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Curitiba – O professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro, afirma que a aparente apatia do povo brasileiro pode ser rompida a qualquer momento. Para ele, o confronto diário com situações em que predomina o "jeitinho" e a desigualdade social "pode resultar em algum tipo de explosão". Ribeiro – que participou em Curitiba do Colóquio Política e Subversão, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – pergunta o que vai ser das novas gerações se ficar evidente que a honestidade e a decência não trazem resultados positivos.

Acompanhe a entrevista do professor, que também é diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação.

O senhor diz que acabou a era das revoluções. Isto significa que existe uma apatia dos brasileiros diante dos seus problemas?Hoje parece que sim. Mas tudo isso pode mudar a qualquer momento. Os fenômenos sociais são muito instáveis e como nós estamos em uma sociedade em que não há um projeto alternativo, como o comunista, por exemplo, você fica ao sabor de algum acontecimento. No ano retrasado, denúncias derrubaram parte da cúpula do PT. Isso foi um efeito muito grande. Agora, o presidente e o governo continuaram, escaparam, passaram, seguiram. Então, não se sabe muito bem o que pode acontecer. Outro exemplo são os crimes hediondos. Há uma revolta, mas nada resulta disso. Não surgem novas leis, não são mais bem aplicadas, não acontece nada. Você tem uma sensação de populações inteiras estarem sendo desassistidas. Elas fazem, fazem, fazem e não têm retorno. É o caso da segurança, da saúde. Educação, as pessoas não têm muita noção do que é. A sociedade como um todo entende muito melhor o que é segurança, o que é saúde, do que o que é educação. Educação é uma coisa que só entende quem tem. Quem não tem educação, não tem facilidade de entender o que é estar privado dela. Mas é um ponto que está subindo na agenda. O papel da educação já foi muito pequeno, mas está subindo.

O problema maior a ser enfrentado é a violência?É uma das grandes preocupações nas cidades de tamanho médio e grande.

E existe um esforço do governo e do Poder Legislativo para enfrentar essa preocupação?Pode até haver esforço. O fato é que a população sente que os resultados são pequenos. Então, você tem um mal-estar social em face disto. Por exemplo, o Brasil tem um mal-estar muito grande na questão de que as pessoas honestas se sentem otárias. Isso é muito ruim. Quando existe uma sociedade em que quem age corretamente acha que está sendo bobo, você acaba tendo uma redução do valor humano muito grande.

É por isso que o senhor diz que para ser ético tem de ser herói?Muita gente tem essa sensação. Agora, ao mesmo tempo, a grande maioria da sociedade age corretamente. Por exemplo, se você pega uma estrada, aqueles que vão pelo acostamento são uma minoria. Agora, que ofende profundamente as pessoas verem esse tipo de coisa, ofende. Isso pode resultar em algum tipo de explosão. Se ficar muito evidente que a honestidade e a decência não trazem resultados positivos, o que vai ser das novas gerações? Não sabemos como essas pessoas vão viver se os valores, as expectativas e as esperanças forem sendo diminuídas.

E quando os brasileiros passaram a achar que quem age corretamente é bobo?Na sociedade brasileira isso deve ser muito antigo. Sempre foi uma sociedade do jeitinho, da desigualdade social etc. Não sei quando teria começado. Agora, quando você tem uma sociedade de massa, tem uma explosão. Nossa sociedade foi feita para funcionar muito bem enquanto no máximo 10% da população tivesse cidadania. Enquanto 3% tivesse carro, o trânsito seria uma maravilha. Agora, quando 50% andam de carro, como em São Paulo, pára a cidade. No momento em que todo mundo quer ter acesso a um tênis de grife, não funciona. O povo quer ter mais direitos, mais coisas, mas a sociedade não tem estrutura para isso. E hoje não tem mais como chegar para um miserável e dizer: "Você é uma pessoa sem direitos, retire-se para a sua nulidade e pronto". Foi isso que aconteceu durante a escravidão e por muitos anos depois da escravidão. Até uns 30 anos atrás. De repente passamos a ter uma massa que está batendo na porta e dizendo: "Nós também queremos estar aí". O menino pobre quer ter um tênis bom. Aí mata o menino que tem um tênis bom. Isso é horrível, abominável, mas ele vê na tevê que ter um tênis bom é chique, faz diferença. É o caso do heroísmo do bandido. O cara quer ter uma vida fulgurante, mesmo que ele morra em três anos. Mas teve os melhores carrões, relógio de ouro, tudo. E ele acha que está vingando o pai, que ficou ralando a vida toda sem ter o que a sociedade chama de êxito. Então ele vê a tevê e fala: "O êxito é isso, meu pai é um bobão". Isso é muito preocupante. Agora, é preocupante por que as pessoas perderam valores? Sim, mas é preocupante porque tem toda uma parte da sociedade que não tem acesso a esses bens. E não entende por que não tem. Não vê nenhuma razão para estar excluído.

