Maria de Lourdes (centro) nasceu no Apon e lamenta a situação de abandono do local| Foto: Josué Teixeira / Gazeta do Povo

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Quem saiu quer voltar e quem está lá nem pensa em mudança

Dona Maria de Jesus Marcondes dos Santos, 85 anos, que hoje mora numa vila da cidade de Castro, saiu da terra de seus antepassados depois que produtores forasteiros começaram a chegar até muito perto do antigo quilombo. "Tinha imbuia, pinheiro, cerejeira, guabirobeira, pitangueira. Hoje já não tem mais nada. Eu saí quando meu marido achou um emprego aqui na cidade, mas nós não vendemos nenhum palmo de chão. Não tínhamos recurso lá. Como ia durar o mantimento se alguns vizinhos soltavam o gado em cima da nossa plantação? Já criei meus filhos aqui na cidade, mas tenho um que gosta muito de lidar com lavoura. Se a saúde ajudar, quero voltar para lá", diz.

O casal Maria de Lourdes e Aníbal, apesar de todas as dificuldades que enfrenta, nem sonha em deixar o pedacinho de terra no Apon, de onde vem todo o sustento da família. "Não penso em sair. Eu já morei em outra localidade rural, onde conheci o meu marido, mas voltei e quero ficar aqui", afirma a descendente de pioneiros da Serra do Apon. No entanto, o título de propriedade ainda deve demorar alguns anos para sair. Assim que o relatório técnico estiver pronto e for publicado em Diário Oficial, os proprietários confrontantes terão 90 dias para apresentar contestação que pode ou não ser aceita pelo Incra.

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Maria de Jesus deixou a comunidade há 40 anos e não esconde a vontade de voltar para o quilombo
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"Aquela terra é um quilombo". A frase sai com força da boca de Maria de Jesus Marcondes dos Santos, que completa 86 anos no próximo dia 13 de maio – 125.º aniversário da assinatura da Lei Áurea. Moradora da cidade de Castro (Campos Gerais), ela lembra com saudade dos tempos em que vivia entre as árvores frondosas da Comunidade Remanescente Quilombola (CRQ) Serra do Apon, distante cerca de 70 quilômetros de Castro.

Depois que pessoas de fora do antigo quilombo começaram a ocupar parte do território sem pedir licença, ela teve que deixar a terra que pertenceu aos seus avós devido à situação de miséria em que vivia. Há cerca de 40 anos morando numa casinha simples da Vila Rio Branco, é com "vontade de voltar" que ela recebe a notícia de que deve se realizar, na primeira quinzena de abril deste ano: uma reunião para discutir a devolução das terras do Apon (ou Apã) para a comunidade fundada por volta de 1865.

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A audiência pública, ainda sem local definido, tem por objetivo mostrar o andamento do processo de reconhecimento do local como antigo quilombo. "Já temos a certificação da Fundação Cultural Palmares [órgão vinculado ao Ministério da Cultura] e também já está aprovado o relatório antropológico, que atesta a origem quilombola da Serra do Apon", explica Roni Cardoso, representante – em Castro – da Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná.

Só que esse relatório é apenas o primeiro documento de uma série de outros – como o laudo agroeconômico, laudo topográfico – que compõem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), explica Cardoso. "Todo o processo de reconhecimento ainda vai levar mais de três anos, pelo menos, e pode ser contestado pelos moradores confrontantes do quilombo. Queremos deixar tudo claro na audiência", salienta.

Uma vez concluído o processo, os moradores do Apon poderão ter um título coletivo de propriedade, pertencente à associação que será formada pelos moradores. Para muitos dos descendentes de africanos escravizados em fazendas do entorno, será o primeiro documento que comprova vínculo com o pedaço de terra que ocupam há tanto tempo. A falta do documento de propriedade tem causado uma situação de pobreza preponderante entre as mais de 50 famílias da localidade. "Como o local é de difícil acesso, com estradas em condições muito ruins, a situação de isolamento continua até hoje. Ao longo dos anos, sem poder comprovar a propriedade das terras, os quilombolas viram seus pedacinhos de chão serem espremidos pelas grandes fazendas", afirma o perito agrário do Incra, Cláudio Luiz Guimarães, que está trabalhando no processo de reconhecimento da Serra do Apon.

Produtores não conseguem financiamento

Uma grande dificuldade enfrentada pelos quilombolas, segundo o perito agrário do Incra Cláudio Luiz Guimarães, é a dificuldade de acesso a mecanismos de apoio a pequenos produtores, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Para conseguir esse tipo de financiamento, o agricultor precisa comprovar algum vínculo com a terra (posse ou arrendamento, por exemplo). No entanto, segundo Roni Cardoso, representante da Federação das Comunidades Quilombolas do Paraná, em Castro, uma pequena minoria dos produtores conseguiu algum benefício do Pronaf. "A maioria produz apenas para sua subsistência", ressalta.

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É o caso de Aníbal Machado de Araújo. Aos 90 anos, ele planta "um pouquinho de milho, feijão e mandioca" no seu pedaço de chão de menos de um hectare. Aníbal não tem ancestrais ligados à história do Apon, mas é casado com a descendente de quilombolas Maria de Lourdes Rodrigues da Silva, de 45 anos. Ela nasceu na comunidade e lamenta a situação de abandono do local. "Estamos longe de tudo e nunca tivemos apoio financeiro de governo. Nossa única renda é a aposentadoria de um salário mínimo do Aníbal. Mesmo assim, a gente consegue não passar fome", assinala. A família já está acostumada a produzir apenas para o próprio sustento.

"E essa é a realidade das outras famílias também. Eles não têm muita terra e precisam aproveitar bem o pouco que possuem", afirma Arnaldo Panzarini, técnico responsável pelos atendimentos a comunidades quilombolas da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-PR) de Ponta Grossa.

"Nosso trabalho consiste em visitas semanais às comunidades quilombolas da região dos Campos Gerais – inclusive o Apon – e em conseguir mudas de plantas com as quais eles já estão acostumados, como milho, feijão, mandioca e algumas árvores frutíferas, além de ensinar formas de manejo que garantam uma produtividade melhor", completa.

A entidade já estuda montar equipes completas voltadas exclusivamente para o trabalho em comunidades tradicionais, como quilombos, faxinais, vilas de pescadores, entre outras. Segundo o técnico de desenvolvimento social da Emater-PR em Curitiba, Sérgio Schlichta, a empresa deverá começar no mês de julho deste ano um processo de contratação de pessoal para essas novas equipes, que contarão, inclusive, com profissionais da área de antropologia.