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A contar pelos números do Telegramática – serviço oferecido pela prefeitura de Curitiba há 21 anos – o interesse pela língua portuguesa cresce a cada estação. Ano passado, o programa atendeu 16,23% telefonemas a mais do que em 2004, respondendo a 51.576 consultas, feitas por mais de 25 mil pessoas. Só em janeiro de 2006, foram 3 mil atendimentos. Uma proeza, em se tratando de um trabalho tão específico. E não é tudo.

O arquivo do "disque", formado por palavras não encontradas nem nos dicionários Aurélio e Houaiss, por exemplo, chega a 10 mil itens e se consolida como um dos mais sólidos levantamentos sobre as mudanças do idioma nos últimos anos. Ali, é possível encontrar expressões cunhadas pelos jornais ou nas ruas, e que aos poucos ganham seu lugar no vocabulário. Curiosamente, até hoje, apenas uma monografia de especialização universitária, de autoria de Maria de Fátima Tecchio, utilizou o banco de dados do "tele".

Até onde se tem notícia, o Telegramática de Curitiba tem poucos concorrentes. Há 25 anos, um serviço semelhante, o Plantão Gramatical, funciona em Fortaleza, no Ceará, com atendentes também para o espanhol e o inglês, e outro em Londrina, Norte do estado, vinculado à Universidade Estadual de Londrina (UEL) e em atividade desde 1994. Em Londrina foram 3 mil consultas no ano de 2005. Em Fortaleza, 23 mil. Os próprios professores envolvidos não sabem dizer se outras iniciativas vingaram. De qualquer modo, é pouco para 170 milhões de brasileiros potencialmente com alguma dúvida sobre concordância verbal ou nominal, principalmente depois que o professor de português Pasquale Cipro Neto virou pop star e meio mundo parece interessadíssimo em aprender, sem ter vergonha de perguntar.

Não causa espanto que poucos governos tenham se dignado a investir no setor. Historicamente, no Brasil, o aprendizado do idioma é considerado uma obrigação da escola, isentando os demais setores da sociedade. É um erro. Outro problema é que, apesar das inúmeras faculdades de Letras espalhadas pelo país – cerca de 807 licenciaturas, 111 bacharelados, contabilizando 180 mil alunos, segundo o Ministério de Educação –, não é todo dia que se encontra alguém disposto a deixar a sala de aula, na qual há um programa a seguir, para enfrentar uma maratona telefônica em que as perguntas podem cair como chuva de granizo. "Queria que me perguntassem se casa era com ‘s’ ou com ‘z’, mas não foi o que aconteceu", diverte-se a professora Valentina Nedbajluk, com três semanas de ofício, uma das seis consultoras. A qualidade das consultas não é banal.

As três professoras de língua portuguesa do Telegramática de Curitiba entrevistadas pela reportagem deram o mesmo testemunho – temeram, no início do trabalho, não dar conta do recado. Principalmente porque o perfil do usuário do serviço – alguém diante de uma dúvida ao escrever uma carta ou um trabalho escolar – é muito particular. Dificilmente vai estar interessado em reflexões mais profundas sobre a língua. Por telefone, quer uma resposta. É o caso do perito, freguês de carteirinha, e de pencas de advogados atolados de petições e pareceres. Uma consulta dura em média 5 minutos e raramente chega a 20 minutos. Esse imediatismo, para muitos estudiosos, tende a reforçar a idéia de que o idioma é um acumulado de regras intransponíveis até por que, por ofício, se dedica a seu estudo.

Interesse

Mas o dia-a-dia ajuda a pôr ar armas no chão, conforme atestam Beatriz de Castro da Cruz, atual coordenadora do programa, com sete anos de casa; Ladanir Millach, veterana com 16 anos de "tele"; e Valentina. A passagem pelo Telegramática mostra que há mais interesse e desejo de falar bem a língua portuguesa do que uma escola convencional pode revelar. O Telegramática funciona como um termômetro dessa vontade, pois por ali transitam da idosa ocupada em decifrar o que diz a bula de remédio, ao colunista social de jornal e a mulher que escreve cartas para o presidente, governadores, prefeitos e empresários como Antônio Ermírio – para citar alguns dos usuários que já fazem parte do expediente.

No balanco do Telegramática do ano passado, por exemplo, das 51 mil consultas, 32 mil vieram de pessoas que escreviam em casa e tiveram uma dúvida – fosse uma carta para um parente ou uma dissertação de mestrado. As outras categorias são numericamente muito menores do que a do "cidadão comum" atormentado por uma dúvida gramatical.

Em 2005, foram 3 mil consultas de alunos, 1, 8 mil de professores e 5,4 mil de alguém que tinha de fazer um texto no trabalho ou um aviso público e queria conferir se não maltratara a última flor do Lácio. É o caso da promoter curitibana Verinha Walflor, que aplaude o serviço, ou mesmo do pessoal da produção do Vídeo Show, da Rede Globo. Brasileiros no exterior também dão o ar da graça.

A propósito, o telefone toca muito para perguntar se aqueles avisos do banheiro ou próximos à fotocopiadora estão corretos. Sem falar no dilema das secretárias que querem saber como corrigir o chefe que deu uma tropeçada. Não é praxe, mas consultora do Telegramática, muitas vezes, aconselha.

O contato com essa parcela da cidade que não passa pela lista de chamada acaba ganhando os professores do programa, que não se intimidam em dizer que mudariam sua prática pedagógica num retorno à escola. "Tive de aprender a lidar com esse público, vencer os preconceitos contra essa fórmula e assumir a língua como um fator de inclusão", conta Beatriz. "Ninguém vai dizer ‘passe-me o sal' num restaurante", exemplifica. Para a coordenadora, a palavra de ordem é não ficar preso à linguagem padrão, mas às variantes do idioma, atento às situações em que a fala se dá – numa praia, na internet, numa igreja. "Quem liga para o Telegramática é admirável, venceu uma barreira. Não tem como não ser uma conversa boa."

Serviço: Telegramática (41) 3218-2425; Gramática Virtual www.curitiba.pr.gov.br; Disque Gramática da UEL (43) 3371-4619. Plantão Gramatical, de Fortaleza (85) 3225-1979.

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