Há duas semanas, o auxiliar de obras Josiel Justino Ferreira tomou um susto ao chegar em casa, no bairro Tatuquara, em Curitiba. Encontrou a família na rua, acompanhada de alguns vizinhos. As portas escancaradas da residência e os relatos emocionados do pai e da esposa logo o botaram a par do ocorrido: todos tiveram de sair às pressas, perseguidos por um enxame de abelhas que tinha se instalado embaixo da pia da casa. Apesar de algumas ferroadas terem atingido crianças que passavam pela rua, ninguém se feriu gravemente.
O susto vivenciado pela família de Josiel é mais comum do que se imagina e pode ter consequências drásticas: no último dia 19, um idoso de 73 anos morreu após sofrer um ataque de abelhas em Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Na ocasião, pelo menos outras dez pessoas ficaram feridas e tiveram de ser atendidas na unidade de saúde do bairro Cachoeira. A RMC, inclusive, aparece como o principal foco de ocorrências envolvendo o inseto nos últimos cinco anos no estado.
Segundo dados da Secretaria de Saúde do Paraná (Sesa), 965 ataques foram registrados de 2007 a 2011 na região. No estado, o número de ocorrências aumentou 5,7% entre 2010 e 2011 foram 786 ocorrências no ano passado, contra 743 há dois anos. Para a chefe da Divisão de Zoonoses e Intoxicações da Sesa, Gisélia Rúbio, o número de acidentes pode ser ainda maior, já que os órgãos de saúde reconhecem que, em boa parte dos casos, os ataques não são comunicados às unidades de saúde mais próximas.
Procedimentos
Em caso de acidentes, o Corpo de Bombeiros pode até ser acionado, embora só atenda a situações graves, quando são necessários atendimento médico e isolamento do local. A corporação, porém, afirma não ter treinamento nem equipamentos para recolher os insetos.
A captura das abelhas esbarra em uma deficiência comum a praticamente todos os municípos do estado: a falta de um serviço público de retirada das colmeias. Sem ter a quem recorrer, os moradores acabam contratando apicultores (criadores de abelhas). Em Curitiba, o serviço custa em média R$ 150. Apesar de os profissionais aproveitarem a colmeia na produção de mel, a prática não é bem vista pela própria categoria.
"Esses riscos devem ser bancados pelo poder público. Os apicultores não querem fazer esse serviço, não é o foco deles. Por tudo que o trabalho envolve, o risco, os equipamentos e o material, até que o preço cobrado é muito baixo", avalia o presidente da Associação Paranaense de Apicultores (APA), Sebastião Gonzaga.
Para especialistas, as tentativas de retiradas das colmeias por pessoas não qualificadas no caso, os próprios moradores são as principais causas de ataques. "O que precisa se incentivar é a prevenção. O morador deve chamar o apicultor o mais cedo possível, antes que essa colmeia se torne enorme. A partir do momento em que ela fica mais visível, crianças e animais podem acabar mexendo no ninho, sem saber das consequências", alerta o capitão do Corpo de Bombeiros de Curitiba Leonardo Mendes dos Santos.
Colônias desaparecem em vários países
Além de acentuar a ocorrência de ataques de abelhas, a destruição do hábitat natural dos insetos pode estar por trás de outro fenômeno que tem tirado o sono de pesquisadores em todo o mundo: o Distúrbio do Colapso das Colônias (CCD, na sigla em inglês). Há seis anos, os primeiros desaparecimentos em larga escala de abelhas foram registrados nos Estados Unidos. Em várias regiões do país, produtores constataram que as abelhas produtoras de mel abandonaram as colmeias, deixando para trás mel, polén e até crias. Em seguida, o distúrbio começou a ser observado também em países da Europa, como os do Reino Unido.
O fenômeno parece ter chegado ao Brasil no ano passado. Em Santa Catarina, os efeitos do abandono das colmeias atingiram diretamente a fruticultura, principalmente a produção de maçãs. Das cerca de 100 mil colmeias usadas para a polinização dos pomares, estima-se que pelo menos 40% foram perdidas. Os prejuízos não devem tardar a ser sentidos: cerca de 90% da produção de maçã no estado depende diretamente da ação da abelhas, que promovem a fecundação das flores por meio do transporte de pólen.
Estudos feitos pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) indicam diferentes causas para a mortalidade, como o clima desfavorável, problemas de manejo e doenças. O fato é que, tanto no Brasil quanto no exterior, não há consenso entre pesquisadores sobre os motivos do distúrbio.
"Não há pesquisas conclusivas, mas sabe-se que são vários fatores envolvidos. Um dos que parece estar na base do problema é o uso de agrotóxicos e pesticidas", afirma o pesquisador do curso de Agroecologia da UFPR Litoral José Luiz da Silva.
Estudo do Bee Research Laboratory do estado de Maryland, nos Estados Unidos, defende que a exposição a uma substância chamada imidacloprid enfraquece o sistema imunológico das abelhas e as deixa mais suscetíveis à ação de parasitas e microorganismos, que espalham infecções pela colmeia.
Colaborou Heliberton Cesca.
* * * * *
Interatividade
Você já teve problemas com abelhas? O que fez para resolver o problema?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.