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Sting: sem dom para as rimas | Arquivo Gazeta do Povo
Sting: sem dom para as rimas| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Uma história de Justiça

A gratidão de Erika Neves Quintian, 25 anos, que conseguiu ter de volta o filho que o pai levou embora indevidamente, expõe a importância da Defensoria Estadual para os carentes. O empenho dos advogados públicos foi fundamental para ela reencontrar o filho.

O drama da mãe e do pequeno Felipe, hoje com quase 4 anos, acabou após cinco meses de torturas psicológicas, graças à ação de advogados públicos vinculados à Defensoria.

As medidas judiciais tomadas por eles possibilitaram a prisão do pai, Eduardo da Cunha Caldana, em Matinhos. Na verdade, o pai usava o filho para tentar se reaproximar de Erika. Após cinco meses de buscas, ela conseguiu atraí-lo para o litoral e reaver a guarda da criança.

Segundo a mãe, o menino foi arrancado dos braços da avó em Curitiba e levado a força para São Paulo. "Ele dormiu em prostíbulos, com o pai, e tinha marcas de queimaduras de cigarro no corpo", conta a mãe. (JNB)

Serviço: A Defensoria Pública no Paraná fica na Alameda Cabral, 184, em Curitiba. O atendimento é feito de segunda a sexta-feira, das 8 às 12 horas e das 13 às 18 horas. Mais informações no telefone (41) 3219-7300.

O Paraná é um dos três estados brasileiros onde a Defensoria Pública está atrelada ao jogo político do governo estadual. Sem obter a autonomia recentemente colocada na Constituição Federal, com a reforma do judiciário, não pode realizar concursos públicos, nem contratar defensores públicos suficientes para assistir aos mais pobres em demandas judiciais e extrajudiciais.

No entanto, a Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional n.º 45) fortaleceu as defensorias, tornando-as independentes a partir de 31 de dezembro de 2004, nos mesmos moldes do Ministério Público. O objetivo é evitar que elas se submetam a ingerências ou pressões externas. Aqui também deveria ser assim, mas não é.

A independência daria à Defensoria asas e orçamento próprios, algo incompatível para a realidade vivida no estado, onde está ligada por cordão umbilical à Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Seju).

Entre os entraves está o quadro de advogados públicos: o total é de 48 defensores públicos e 6 advogados voluntários, a maioria atuando na capital e em algumas poucas cidades no estado, como Londrina, Quatro Barras, Dois Vizinhos e Carambeí. Essse grupo precisa se desdobrar em dez para dar conta do volume de tarefas. Já a boa ação de advogados dativos - nomeados por juízes – e ações de projetos sociais e de faculdades cobrem o restante do Paraná.

Na prática, a população do estado - 10.155.274 de habitantes - é assistida pelos advogados públicos, voluntários, ações sociais e muita benevolência. Enquanto isso, o pobre não consegue postular na Justiça direitos de vanguarda, como por exemplo os que estão no Código de Defesa do Consumidor.

Violação de direitos humanos

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo, a situação viola direitos humanos, como a defesa de carentes, consumidores, mulheres, crianças e deficientes físicos, entre outros necessitados. E bate de frente com o discurso do governador Roberto Requião, que sempre cita a Carta de Puebla e a sua opção preferencial pelos pobres.

A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Paraná (OAB/PR), não se cansa de cobrar a autonomia da Defensoria Pública Estadual, sem sucesso. Diante disso, foi montada uma comissão junto com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para discutir o tema. "O objetivo é cobrar a autonomia da defensoria paranaense", diz o advogado Alberto de Paula Machado, presidente da OAB/PR.

Segundo o juiz paranaense Roberto Portugal Bacellar, que representa a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) na comissão, o grupo estuda medidas contra a inércia das autoridades estaduais. "O juiz não pode julgar se não tiver advogado, e os pobres não têm advogado. Aí, você vai procurar a defensoria pública, e se ela não puder atendê-lo como fica o pobre: totalmente desassistido? O estado tem o dever de fazer isto, não é nenhum favor. E uma imposição constitucional", afirma.

Bacellar lembra que nas comarcas do interior o que se vê é o voluntarismo de advogados, que atendem de graça, suprindo uma deficiência do estado. Ele destaca que o problema é grave, e só não é maior pela boa ação feita por advogados no interior e na região metropolitana de Curitiba. "Se a gente quer acesso à ordem jurídica justa tem de dar bons advogados a todos. O pobre não pode ter pior advogado que o rico", ressalta Bacellar.

O jurista Sérgio Salomão Shecaira, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, destaca que é perigoso ter advogados públicos subordinados ao governo. "Atuei na Fundação de Amparo ao Preso (Funap), no estado de São Paulo, há cerca de 20 anos. Num determinado momento, veio uma ordem superior para não impetrar habeas-corpus num determinado juízo. Eu não a cumpri e, como não era concursado, tive de deixar a fundação. Isso mostra bem como é importante ter uma autonomia absoluta", conta.

Shecaira entende que não basta ter autonomia sem que haja o número suficiente de defensores públicos. São Paulo, estado mais populoso, tem apenas 400 defensores, ou seja, quase dez vezes mais que o Paraná, porém, um número insuficiente pelo seu papel social. A atuação da defensoria em diversas áreas deixa apenas 27 defensores para os 144 presídios existente no estado, ou seja, temos presídios com mais de um mil presos sem nenhum defensor. "O ideal seria ter um defensor para cada grupo de 400 presos", diz Shecaira.

A Defensoria Pública de São Paulo é uma das mais novas do país. Ela foi criada após a reforma do Judiciário. Na contramão estão o Paraná, onde a Defensoria existe há 16 anos; Santa Catarina, que não tem Defensoria; e Goiás, que aprovou a lei, e não a criou.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (RJ) é apontada como modelo no país. Cinqüentenária, ela é a mais antiga do Brasil e tem um quadro invejável. São 727 defensores públicos de carreira, atuando em todo o estado fluminense. De acordo com o segundo defensor-público-geral do Rio de Janeiro, Nilsomaro de Souza Rodrigues, o Rio tem um quadro elevado, comparado a outros estados, mas que os 727 profissionais são insuficientes. "Precisamos de pelo menos mais 50 defensores públicos", afirma.

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