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Flagrante de Anderson atendendo cliente fora da cela da PM | Reprodução Gazeta do Povo
Flagrante de Anderson atendendo cliente fora da cela da PM| Foto: Reprodução Gazeta do Povo

O esquema

O MP identificou um núcleo montado na 1ª Vara Cível de Paranaguá para arrecadar dinheiro com custas processuais contra a Petrobras. Advogados entravam com ações em duplicidade ou com prazo prescrito. As ações eram chamadas pelo grupo de "processos podres". Três empresas foram criadas para movimentar o dinheiro. Advogados também não pagavam aos pescadores as indenizações liberadas pela Justiça. Veja os principais acontecimentos de 2014:

• 10 de abril – A Gazeta do Povo publica a primeira reportagem, mostrando que a advogada Cristiane Uliana havia se apropriado indevidamente da indenização de 18 pescadores.

• Maio – A 1ª Promotoria de Justiça de Paranaguá abre investigação motivada pelas reportagens da Gazeta do Povo.

• 5 de agosto – Oito pessoas são presas (entre elas o juiz Hélio Arabori e o dono de cartório Ciro Antônio Taques) acusadas de montar um núcleo de fraudes milionárias dentro da 1ª Vara Cível de Paranaguá. Outras sete pessoas têm a prisão decretada e são consideradas foragidas da Justiça.

• 20 de agosto – Justiça recebe do Ministério Público denúncia contra 19 pessoas que estariam envolvidas no núcleo de fraudes montada ­­­­na ­­1ª Vara Cível de Paranaguá.

• 21 de agosto – Justiça determina o bloqueio de bens no montante de R$ 16 milhões de oito acusados, entre eles o juiz Hélio Arabori e o escrivão judicial Ciro Antônio Taques.

• 24 de agosto – Nova reportagem da Gazeta do Povo mostra que investigações trazem indícios de participação do advogado da Petrobras no esquema, o que teria lesado a estatal.

• 31 de agosto – A Gazeta do Povo revela que mais de 12 mil processos podres (já prescritos ou em duplicidade) foram identificados no Fórum de Paranaguá.

• 18 de setembro – Depois de 45 dias, o juiz Hélio Arabori deixa a prisão.

Habeas Corpus

Acusado de fraude, juiz é solto após 45 dias preso no quartel da PM em Curitiba

O juiz aposentado Hélio Arabori, apontado como um dos líderes do esquema denunciado à Justiça sobre fraudes contra pescadores do Litoral do Paraná, foi posto em liberdade na última quinta-feira, por força de um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Ele estava preso preventivamente a pedido do Ministério Público e ficou detido por 45 dias no quartel central da Polícia Militar em Curitiba.

"Eu não vejo como uma vitória, mas como a garantia de um direito dele [Arabori] que foi preservado", definiu o advogado Leonardo Buchmann. "Ele está mais tranquilo, porque, agora, em liberdade, ele tem condições de, junto com a sua defesa e seus advogados, formar uma defesa técnica melhor", acrescentou o defensor.

Entre 2003 e 2013, Hélio Arabori era juiz na 1ª Vara Cível de Paranaguá, onde o núcleo denunciado teria se instalado para fraudar ações de indenizações movidas por pescadores contra a Petrobras. O magistrado é acusado de ter exigido parte dos valores levantados pelo grupo, com a arrecadação de honorários e custas das indenizações movidas contra a estatal. Em troca, ele facilitaria a tramitação dos processos.

O advogado de Arabori acredita que vai conseguir comprovar a inocência do cliente. Segundo Buchmann, a denúncia acatada pela Justiça foi embasada apenas na delação de outros dois réus: a advogada Cristiane Uliana e o serventuário Arival Tramontim Ferreira Júnior. "O Júnior não tem credibilidade nenhuma. Está foragido, inclusive. Tem uma ficha criminal extensa. (...) A Cristiane é réu confessa", disse.

Conversa

Veja síntese da conversa do advogado Marcos Gustavo Anderson com o acompanhante de um pescador dentro da prisão:

Advogado – "Esse extrato aqui não se refere a isso [processo]. Isso é uma coisa e isso é outra [outro processo]. O que vocês têm que dar uma olhadinha lá no Fórum é isto aqui [diz o número do processo]".

Advogado – "O que aconteceu neste processo? Foi levantado, foi feito um depósito de R$ 58 mil a [diz o nome do pescador]. Esse foi o depósito inicial. Esse foi o depósito inicial em 17 do 11 de 2009, R$ 58 mil. Então, esse processo aqui é o do óleo, que é do dinheiro grande.

Acompanhante – Que ele não recebeu.

Advogado – Ele já recebeu uma parte. O senhor recebeu um valor da Cristiane [a advogada Cristiane Uliana, também ré no processo], lá, um valor... (...) o senhor recebeu um valor comigo e depois um valor com a Cristiane, né? Dois valores o senhor recebeu.

Acompanhante – Mas tem que ir lá nela [Cristiane Uliana] ou ir no Fórum?

