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“Eu não sou nenhum herói. O que eu fiz não é um ato de heroísmo, mas assumir a responsabilidade empenhada por Deus. Ele, o Vitor, é o herói. Os médicos dizem que o amor dele faz com que ele esteja vivo”, Adolfo Celso Guidi, mecânico que largou o emprego e desenvolveu um tratamento para o filho Vitor, 21 anos, portador de uma doença degenerativa e hereditária, a Gangliosidose GM1 tipo 2 | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
“Eu não sou nenhum herói. O que eu fiz não é um ato de heroísmo, mas assumir a responsabilidade empenhada por Deus. Ele, o Vitor, é o herói. Os médicos dizem que o amor dele faz com que ele esteja vivo”, Adolfo Celso Guidi, mecânico que largou o emprego e desenvolveu um tratamento para o filho Vitor, 21 anos, portador de uma doença degenerativa e hereditária, a Gangliosidose GM1 tipo 2| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Doença é mais comum no Sul do país

A gangliosidose é um erro inato do metabolismo, que afeta ho-mens e mulheres e se manifesta de formas variadas. Os portadores não degradam uma enzima – no caso de Vitor, a beta-galactosidase – e há acúmulo da substância no cérebro e nos músculos. Os sintomas vão de alterações no sistema nervoso central a problemas no esqueleto, nos olhos, no fígado e no baço. Em geral, a pneumonia é a principal causa de morte, pois a aglomeração da enzima impede a movimentação dos músculos, causando a falência dos pulmões.

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Busca por tratamento foi tema de filme

Sofrimento semelhante ao vivido pelo engenheiro Adolfo Celso Guidi foi mostrado nos cinemas em 1992. Dirigido por George Miller, O Óleo de Lorenzo se baseia na história de Lorenzo Odone e a busca incessante de seus pais, Augusto (Nick Nolte) e Michaela (Susan Sarandon), por um tratamento ­­para a Adrenoleucodistrofia (doen­­­­­ça hereditária que destrói a bainha de mielina, revestimento do neurô­­­­nio responsável pela transmissão de impulsos nervosos).

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O amor de um pai por seu filho convenceu a juíza federal Anne Karina Costa, da Vara do Sistema Financeiro de Habitação de Curitiba, a tomar uma decisão inédita no ano passado. O mecânico Adolfo Celso Guidi, 52 anos, abandonou o emprego, deixou de pagar o financiamento de sua casa, no Bairro Alto, e gastou as economias para encontrar uma forma de tratar o filho Vitor, hoje com 21 anos, portador de Gan-gliosidose GM1 tipo 2, doença degenerativa e hereditária. Em uma audiência de conciliação com a Caixa Econômica Federal, ele apresentou o filho e narrou sua odisseia. Funcionou: a juíza reverteu verba do fundo pecuniário – recolhida de decisões judiciais – para quitar a residência.

Esses recursos são normalmente destinados às entidades públicas ou privadas com função social, conforme o Código Penal. A argumentação do mecânico, porém, comoveu a juíza federal. "Não tenho conhecimento de outra decisão como essa", diz a magistrada. Os motivos para a iniciativa foram "a excepcionalidade do caso do senhor Adolfo, que apresentou como justificativa para o não pagamento das prestações a história de luta pela vida do filho, portador de doença rara, e uma dedicação incomum", avalia Anne Karina.

Formado em Engenharia Mecânica, Adolfo atua como mecânico no quintal de casa. Portanto, sua casa é também fonte de renda. Fator levado em conta pela juíza, após consulta ao Ministério Público e à Vara Criminal. A questão é vista com pragmatismo pelo pai: "Sempre me perguntam o que mudou em minha vida com a decisão. Na prática, nada. Mas, se eu tivesse sido despejado, teria mudado tudo", relata.

Luta

Adolfo não é o primeiro a lutar pela sobrevivência do filho. O diplomata norte-americano Augusto Odone criou o Óleo de Lorenzo, enzima que impede o avanço da Adrenoleucodistrofia, doença que acometia o filho (leia nesta página). Assim como Odone, Adolfo não aceitou ver o filho morrer sem tentar reverter a situação – os médicos deram prognóstico de seis meses para Vitor. O engenheiro fez da biblioteca do Setor de Medicina da UFPR sua segunda casa. "Só tive de entender a lógica do sistema e encontrar uma forma de fazê-lo voltar a funcionar", diz.

E a tarefa era "simples". Vitor não produz uma enzima, a beta-galactosidase. Portanto, bastava entender a enfermidade, seu funcionamento e uma forma de fazer o corpo do filho receber a substância que não produz. Com um ano e meio de estudos, o pai descobriu a enzima que poderia ser usada e onde encontrá-la. Hoje, ela é manipulada em laboratório e não sai por mais de R$ 18 ao mês. A dieta é mais cara, pois se baseia em produtos naturais, pós de reforço nutricional, vitaminas, cálcio e fibras. O rapaz deve evitar leite e derivados. "Ele gosta de um bolo e, quando quer comer, reforçamos a enzima para não ter problemas", explica o pai. Em tratamentos de doenças, como a bronquite, Adolfo ministra alimentos naturais e evita o uso de medicamentos mais agressivos, como antibióticos, para não afetar o sistema imunológico do filho.

Assim como o Óleo de Lorenzo, tanto a enzima quanto a dieta não têm eficácia comprovada pela medicina formal. Vitor tem hoje 21 anos, enquanto a maioria dos portadores da doença não passa dos 12 anos. Adolfo também é chamado de "doutor" e procurado por parentes de outras pessoas portadoras da enfermidade.

Dúvida

Hoje, um grande ponto de interrogação ronda a consciência de Adolfo. Até quando vai permanecer ao lado do filho? Vitor leva uma rotina tranquila. Fica em casa pelas manhãs, frequenta a Escola Especial 29 de Março à tarde e à noite curte a companhia da família. "Eu não sou nenhum herói. O que eu fiz não é um ato de heroísmo, mas assumir a responsabilidade empenhada por Deus", diz Adolfo. "Ele, o Vitor, é o herói. Sempre teve consciência de tudo e continua lutando. Os médicos dizem que o amor dele faz com que ele esteja vivo."

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