Os dias da agricultora chilena Francisca Rodrigues, "uma senhora com mais de 50 anos", seguem tranqüilos na localidade de Lampa, um dos poucos redutos tipicamente rurais dos arredores de Santiago. Além de cuidar das sementes de seu minifúndio categoria em que se enquadram 500 mil dos dois milhões de habitantes do Chile que moram no campo ela cultiva flores. "Gosto de esperar 90 dias para isso, 120 para aquilo. Ver crescer, colher, acontecer. É muito parecido com ter filhos", compara.
Mas há momentos, e não têm sido poucos, em que Francisca chama seu marido, Carlos Opazo, para que peguem a estrada, sem data para voltar. Da bagagem não podem faltar camisetas com o emblema da Anamure (Associação Nacional das Mulheres do Campo e Indígenas), movimento com oito anos de atividade e que agrega 10 mil chilenas; e o lenço verde da Via Campesina, organização internacional da qual Francisca foi uma das fundadoras, em 1992.
"No pasarán, no pasarán", gritava ela, quinta-feira, ao término de um evento alternativo da COP8 do qual participaram o teólogo brasileiro Leonardo Boff e a pesquisadora canadense Louise Vandelac. A chilena bradava em nome da Via Campesina contra as sementes terminator, produto biotecnológico estéril que se tornou o inimigo público número um dos movimentos sociais rurais. Mulher de fala pausada e com sorriso de plantão, transforma-se numa guerrilheira quando lhe dão o microfone. Mesmo sem uso da palavra, como no dia em que as mulheres da Via Campesina fizeram um protesto pacífico na sala da conferência da ONU um feito inédito a figura de Francisca salta para o primeiro plano.
Seu batismo de militância remonta a 1979, quando, num encontro de camponesas, deram a palavra a Francisca. "Fiquei aterrorizada. Lembro de ter me segurado numa mesa para não cair." Passou o medo? Jamais. Ela já teve a tentação de calcular o preço que cada frase lhe custou. O marido, Carlos, ficou desaparecido duas vezes, entregue a um cárcere subterrâneo. Vieram as ameaças. Mas como diz o casal, sempre tem aquele dia que dizem "vamos". "Quando todas as portas se fecham saímos por aí para defender a vida. Vamos recuperar o cultivo. Salvar a semente. É espiritual", diz a mulher das flores e dos gritos de guerra.
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