Advogado – O [diz o nome do pescador] agora sou eu que tô atendendo ele. Então seria interessante até deixar uma cópia disso aqui, pra eu ir atrás depois.

Preso preventivamente desde 5 de agosto, o advogado Marcos Gustavo Anderson continua prestando assessoria jurídica a pescadores de dentro da cela do 9.º Batalhão da Polícia Militar, em Paranaguá. Anderson é réu na Operação Tarrafa, na qual o Ministério Público desbaratou um núcleo de corrupção acusado de lesar centenas de pescadores que moveram ações indenizatórias contra a Petrobras, em razão de acidentes ambientais ocorridos no Litoral do Paraná.

VÍDEO: Veja a atuação do advogado preso

Um vídeo produzido pela Gazeta do Povo mostra Anderson atendendo um pescador na última sexta-feira, usando a cela onde está preso como escritório. O advogado analisa os processos do cliente – referentes a dois acidentes ambientais –, detalhando como ele deve proceder e o orienta a ir ao Fórum buscar informações pelo número do processo. A "visita" dura mais de 17 minutos.

"Agora, sou eu que tô atendendo ele. Então seria interessante até deixar uma cópia disso aqui [dos documentos] pra depois eu ir atrás", disse Anderson a um acompanhante do pescador. O advogado completa, afirmando que será posto em liberdade nesta semana e que continuará atendendo. "Você pode me ligar... a gente combina um lugar."

Ao fim da consulta, Anderson conduz o pescador e seu acompanhante até o lado de fora da cela. A grade estava só encostada, sem cadeado. Com chinelos, bermuda e camiseta, o preso deixa a cela sem ser abordado por nenhum policial e se despede dos "visitantes". Durante esse tempo, uma mulher (que seria esposa de Anderson) permaneceu na cela. No meio da visita, outro advogado aparece. "Espera um pouco, doutor, que eu tô atendendo o seu [diz o nome do pescador]."

A Gazeta do Povo ouviu outros dois pescadores que, em entrevista gravada, declararam ter recebido orientação jurídica de Anderson atrás das grades no quartel da PM. Um deles disse que um policial, filho de pescador, espalhou a notícia de que o advogado continuava prestando orientações jurídicas mesmo na prisão. Esse pescador conta que, após ser atendido, viu outras três pessoas esperando na fila para falar com o preso.

Denúncias

Ao pescador, Anderson disse que sua "única culpa nessa história" foi ter "emprestado" sua empresa (a MGA) para o grupo denunciado. De acordo com as denúncias do Ministério Público, era por meio da MGA que Anderson repassava valores indevidos ao escrivão Ciro Antônio Taques e ao juiz Hélio Arabori, considerados os cabeças do esquema.

Anderson disse ainda que o MP "criou um monstro". Ele alega que o dinheiro das indenizações dos pescadores ficava com a advogada Cristiane Uliana, delatora do esquema e também ré no processo. "Agora, ela tá lá, solta, tá trabalhando, formosinha. E nós aqui, preso [sic]."

Atendimento é irregular, diz MP

Autor da ação que denunciou à Justiça as fraudes na 1.ª Vara Cível de Paranaguá, o promotor Thiago Gevaerd Cava, da 1.ª Promotoria de Justiça Criminal, disse que se ficar comprovado que o advogado Marcos Gustavo Anderson prestou atendimento jurídico aos pescadores, ele terá cometido uma irregularidade grave. "Ele está preso. É uma cadeia, não um escritório. Ele não pode atender o público. É irregular." Cava é o autor da ação.

Após ser informado pela reportagem sobre as "visitas" de clientes, o Ministério Público fez uma vistoria na cela de Anderson. Não foram encontrados celulares ou computadores, mas constatou-se que o advogado recebia visitas diárias, sem qualquer regra, contrariando o artigo 41 da Lei de Execuções Penais (LEP). Bastava ir ao quartel para ser recebido pelo preso.

"Havia várias irregularidades em relação às visitas. Ele as recebia todos os dias. Não havia qualquer limite", diz Cava. O promotor vai oficiar à Justiça que a prisão de Anderson obedeça às determinações da LEP: as visitas serão semanais, entre as 14 h e as 16 h de um dia predeterminado, e informadas à Justiça.

A PM informou que, apesar de o quartel não ser adequado à prisão, manteve o advogado detido, atendendo a uma determinação judicial. A corporação acrescentou que todas as visitas recebidas por Anderson foram registradas oficialmente, com nomes e horários.

A seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) não quis se manifestar sobre o fato de Anderson ter atendido pescadores na prisão. Em nota, informou apenas que "foram instaurados procedimentos ético-disciplinares e de suspensão preventiva em relação a todos os envolvidos". Mas o resultado não foi divulgado porque, segundo a OAB-PR, corre em sigilo.

Advogado preso atende pescadores em Paranaguá

Preso desde o dia 5 de agosto, acusado de integrar um núcleo de corrupção que lesou pescadores, o advogado Marcos Gustavo Anderson continua atendendo de dentro da cela. Imagens exclusivas mostram o réu orientando um pescador, na sala em que está preso, no Quartel da PM da Paranaguá.

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