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“Primeiro vamos ter um sistema de avaliação de imediato, na frequência que quisermos, pois assim podemos atuar sobre a área que desejamos.” | Priscila Forone/ Gazeta do Povo
“Primeiro vamos ter um sistema de avaliação de imediato, na frequência que quisermos, pois assim podemos atuar sobre a área que desejamos.”| Foto: Priscila Forone/ Gazeta do Povo

Entrevista

Falta estrutura em 1,5 mil escolas

Flávio Arns, senador, vice-governador eleito e futuro secretário da Educação do Paraná.

Como ocorrerá a implantação de um sistema próprio de avaliação na rede estadual?

Ainda neste ano queremos discutir este assunto com as instituições de ensino superior do estado, para que possamos desenvolver um sistema próprio. Existem experiências em outros estados que certamente irão constar nesta análise. A partir disso faremos consulta pública, que é importante também.

Para que um sistema próprio de avaliação, se já temos avaliações nacionais da educação básica feitas pelo governo federal, como o Ideb, o Saeb e a Prova Brasil?

O Ideb, apesar de ser um instrumento importante, leva em conta a realidade nacional. Primeiro vamos ter um sistema de avaliação de imediato, na frequência que quisermos, pois assim podemos atuar sobre a área que desejamos. Tem de estar muito de acordo com nossa realidade, com nosso currículo e planejamento.

Em São Paulo, o sistema próprio de avaliação serviu também para o pagamento de bônus por desempenho aos professores. Isso poderá ocorrer no Paraná?

Há muitas variáveis no desempenho obtido em cada escola. É preciso avaliar o contexto. Há escolas em regiões extremamente pobres e precárias. Mas o que nós queremos é que todos avancem. Neste sentido, nosso sistema de avaliação deve servir de instrumento para que nossa atuação seja melhor. Não há ainda nenhuma discussão de usar este sistema para pagamento de bônus ou dar algum tipo de retorno financeiro.

Com relação à infraestrutura das escolas, há necessidade de construir novos prédios ou retomar obras paralisadas?

Preliminarmente tenho a informação de que 1,5 mil, das 2,2 mil escolas estaduais existentes, apresentam problemas de estrutura. Grande parte destas escolas funciona sem autorização do Corpo de Bombeiros. E, por não ter esta autorização, a própria secretaria assume o risco. Existem muitas obras em andamento e estamos pedindo informações de cada uma delas. Sem dúvida existe a necessidade de construção de novas escolas, mas precisamos do levantamento. Há escolas compartilhadas com os municípios, mais de 150 turmas funcionando em turnos intermediários, escolas com partes interditadas e transporte escolar ocorrendo de maneira desnecessária.

O que deve ser feito para garantir mais segurança aos estudantes da rede estadual?

Iremos adotar ações de assistência, de saúde, de trabalho, para que haja uma articulação de políticas públicas a favor do aluno, da família e da escola. O grande objetivo é ter 500 escolas em período integral até o fim do governo. Vamos fortalecer a Patrulha Escolar no que for necessário. Existem muitas iniciativas boas, o que falta é articulação com todas as entidades para que a segurança na escola seja adequada. Uma coisa fundamental é abrir a escola para a comunidade.

Os municípios têm reclamado do pequeno repasse feito pelo governo do estado, com relação ao transporte escolar. Como vai ficar essa questão?

O transporte dos alunos da rede estadual é uma obrigação do estado. Se o município transporta alunos do estado, ele tem de ser ressarcido. Para mim e para o Beto Richa não há qualquer dúvida neste sentido. Vamos mapear o Paraná para ver onde é necessário o transporte e onde é melhor construir mais escolas.

Diante dos escândalos envolvendo desvios de diárias de viagens, pode haver alguma mudança na prestação de contas?

Já tenho conhecimento de encaminhamentos preliminares que devem ser feitos pelo Ministério Público Estadual. Mas é melhor aguardar a conclusão destes procedimentos para, com base nisso, tomar as providências necessárias.

