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Estudiosa do crime organizado, Marisa Fefferman vive mergulhada no mundo daqueles que, para ela, a sociedade elegeu como bode expiatório: os adolescentes criminosos. Ela é autora do livro Vidas Arrasadas, que retrata os garotos como trabalhadores do tráfico. Agora, a doutora em Psicologia e professora da rede pública busca entender o funcionamento do tribunal do Primeiro Comando da Capital (PCC). A seguir, ela fala sobre as regras do trabalho no crime e no mercado das drogas.

Por que a senhora acredita que os jovens são trabalhadores do tráfico?

Na periferia, ao contrário do que se pensa, os jovens não entram no mundo do crime. Eu digo é que eles entram no mundo do trabalho, porque no tráfico há regras. O tráfico não é o caos em que todo mundo faz o que quer, muito pelo contrário. A indústria das drogas é uma das mais rentáveis. As leis são como as de qualquer outro tipo de comércio. Os meninos não podem ratear (roubar) a boca do mesmo modo que um trabalhador não pode roubar a empresa para a qual trabalha. As regras são bem estabelecidas. Isso porque o objetivo é claro: garantir que o mercado seja perpetuado. Isso faz com que os jovens se sintam inseridos em um grupo, o que não acontece na sociedade, onde ele é invisível. São questões que acho importante para fazer a ligação com o PCC (Primeiro Comando da Capital) e os debates.

O que são os debates?

O debate é uma forma de o PCC se organizar para decidir sobre as regras do jogo. Nós temos o Tribunal de Justiça. Eles têm o "debate". As regras do mundo do crime são claras. Se alguém fez alguma coisa que não podia, se cometeu alguma infração, ele vai para o "debate". Lá, você dá o seu ponto de vista, as testemunhas falam e ocorre o veredicto, que pode ser uma segunda chance. Essa segunda chance é uma forma perversa e autoritária, mas também paternalista.

Em avaliações preliminares da sua pesquisa, a senhora diz que uma das conseqüências dessa organização do PCC é a redução do número de homicídios.

Que fique claro que não estou fazendo nenhum tipo de apologia ao PCC. Mas as regras estabelecidas pela facção não permitem que qualquer um mate a seu bel prazer. As entrevistas que tenho feito apontam que ninguém pode matar sem falar com o "disciplina", que são pessoas que se tornam referências na região. A comunidade chega até a exagerar e diz que ninguém mais está morrendo. Os dados do Proaim (Programa de Aprimoramento de Informações sobre Mortalidade, da prefeitura), no entanto, mostram a redução das mortes.

Mas, ao dizer isso, a senhora não corre o risco de dar a entender que o PCC ficou "bonzinho"?

Corremos o risco de dizer que estamos perdendo para eles. O PCC está poupando vidas para "regrar" a sociedade. E isso é muito duro.

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