogo Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a erradicação do nível extremo de pobreza no Brasil é "plenamente factível de ser obtida". Paixão alerta, porém, que o combate à miséria não passa somente pela elevação da renda familiar, mas também pelo acesso a serviços básicos à população, como educação, saúde e saneamento. As redes formadas pela própria população indicam que a pobreza não se resume ao financeiro.

"O problema da miséria deve ser atacado com a integração de políticas públicas, num todo coerente. Não faz sentido cobrar da família frequência escolar para ter acesso a benefícios financeiros se as crianças são enviadas para escolas que não funcionam", afirma.

O pesquisador defende que o combate à miséria só será eficaz se houver um "consenso social" de que a existência de 16 milhões de pessoas vivendo em condições de pobreza extrema é inaceitável no país. "A afirmação desse consenso é importante porque envolve todos os brasileiros e a aceitação de que se devem buscar todos os recursos necessários para transformar essa realidade. E, em se tratando de recursos financeiros, não há problema. O que determina o sucesso desse combate é a vontade política".

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