Com o avanço de iniciativas em diferentes países para tornar obrigatória a remuneração por parte das gigantes da tecnologia, como Google e Facebook, a veículos de comunicação pelo uso de conteúdos jornalísticos em suas plataformas, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) espera que a discussão sobre o tema avance também no Brasil. Desde julho de 2019, há um inquérito administrativo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de autoria do próprio órgão, para requerer que o Google compartilhe a receita arrecadada com os produtores de conteúdo jornalístico.
O tema tem sido objeto de discussão em vários países, seja nos parlamentos ou nos órgãos de defesa da concorrência. A Austrália, por exemplo, aprovou, em 24 de fevereiro, uma lei que obriga as big techs a pagarem aos veículos de imprensa pelo uso das notícias em suas plataformas. “O código garantirá que as empresas de mídia sejam remuneradas de forma justa pelo conteúdo que geram, ajudando a sustentar o jornalismo de interesse público na Austrália”, cita um comunicado conjunto entre o ministro das finanças, Josh Frydenberg, e o ministro das comunicações, Paul Fletcher, após a aprovação da lei.
As autoridades de defesa da concorrência na França também vêm pressionando as gigantes da tecnologia a compartilharem receitas com os produtores de conteúdo. Já o Canadá, de acordo com a agência Reuters, está discutindo uma legislação específica para a questão.
“Aqui no Brasil estamos reforçando a necessidade dessa discussão a partir dos avanços internacionais que vêm ocorrendo. Com o andamento dessas legislações, podemos também avançar no sentido de uma arbitragem, uma negociação simétrica entre o Google e os veículos de comunicação”, diz Marcelo Rech, presidente da ANJ. “Hoje o que há é uma negociação assimétrica dos veículos com um poder dominante; ou você aceita as condições, ou está fora”.
Rech diz que também está em andamento a discussão de uma lei nos moldes da Austrália, que estabeleça princípios e negociação simétrica entre a plataforma e os veículos.
Falta de regulação pode inviabilizar veículos de imprensa, diz advogado
A queixa por parte de inúmeros veículos de comunicação é que o Google utiliza notícias produzidas por esses veículos e os exibe dentro de sua plataforma, fazendo com que os usuários não acessem as páginas dos produtores do conteúdo e, assim, não haja remuneração – seja por meio de assinatura dos jornais ou de publicidade pela exibição das páginas.
“O jornalista faz o trabalho de investigação, edição, monta o conteúdo e publica no jornal. O que o Google faz: escaneia tudo e já entrega uma parte dessa notícia na própria plataforma. Então os usuários muitas vezes nem clicam na notícia, não visitam o site do jornal e, com isso, o veículo não consegue monetizar”, explica Márcio Bueno, advogado que representa a ANJ na ação protocolada no Cade.
“A equação é simples: existe a verba publicitário, e a cada dia que passa essa verba fica mais concentrada nas mãos do Google e menos com os veículos de notícias. O que estamos vendo a partir disso é um empobrecimento e até mesmo a extinção de parte importante do jornalismo. É uma situação que necessita intervenção, e é isso que temos levado ao Cade”.
Bueno explica que a ANJ forneceu ao Conselho uma série de elementos e provas que demonstram a gravidade do problema dentro do contexto brasileiro, mas o processo ainda não teve andamento significativo. “Atualmente o Cade está fazendo uma análise para decidir se há elementos para a investigação. Está nessa análise há mais de um ano, enquanto isso outros países já estão em um estágio bem mais avançado”, explica o advogado.
Em nota à Gazeta do Povo, o Cade informou: “Atualmente a investigação está em sede de inquérito. Caso haja indícios mínimos de infração concorrencial, é instaurado um processo administrativo para investigar a conduta. Concluída a instrução processual, a Superintendência-Geral emite um parecer opinando pelo arquivamento dos autos ou pela condenação do investigado, e remete o processo ao Tribunal do Cade para julgamento”.
Posicionamento do Google
Por meio de nota, o Google informou que tem cooperado com o inquérito do Cade desde 2019. A big tech disse ainda que tem firmado parcerias com empresas jornalísticas por meio de ferramentas, treinamentos e de novos produtos. Confira a nota do Google na íntegra:
“Temos cooperado com o CADE para esclarecer dúvidas sobre o inquérito desde 2019. O Google apoia o futuro do jornalismo gerando tráfego, desenvolvendo ferramentas que ajudam a criar novos modelos de negócios e realizando treinamentos, bem como por meio de fundos e parcerias sólidas com toda a indústria de notícias. Cada empresa jornalística pode decidir se e como seu conteúdo deve aparecer na Busca e no Google Notícias. A cada mês, pessoas no mundo inteiro encontram e acessam sites de jornalismo mais de 24 bilhões de vezes por meio da Busca, gerando valor e ajudando os editores a aumentarem seu número de leitores e a obter receita por meio de anúncios, assinaturas ou contribuições.
Também anunciamos o nosso investimento de US$ 1 bilhão em pagamentos diretos a veículos de notícias por meio do Google News Showcase (“Destaques”), um novo produto lançado no ano passado em vários países, incluindo o Brasil. Desde outubro, mais de 35 jornais, revistas e emissoras brasileiras concordaram em licenciar seu conteúdo jornalístico de qualidade e compartilhá-lo por meio dessa nova experiência. Em relação à Austrália, a remuneração dos veículos de notícia por meio do Destaques foi o caminho construtivo que encontramos para apoiar o jornalismo, sem a necessidade de pagamento por links”.
* Em nota enviada pela ANJ à Gazeta do Povo, com o título “ANJ move ação contra o Google no Cade”, a associação menciona que foi a autora da ação no Cade. No entanto, após contato feito pela reportagem com o Cade, a assessoria de imprensa do Conselho esclareceu que foi o próprio órgão quem instaurou a ação. Em novo contato com a ANJ, a entidade reconheceu que havia dado a informação errada ao jornal. A Gazeta do Povo atualizou a matéria na tarde de quinta-feira (4).
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