A solução para essa exclusão sempre aparece nas promessas dos governantes. O senhor escreveu sobre como Fernando Henrique Cardoso e Lula lidaram com as promessas que não cumpriram.Eu acho que nenhum governo, nenhum político, pode cumprir tudo o que ele promete pela simples razão de que você jamais tem as condições materiais de atender a toda a demanda, nem você tem controle sobre o que venha a acontecer. Por exemplo, se surge uma crise econômica externa, como a que surgiu no governo passado, então você pode não conseguir fazer o que prometeu. A questão é de que maneira se dá contas à sociedade. Aí é que está a questão. É preciso explicar e ser convincente. Ou então te mandam embora.

As formas para dizer isso usadas por Fernando Henrique e por Lula foram eficientes?A de Lula é mais eficiente porque a de Fernando Henrique é muito intelectualizada. Ele citava Max Weber e era compreendido por alguns, da classe média para cima. Agora Lula, quando diz que não dá pra fazer, no tempo desejado, ele usa a metáfora do crescimento da jabuticabeira e do crescimento da criança.

Inclusive, a crítica feita a ele de que usa muita metáfora de criança porque trata o povo como criança é uma mentira. Lula nunca usou uma metáfora que ele dissesse: "O povo é meu filho". Ele diz: "Eu como pai sei como uma criança cresce e peço que vocês, como pais, vejam isso também". Ele se coloca no mesmo nível. Então, o Fernando Henrique era uma espécie de professor falando intelectualmente a alunos. Lula é um pai falando a pais. E nesse sentido ela cria uma identidade, sobretudo um vínculo afetivo muito forte. Eu acho mais eficiente a maneira dele.

Essas explicações são dadas por todos os governantes?Não. Você tem governos que não dão explicação nenhuma, que estão se lixando. Os governos da ditadura não davam explicação. (José) Sarney, (Fernando) Collor (de Mello), mesmo Itamar (Franco) explicaram muito pouco os seus fracassos. Eu acho que colocar na cena a idéia de que o governante explica o que ele não está cumprindo é uma coisa que começou com Fernando Henrique e que Lula aprimorou, mas que é fundamental como prestação de contas à sociedade.

E o eleitor entende dessa forma?Pode aceitar ou não aceitar. A explicação do Fernando Henrique chegou a um certo limite e não serviu mais. A explicação do Lula ainda está sendo aceita: não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo, há prioridades, vão surgindo coisas, e aí você vai descobrindo os efeitos positivos do Bolsa-Família, do Luz para Todos, da agricultura familiar. Algumas coisas estão bem presentes no Paraná, que é um estado que tem uma dimensão rural importante. Então, acho que há uma aceitação desse discurso, mas ele só é aceito quando existe uma prática. Quer dizer, se eu prometer subir o salário mínimo para R$ 1 mil e não cumprir isso, é uma coisa. Mas se eu subir gradualmente o salário mínimo acima da inflação, pelo menos eu sinalizo que está se caminhando naquela direção. Então, é diferente de prometer subir e não fazer nada.

E como o senhor analisa a ética da política no Poder Legislativo?A política sempre supõe que você esteja preocupado com o bem de muitas pessoas e não o bem de apenas uma pessoa. Então, nesse sentido, há certos atos que na ética da política são um pouco diferentes do que na ética comum. Na ética comum, você vai agir muito em função de tal conduta, certa ou errada, enquanto na política é muito importante o resultado da ação. Se um político ficar pensando só no certo ou errado, em cada coisa individual, ele não vai pensar que ele tem de produzir leis boas. Agora, essa idéia de que a ética da política é uma ética de resultados, acima de tudo, mais do que de princípios, exige que os resultados apareçam. Quer dizer, voltando ao exemplo anterior, se você promete aumentar o salário mínimo e não traz esse resultado, não há o que te salve. Você não pode dizer que teve uma boa intenção. O resultado final foi negativo.

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