• Carregando...
pl das fake news
O presidente Lula, O ministro da Justiça Flávio Dino e o ministro do STF Alexandre de Moraes em eventos sobre ataques a escolas.| Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), confirmou que incluirá o PL das Fake News na pauta de votações do Plenário até quarta-feira (26). A decisão ocorre após intensa pressão do Executivo e da base governista na Câmara, que exploraram os atos do 8 de janeiro e os atentados em escolas para viabilizar uma versão do PL das Fake News facilitando a censura de opositores nas redes sociais.

Declarações associando esses eventos à necessidade de regular a internet ajudaram a criar o clima para justificar a urgência da pauta. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e membros do governo recorreram ao 8/1 e às tragédias nas escolas como pretexto para apressar a votação de um projeto carregado de conceitos imprecisos que podem servir como instrumento para a censura.

Em sua recente viagem a Portugal, Lula voltou a lançar mão desse recurso. No sábado (22), em entrevista após um encontro com o presidente Marcelo Rebelo, o petista disse que Portugal e Brasil estão "ameaçados pelo fenômeno do extremismo, da violência política e do discurso de ódio, alimentado por notícias falsas".

"Vocês acompanharam as últimas eleições no Brasil, viram o que aconteceu. Quando se começa a negar a política, o que vem depois é sempre muito pior", afirmou. "No Brasil nós estamos trabalhando muito. Estamos inclusive com um Projeto de Lei que vai entrar na próxima semana no Congresso Nacional para criar certa regulamentação para evitar a disseminação da mentira através da internet", acrescentou.

Na terça-feira da semana passada (18), em reunião com autoridades dos Três Poderes sobre os ataques às escolas, Lula também responsabilizou o "ódio na rede" pelas tragédias recentes. "Não é possível que eu possa pregar o ódio na rede digital, que eu possa ficar fazendo propaganda de arma, ensinando criança a atirar", disse.

No mesmo evento, Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública, falou que há um "fluxo terrível de discurso de ódio" na internet e que isso teria relação com os ataques. Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estabeleceu o mesmo nexo causal e sacou de novo uma ideia que vem repetindo insistentemente há meses: que o "discurso de ódio" deve ser combatido pelas redes com as mesmas estratégias que elas usam contra a pornografia infantil.

As declarações de Dino, Lula e Moraes ocorrem ao mesmo tempo em que governo e Judiciário pressionam o Legislativo pela aprovação de um PL das Fake News com ênfase no combate ao que se tem chamado de "desinformação", "ataques à democracia" e "discurso de ódio".

Expressões como essas têm sido úteis para a esquerda por agruparem de forma indiscriminada tanto falas objetivamente ilegais quanto críticas comuns a instituições, colocando no mesmo cesto, por exemplo, uma declaração contundente mas legítima de um parlamentar direitista e a convocação criminosa para a prática de um atentado violento. Com isso, esses termos tornaram-se "dog whistles" (apitos de cachorro) da esquerda para condenar discursos da direita. (Na ciência política, "dog whistle/apito de cachorro" é uma forma de comunicação velada em que uma mensagem é compreendida totalmente por aqueles que estão familiarizados com o contexto subjacente, mas só parcialmente pela maioria da população; "direitos sexuais e reprodutivos das mulheres", por exemplo, pode ser considerado um "dog whistle" de feministas para falar sobre a legalização do aborto. O conceito de "dog whistle" faz referência a um tipo de apito que emite som em frequência inaudível a seres humanos, mas que pode ser escutada por cães.)

O termo "discurso de ódio" não existe na legislação brasileira e nem sequer está bem definido no contexto acadêmico, de onde saiu. No Judiciário, ele foi usado durante as eleições para se referir a críticas contra o TSE ou o Supremo Tribunal Federal (STF), e praticamente só resultou em processos contra direitistas, assim como o termo "extremismo".

Para Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, a categoria "discurso de ódio" é "demasiado aberta para figurar como parâmetro para a limitação ao direito de livre expressão do pensamento". "A arguição de prática de 'discurso de ódio' me lembra a acusação de 'ação contrária ao sadio sentimento do povo alemão' utilizada pelo regime nazista: é um catch-all [termo genérico, em tradução livre] sob o qual se pode enquadrar qualquer coisa, e parece feito ad hoc para calar a oposição ideológica", diz.

