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Mesmo diante do sucesso na implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), ainda paira sobre algumas comunidades um fantasma que por muitos anos atormentou os moradores de áreas carentes: a truculência policial.

O sinal vermelho voltou a acender depois de uma queixa feita a especialistas em estudos de violência por uma moradora sobre o método usado por um policial que teria dado uma "dura" em seu filho.

No relato da mãe, o policial teria dito: "De vez em quando você não dá um cascudo em seus filhos? É isso que estamos fazendo", teria justificado o PM sobre a forma agressiva de tratar alguns jovens em uma das comunidades que está sendo preparada para receber o projeto de pacificação do governo do estado.

Casos de excessos de policiais também foram relatados por moradores do Morro do Borel, na Tijuca, onde está sendo instalada mais uma UPP, durante encontro com o tenente-coronel Luiz Henrique Moraes, comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope), na última segunda-feira (3).

Tapas no rosto

No encontro, uma mulher contou que seu filho, de 19 anos, foi agredido com tapas no rosto e que os policiais retiraram o nome da farda, para não ser identificados. No mesmo momento, o comandante divulgou o e-mail bopecomsac@gmail.com e o telefone 2334-3983 para que os moradores entrem em contato com o batalhão.

No entanto, de acordo com a assessoria da Polícia Militar, que respondeu ao G1 através de uma nota, na quinta-feira (6), "não há nenhuma queixa contra policiais militares de UPP na corregedoria".

Atento às ocupações das UPPs, as denúncias deixaram preocupado o sociólogo Luiz Antonio Machado da Silva, professor titular do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com experiência de mais de 40 anos em trabalhos de pesquisa de campo em favelas do Rio.

"Esses episódios trazem muita preocupação. Pode comprometer um trabalho que está dando resultado. Sabemos que está havendo um aumento exponencial de desacato em algumas favelas. A tradução disso, para a gente, é que as ocorrências de truculência policial estão sendo registradas como desacato. É parecido com os casos de auto de resistência (mortes em confronto) sem reação", compara o pesquisador.

Mudança no discurso do governadorMachado lembra a mudança no discurso do governador na estratégia de combate ao tráfico de drogas. "O início do governo Sérgio Cabral foi marcado por declarações enfáticas de guerra às facções criminosas. A repercussão não foi boa e rapidamente mudou o discurso. Ou seja, as UPPs nasceram como resultado invertido da truculência retórica, que exagerava no reconhecimento explícito do que acontece nos bastidores do controle das ‘classes perigosas’, que sempre se realizou através da violência", analisa.

"Com a mudança de postura do governo, a gente espera que essa nova orientação contribua para uma mudança na cultura policial, que todos sabemos ser autoritária, violenta e, às vezes, paranóica quanto à moral nos territórios da pobreza", acrescenta o professor.

Para a pesquisadora Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes e ex-ouvidora da Polícia do Rio, a formação a "toque de caixa" dos policiais pode ser um risco para o sucesso do projeto.

"É preciso muito cuidado para que o policial não aja de forma inadequada, infringindo a lei. O que temo é o retorno da onda de truculência nas favelas. As UPPs já cobrem 10 comunidades e o governo promete atender 50 até o fim do ano. É uma perspectiva muito boa, já que todo mundo aprova os resultados. Mas estou preocupada com a formação muito rápida desses policiais, de forma superficial", afirma Julita.

Monitoramento constante

Ela propõe um acompanhamento dos resultados para que não haja nenhum desvio do que tem sido apresentado até agora. "Está na hora de especialistas realizarem estudos, apresentarem projetos para aprimorar o que está sendo feito. O programa precisa ser monitorado, mas não apenas pela polícia. É preciso acompanhar o tempo todo para corrigir rumos", sugere.

Outra preocupação é que as UPPs se transformem em agentes mediadores na solução de problemas do cotidiano dos moradores frente a outros órgãos públicos, desempenhando um papel político-administrativo que já foi feito pelas associações.

"Seria um tiro no pé, um retrocesso. Transformar um braço da repressão ao crime em organização política é tudo que o processo de democratização não precisa. O projeto de segurança perderia a finalidade", avalia Luiz Machado.

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