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 | Antônio More/ Gazeta do Povo
| Foto: Antônio More/ Gazeta do Povo

Recém-empossado no cargo de secretário municipal de Trânsito, há duas semanas, o advogado Mar­­celo Araújo tem sido obrigado a deixar de lado competições e passeios de bicicleta para, segundo ele, viver em função da nova pasta. "Você tem de descer do carro e ir para a rua, onde estão os problemas, para conseguir ver o que está acontecendo. Deixo para despachar entre meia-noite e 3 da ma­­nhã. É a hora em que respondo e-mail, lendo o que tenho de ler."

Não é à toa. Caso o crescimento da frota de carros se mantenha, a capital deve chegar já em 2015 à marca de 1 milhão de automóveis nas ruas. Criada para resolver o imbróglio jurídico resultante da decisão do Tribunal de Justiça paranaense que contestou o poder de aplicar multas da Diretoria de Trânsito de Curitiba (Diretran), ligada à Urbs, a Secretaria Mu­­nicipal de Trânsito (Setran) surge com a responsabilidade de equacionar o crescente uso dos carros com a garantia do espaço para a bicicleta e o incentivo ao transporte coletivo. As expectativas para o seu trabalho são altas, admite Araújo – e acima do que é possível fazer de fato.

Como está sendo a transição da rotina de advogado para a de secretário municipal?

Essa transição se iniciou no dia 3 de novembro, quando recebi o convite pra assumir a secretaria. Então, logicamente, tudo aquilo que estava correndo sob minha responsabilidade (no escritório de advocacia) tive de passar para colegas.

Como surgiu o convite do prefeito Luciano Ducci? Qual era a sua ligação com o poder público até então?

Muita gente pode não acreditar, mas eu não o conhecia pessoalmente. Foi a primeira vez na minha vida que eu sentei para conversar com ele. Apesar de eu ter vindo de fora, não ouvi dele nenhum tipo de indicação para fazer assim ou assado na secretaria. Só falou para eu privilegiar a segurança e educação no trânsito. ‘O jeito que você vai fazer, escolha como quiser’, ele disse. Se não fosse assim, eu digo categoricamente que não estaria aqui (no comando da pasta).

No primeiro dia de funcionamento da Setran, o senhor anunciou que não iria "reinventar a roda". Isso quer di­zer que a secretaria não deve adotar, pelo menos por enquanto, ações mais drásticas para frear o uso de veículos?

Primeiro a gente tem de ver como o agente de trânsito está se comportando, como está toda a estrutura pública da secretaria, qual a imagem que estamos passando de dentro para fora. Nesses 14 anos do Código de Trânsito Brasileiro, que permitiu a municipalização do trânsito, algumas cidades foram pioneiras, como Curitiba. Quando você é pioneiro, você erra, se dá ao luxo de errar muita coisa. Então, esse pioneirismo foi mostrando que alguns caminhos adotados, mesmo que não sejam errados, podem ser feitos de maneira diferente. É isso que vamos tentar.

A nova Política Nacional de Mobilidade Urbana, sancionada em janeiro deste ano, garante, por lei, que a sociedade deve participar das discussões sobre trânsito. Até que ponto há garantias de que vai haver esse diálogo em Curitiba?

Eu sempre procurei advogar de forma a não ir para o conflito. O fato de você ver determinada questão sob a ótica do outro torna mais claro aquilo que você pode não estar enxergando. Significa você dar ouvidos a quem é o seu patrão, que é a comunidade, para que se minimizem as possibilidades de errar. Independentemente da lei da mobilidade, essas ações de participação e aproximação, como há com os ciclistas, ocorrerão.

O fato de a secretaria estar aberta à discussão não significa, então, que todas as reivindicações serão atendidas...

Isso é impossível e me coloca obrigatoriamente numa posição de muita humildade, porque as expectativas que eu percebo sobre mim estão muito além do possível.

Mas justamente por conta dessas expectativas a pressão por resultados vai ser ainda maior.