Tatiana Duarte

A gestão do governador eleito Beto Richa nem começou, mas no campo do ensino – uma área que levanta cedo, inclusive para fazer política – as luvas de boxe já estão colocadas. Não por menos. O primeiro secretário anunciado, ainda no período de campanha, foi o senador e vice da chapa Flávio Arns, para a Secretaria de Estado da Educação (Seed). Sua indicação veio cercada de bons fluidos e possibilidades de consenso, mas as vacas magras do período anterior deixaram como saldo uma lista de desejos não realizados pelos professores. É preciso se garantir.

Arns tem pela frente a tarefa de juntar os cacos deixados pela administração Maurício Requião – que não figura entre as dez mais – e reverter a má sorte de sua substituta na pasta, a pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Yvelise Arco-Verde. Embora moldada para o cargo, Yvelise mal pôde exercê-lo ao ter de responder por vícios administrativos crônicos da Seed – o uso indevido de verbas de viagem e o sumiço de documentos. Há poucos dias, pediu demissão, ficando em seu lugar o antigo diretor da secretaria, Altevir Rocha de Andrade, a quem cabe apagar a luz.

O cochicho sobre quem seria o incumbido de restabelecer a inteligência e a moralidade na secretaria, claro, correu solto e deixou bem animados os cafezinhos dos mestres na hora do recreio. A escolha mais cogitada era a da economista Eleonora Fruet, de modo a dar continuidade a uma gestão correta, transparente e bem aceita na Secretaria Municipal de Educação de Curitiba. Não foi o que aconteceu.

A segunda hipótese era a de que, sem um programa muito elaborado para a educação, Richa recorreria à parte da equipe de Jaime Lerner no governo, hipótese que provocou calafrios e convulsões em série. Nunca se vai saber até onde isso é ficção. O que se sabe é que Flávio Arns surgiu como uma promessa de dignidade e participação para uma categoria que gera influência, que tem poder de decidir eleições, mas que permanece carregando tijolos para construir pirâmides e desfruta de poucas glórias.

Arns é professor licenciado do Departamento de Prática de Ensino da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e conhecido por sua militância na inclusão de portadores de deficiência nas escolas. Ser um animal da sala de aula evitaria a má-vontade dos educadores reservada a gestores que nunca sujaram a mão com giz. Colabora para sua biografia um dado que ainda conta muito para os brasileiros: a família. O novo secretário é egresso de um clã conhecido pelo apreço ao conhecimento e aos direitos humanos, apesar da sabida aversão de sua tia, a médica Zilda Arns, ao uso político da ação social.

Admirado, contudo, Flávio Arns não chega a ser uma garantia de que Beto Richa não vai ouvir apitaço feito por professores e alunos. Escaldado, tudo indica que o professorado, mesmo reconhecendo que o novo secretário é homem de boas intenções, gostaria de sabatiná-lo em praça pública. A pergunta mais conhecida é sobre sua defesa de que crianças de 5 anos possam entrar no primeiro ano do ensino básico. A proposta tramita nos labirintos de Brasília e promete novos capítulos.

Outro aspecto controvertido em torno do senador é sua rumorosa migração do PT – partido onde nunca pareceu muito à vontade – para o PSDB, cuja concepção neoliberal de educação causa urticárias nos que são contrários ao emprego de técnicas do mundo corporativo em sala de aula.

O incômodo com a reviravolta partidária de Arns só não é maior do que o anúncio de que pretende fazer uma prova estadual de avaliação dos alunos, em paralelo às já existentes. Raro encontrar quem concorde. A insatisfação é fácil de explicar.

Os exames aplicados pelo governo são aplaudidos pelos tecnocratas da educação, geraram estatísticas para a imprensa tratar do assunto de forma menos impressionista, puseram à mostra crateras educacionais, mas ainda não disseram a que vieram. Uma nova avaliação, além de onerosa e cansativa, soa, para muitos, como mais um instrumento para justificar verbas repassadas pelo Banco Mundial, obsessão por metas – um corpo estranho ao fazer pedagógico – e, nas entrelinhas, representa um risco de uso eleitoreiro da escola, como acontece com a saúde e com a segurança pública.

