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Sobrevivência à base de doação

Nem bem o caminhão com donativos parou em uma rua de Branquinha, a 65 quilômetros de Maceió (AL), e já começa o tumulto. Moradores de um dos municípios mais atingidos pela enxurrada do Nordeste se espremem para conseguir o alimento. No empurra-empurra estão vítimas que perderam tudo e pessoas que continuam com as casas de pé. Com a cidade arrasada, não há outra forma de conseguir alimento. A doação é a única maneira para sobreviver.

A cena se repete em vários pontos da cidade, várias vezes ao dia. Mulheres passam levando cestas básicas na cabeça, crianças com marmitas, homens pegam baldes do caminhão-pipa em meio a ruínas. A enxurrada destruiu o centro da cidade: a prefeitura, a Câmara Municipal, o correio, a rodoviária, a estação de trem, supermercados, açougue, padaria, igreja, casas que margeavam o rio. Nenhum prédio público ficou de pé e boa parte do centro tem cheiro de podridão.

A necessidade do povo fica clara no tamanho da fila para receber cesta básica distribuída pelo Exército em uma igreja. Por volta das 16h30 do último sábado, a entrega estava prestes a terminar. Na fila estavam 253 moradores. A distribuição só voltará a ocorrer na segunda-feira e somente moradores cadastrados receberão cesta básica. "Tenho medo que acabe o que tem em casa e não temos dinheiro", reclama a dona de casa Rosângela dos Santos, que saiu da fila sem nada.

O responsável pela guarnição do Exército em Branquinha, tenente Álvaro Queiroz Ferro Júnior, diz que não faltam donativos. "O estoque é imenso", diz. Ele conta que a fila era formada por pessoas que já receberam comida e que querem ganhar de novo.

Pernambuco registra mais uma morte

A chuva intensa que caiu ontem em Alagoas e Pernam­buco deixou moradores apreensivos. Eles temiam que fosse ocorrer uma nova enxurrada, como a registrada em 18 de junho, que causou a morte de 52 pessoas nos dois estados. Ontem, mais um corpo foi encontrado em Maraial (PE).

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Diário

Os repórteres Jonathan Campos e Bruna Maestri Walter, enviados pela Gazeta do Povo a Alagoas, relatam episódios que vivenciaram nas cidades arrasadas pela chuva. Imagens e textos estão no blog Vida e Cidadania, lançado no último sábado. Acompanhe parte do diário:

"Cidades atingidas pela enchente ficaram sem energia elétrica por alguns dias. Branquinha foi uma delas. A carne foi cortada do con­­sumo porque não tinha onde guar­dá-la. A alimentação passou a ser feita com produtos não perecíveis vindos de doação. Um açougueiro levou peças de pernil e miúdos. Montou uma mesa com sarrafos, colocou uma toalha e levou uma balança antiga. O corte era feito na rua mesmo. Sem luva, sem nada. O homem trabalha no açougue destruído pela enchente e estava esperançoso que, até o final do dia, ia vender todas as peças. O quilo do pernil estava a R$ 8."

"Fomos pela primeira vez até as cidades atingidas pela chuva. Passamos por Rio Largo e Bran­quinha. O cenário de destruição assusta. As casas que ficavam próximas ao rio foram destruídas. Para quem não conhecia a cidade antes, fica difícil imaginar como ela era. Os moradores tentam detalhar o que existia em cada lugar. Onde hoje se vê só ruínas era a Câmara Municipal, explicam. É difícil imaginar. A correnteza da água veio com bastante força e em grande volume e encobriu as casas."

Os sintomas da tragédia provocada pelo temporal no Nordeste começam a aparecer. Segundo a superintendente de vigilância em saúde da Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas, Sandra Canuto, houve aumento de casos de diarreia, principalmente entre as crianças. Outra preocupação é com a escalada dos casos de dengue, já que o estado vinha registrando surto da doença.

As escolas e prédios públicos cedidos para abrigar famílias que perderam as casas em Alagoas se transformaram em favelas de teto único. Nelas, centenas de pessoas convivem em um mesmo espaço com higiene precária, falta de segurança e sob risco de epidemias.

Na maioria dos abrigos, a situação é crítica. Em algumas salas de aula, mais de dez famílias dividem o espaço. Colchões são colocados lado a lado no chão. O calor é grande, e o cheiro, nauseante.

Está previsto para ser instalado hoje o segundo hospital de campanha em Alagoas, no município de Branquinha, onde nenhum prédio público do centro da cidade ficou de pé. No primeiro hospital de campanha instalado em Santana do Mundaú foram feitos 345 atendimentos em três dias. A estrutura consegue atender até 500 pessoas diariamente. "Esta­mos dentro da capacidade de atendimento", diz o coordenador do hospital, Edson Gonçalves, major médico do Corpo de Bom­beiros do Rio de Janeiro.

Os casos que chegam até o hospital de campanha são variados. Segundo Gonçalves, até agora, os atendimentos mais graves foram a oito pacientes que precisaram ser transferidos – casos de infecção pulmonar, gastrointerite, lesões ortopédicas traumáticas e suspeita de leptospirose.

A leptospirose está entre as principais preocupações do setor de saúde. Os sintomas da doença levam em média 14 dias para aparecerem e, por enquanto, há somente casos suspeitos. A tragédia no Nordeste aconteceu em 18 de junho e os casos podem surgir nos próximos dias.

A superintendência da Secre­ta­ria da Saúde de Alagoas diz que não há falta de medicamentos. As dificuldades são com a quantidade de lixo nas cidades atingidas e a falta de água nos primeiros dias após a tragédia. Muitos desabrigados levaram seus animais para os alojamentos e falta limpeza em alguns abrigos, principalmente nos banheiros. Para diminuir parte do problema, a Secretaria de Saúde instalará em breve banheiros químicos para que as vítimas usem.

Dengue

Devido o acúmulo de água e lixo, a incidência de dengue pode au­­men­­tar em Alagoas. A superintendente explica que, antes da tragédia, a média era de 300 casos por 100 mil habitantes e 40 municípios estavam em situação de epidemia. Na relação estão cidades atingidas pelo temporal, como Rio Largo, na região metropolitana de Maceió.

Segundo a coordenadora de gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Rio Largo, Janine Westphalen Ardenghi, neste ano foram confirmados 1,5 mil casos da doença na cidade e quatro mortes. "A tendência vai ser piorar", diz. Agentes de saúde do município e de outros estados estão fazendo visitas às casas e abrigos para orientar a população com relação a essa e outras doenças.

Sem água

Para piorar a situação, alguns ca­­mi­­nhões-pipa estavam levando água sem cloro, conta Sandra. Sem o tratamento, o consumidor fica sujeito a doenças e a bactérias que provocam infecção intestinal. Seis municípios de Alagoas continuam sem água (Branqui­nha, Murici, Capela, Rio Largo, Palmeira dos Índios e Santana do Mundaú) e o abastecimento é feito por caminhões.

Com os R$ 25 milhões recebidos pelo governo federal, a primeira medida da Defesa Civil Estadual foi comprar 5 mil caixas de água, entregues no sábado nas seis cidades. Uma nova distribuição de água será feita amanhã aos outros municípios afetados.

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