O patrão, meu e do prefeito, é o pior possível. Somos cobrados pelo povo. Não é como na iniciativa privada, na qual, quando você ganha uma ação, o patrão chega e diz ‘que bom, Marcelo, ganhamos a ação, o resultado foi bom’. No setor público, o resultado pode ter sido bom, mas você não fez mais do que a obrigação.

Uma das bandeiras da nova secretaria é a educação no trânsito. Como mudar, na prática, o comportamento do motorista curitibano?

O curitibano tem algumas coisas que o tornam peculiar no trânsito. É solidário para o que não precisa, e individualista para o que precisa. Um exemplo: se você, curitibano, vê a porta de um carro entreaberta, a primeira coisa que vai fazer é tentar avisar. Enquanto você não conseguir fechar a porta dele, não fica tranquilo. Em compensação, se alguma pessoa vai tentar estacionar, mesmo que o curitibano não precise parar naquele momento, vai tentar pegar a vaga antes, só pra dizer ‘ei, peguei a vaga, a vaga é minha’. E, num cruzamento conflituoso, se alguém precisar entrar, ele vai querer entrar na frente.

Falando agora sobre o espaço da bicicleta, como está sendo a aceitação dos próprios agentes e dos motoristas quanto ao trabalho da ciclopatrulha?

Os agentes estão muito motivados, contentes. Essa alegria vem primeiro de um clima que existe de boa vontade dentro da secretaria, de dar segurança para que eles trabalhem. Para eles é uma novidade e, para nós, está trazendo uma investigação do comportamento do motorista, para a gente entender como o motorista está se portando em relação a eles e eles mesmos em relação ao motorista.

Essa experiência pode embasar, então, ações mais concretas da secretaria visando à garantia do espaço da bicicleta nas ruas?

A partir do momento em que eu aceito essa realidade (o uso das bicicletas como meio de transporte), eu tenho de criar condições para que ela se torne segura, e não um fator de aumento de risco. O risco natural de cada forma de deslocamento existe, mas eu preciso encontrar formas de torná-lo menor para que a pessoa tenha coragem, opte por este modal e saia na rua.

E como deve funcionar o Sis­­tema Integrado de Mobilidade, anunciado para março?

É uma maneira de criar condições para que o deslocamento no trânsito seja feito da maneira mais eficiente possível. Você só consegue isso integrando a comunicação entre sinalização e informações. Conseguiremos observar o que acontece na cidade, com mecanismos de tecnologia que permitem ao gestor do sistema estar mais próximo de determinada rua, sem que você esteja necessariamente lá. Haverá uma grande sala de controle da cidade, com alguém, num referencial privilegiado, tendo condições de fazer as coisas na rua funcionarem.

Após o início do funcionamento da Setran, o Ministério Público solicitou informações sobre a transferência dos agentes da antiga Diretran para a nova pasta. Há indagações sobre o fato de os agentes te­­rem sido transferidos sem en­­trar na secretaria por concurso público...

Estamos seguros para responder a esse questionamento do Ministério Público. Toda a do­­cumentação que comprova a existência de concurso está aqui (mostra papéis com editais, provas e colocações, que seriam dos agentes da Di­­re­­tran).O que foi feito é que a Diretran deixou de existir. Eles são agentes de trânsito e foram credenciados para agir em nome da autoridade que assume agora (a Setran). Então, sob esse aspecto, se teve ou não teve concurso, não há contestação. O que o MP quer é se inteirar do processo.

A criação da Setran não extinguiu as ações que pedem na Justiça a anulação de multas aplicadas pelos então agentes da Diretran nos últimos anos. A prefeitura não teme uma enxurrada de ações e possíveis decisões favoráveis aos motoristas?

Primeira coisa: a busca do Poder Judiciário é um direito, acima de tudo. Sempre fez parte do processo legítimo legal que ações judiciais eventualmente possam trazer decisões contrárias. Caso a prefeitura venha a ser questionada, o que podemos fazer é apresentar as coisas da maneira mais clara possível.

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