Desde 1991, quando as grandes avaliações começaram a ser aplicadas, uma parcela de professores e pesquisadores passou a viver às turras com os provões e provinhas – sim, porque vá­­rios municípios e estados as mimetizaram. Em paralelo, formou-se uma cultura de que a avaliação seja a panacéia e a salvação do ensino. Ou seja – os educadores estão divididos em torno do assunto. E querem ser ouvidos a respeito.

Curiosidade

Na entrevista dada com exclusividade à Gazeta do Povo (leia acima), Arns defendeu audiências públicas sobre mudanças na educação. A expectativa dos professores, contudo, ultrapassa o debate popular. Muito antes do governo federal entrar de sola na era das provas, a nata dos pesquisadores brasileiros já tinha detectado as falhas do ensino, mas esses diagnósticos devem ter ficado encarcerados nos cursos de Pedagogia.

"Aqueles que trabalham na escola sabem quais são os problemas. O que se espera é que os resultados das avaliações gerem medidas para escolas que tiveram maus resultados. Os exames têm colocado a ênfase da educação na nota, todas as escolas estão trabalhando com metas, mas a escola precisa de foco é na curiosidade", comenta a pedagoga Jussara Riva Finatti, em desacordo com as provas de diagnóstico de alunos aplicadas pela Secretaria Municipal de Edu­­cação, com 12 páginas, para crianças de 6 anos. "Poucas perguntas são o suficiente", pondera, sem esconder o temor de que esse método se torne uma regra estadual.

"Sou contra mais uma prova", posiciona-se o professor da UFPR Odilon Carlos Nunes, pesquisador da área de avaliação. Sem descartar o valor dos exames, considera – em uníssono com outros educadores – que o Brasil está novamente diante de um processo inconcluso: o surto de avaliações não ajudou a escola a entender o que deve fazer; privou o setor de recursos, já que as provas são caras; e não redundaram em parcerias com os professores para que possam resolver suas fragilidades didáticas. "A falha dessas avaliações é que criam grandes expectativas, estimulam rankings e jogam a responsabilidade sobre os alunos. Eles são tomados como os únicos agentes", comenta Nunes.

"Não adianta avaliação que não resulte em ganho para o aluno", diz o veterano da rede municipal de ensino Frederico Almeida Torres, um entusiasta da figura de Arns. "A gente ainda não sabe trabalhar com os resultados de tantas provas. A etapa agora seria essa", reforça a professora Rossana Final, do De­­­partamento de Letras da UTFPR, para quem, entre tantos, a maior expectativa em torno do senador é que melhore os níveis e inclusão de deficientes nas 2,2 mil escolas estaduais.

A saída – e esse é um pedido para o novo secretário de estado da Educação – é que invista na formação dos professores, pois essa seria a chave do segredo. "Formar o educador tem de ser uma política pública forte", defende a pedagoga Marilda Behrens, professora do mestrado e doutorado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e um nome inscrito no setor.

"Não existe escola igual. Toda essa questão só se resolve se considerarmos que não existe discussão por alto. Tem de pensar cada comunidade em que a escola está inserida e nos seus desafios concretos", explica, apontando o círculo do vício em que se meteu o Ministério da Educação, a Seed e similares. Além da avaliação focada no aluno, reivindicado por Nunes, esqueceu-se de investir na formação continuada – ainda que alguns avanços tenham acontecido, a exemplo do mestrado oferecido pelo estado do Paraná aos educadores.

"Melhorou. Mas precisamos mais do que pequenas contrapartidas. Que tal cada sala com dois professores, como propunha o Serra", provoca a pesquisadora. Que Arns abra bem os ouvidos.

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