Desde 1º de janeiro de 2023, a terminologia aplicada pelo Judiciário durante as eleições foi apropriada pelo Executivo. No Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por exemplo, o governo já criou um grupo de trabalho com a missão de "combater o discurso de ódio e desestimular o extremismo no país".

Nas minutas já divulgadas para a imprensa de possíveis textos para o PL das Fake News, o uso dessas expressões é frequente. O objetivo do governo é, em resumo, que as redes sociais tenham responsabilidade muito maior na vigilância dos conteúdos publicados em redes sociais, o que inclui coibir "discurso de ódio", "ataques à democracia" e "desinformação" por conta própria, sem demanda judicial. Para as plataformas, que não estão de acordo com a ideia, isso poderia representar a necessidade de censurar ativamente conteúdos que se encaixem nessas novas e vagas categorias, sob o risco de multa em caso de descumprimento.

Chiarottino afirma que os limites à liberdade de expressão no Estado de Direito têm "necessariamente de ser justificados segundo a possibilidade real e iminente de ocorrência de dano grave às pessoas ou à propriedade". Qualquer limitação que não atenda a esse critério, segundo ele, é caracterizável como censura e proibida pela Constituição.

Para Moraes e Dino, 8/1 e ataques a escolas têm mesmo "ethos", "matriz de pensamento" ou "modus operandi"

A sintonia entre Judiciário e Executivo na pretensão de criminalizar um tipo de pensamento e um grupo social fica evidente em declarações recentes de Alexandre de Moraes e Flávio Dino comparando os ataques às escolas com o 8/1.

Para eles, ambos os atentados poderiam ser atribuídos a uma categoria de pessoas associadas a certa ideologia, cuja atuação nas redes deve ser criminalizada por meio do PL das Fake News. Dino diz que o 8/1 e os ataques às escolas têm o mesmo "ethos" e a mesma "matriz de pensamento". Moraes afirma que os dois eventos partem do mesmo "modus operandi".

Em coletiva de imprensa no dia 10 de abril, Dino atribuiu os ataques em escolas à "influência da ideia de violência extremista a qualquer preço, a qualquer custo" e disse enxergar "uma ligação entre uma coisa e outra", em referência ao 8/1. "O ethos, o paradigma de organização do mundo que golpistas políticos e agressores de crianças, assassinos de crianças têm é o mesmo. É a mesma matriz de pensamento, a matriz da violência."

Moraes, por sua vez, disse no dia 18 que "o modus operandi dessas agressões instrumentalizadas, divulgadas, incentivadas pelas redes sociais em relação às escolas é exatamente idêntico ao modus operandi que foi utilizado contra as urnas eletrônicas, contra a democracia, o modus operandi instrumentalizado para o dia 8 de janeiro".

A identificação desse "ethos", "matriz de pensamento" ou "modus operandi", na visão tanto do Executivo como do Judiciário, já seria clara o suficiente para ser plasmada em uma lei que permita a censura a este suposto grupo ideológico criminoso. "Se não houver uma autorregulação e uma regulamentação por determinados modelos a serem seguidos, nós vamos ver a continuidade dessa instrumentalização pelas redes para incentivar ataques a escolas", afirmou Moraes no mesmo discurso.

No dia 5 de abril, Dino foi pelo mesmo caminho: "Por que acontece essa violência contra crianças e jovens? Porque nós temos hoje uma proliferação de discursos de ódio em várias esferas da sociedade, e isso obviamente chega às escolas. É uma tragédia social. Em razão de tudo isso que nós estamos vivendo no Brasil, e dessa internet desregulada, desregulamentada, emergiu com muita força [a violência] nas escolas", disse o ministro da Justiça, segundo o portal R7.

Para Alessandro Chiarottino, generalizações desse tipo sobre as manifestações nas redes sociais têm o objetivo de blindar "certas categorias de pessoas, movimentos e grupos de quaisquer críticas mais incisivas". "O problema é que não há democracia sem a liberdade de crítica, mesmo a mais agressiva e virulenta", diz. A única exceção constitucional a essa liberdade, destaca ele, são atos que signifiquem risco real e iminente a pessoas ou à propriedade.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]