Ideologias que tentam dissociar a realidade biológica da psíquica no âmbito do amor conjugal, pregando que termos como pai, mãe, marido e mulher são construções sociais ultrapassadas, ganham cada vez mais terreno no meio acadêmico e em veículos de comunicação no Brasil. Nos últimos meses, ativistas LGBT têm recorrido aos Poderes Judiciário e Legislativo para tentar fazer estas ideologias prevalecerem na vida pública brasileira.
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No fim de outubro, uma associação LGBT entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar o uso das palavras “pai” e "mãe” em formulários, registros de nascimento, carteiras de identidade e outros documentos públicos no Brasil. As duas palavras seriam substituídas por “filiação 1” e “filiação 2”.
Em novembro, um projeto de lei da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) propôs alterar o texto oficial da celebração de casamento civil no Brasil, suprimindo os termos “marido” e “mulher”. Atualmente, a pessoa que preside a celebração deve dizer: "De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”. A proposta é que o texto passe a ser o seguinte: “De acordo com a vontade que acabam de declarar perante mim, eu, em nome da lei, declaro firmado o casamento”.
No Supremo Tribunal Federal (STF), os ativistas entraram com ações contra duas leis estaduais – de Rondônia e de Santa Catarina – que propõem coibir em diferentes graus a ideologia de gênero em escolas públicas.
Para o sociólogo Lucas Azambuja, professor do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) de Belo Horizonte, o real objetivo dos ativistas é fazer ruir as formas tradicionais de relações familiares.
"Quando se modifica esse tipo de terminologia, como pai e mãe, marido e mulher, 'casamento' para 'união', ou coisa parecida, na verdade se desestruturam essas instituições. As instituições sociais se mantêm muito por aquilo que, em sociologia, se chama de campo semântico – ou seja, um conjunto de palavras, de termos, que sinalizam a participação dos indivíduos numa determinada realidade social institucionalizada. Quando se muda a palavra, o que se está pretendendo é uma engenharia social para se mudar o comportamento diante da família e das relações em torno do matrimônio", diz.
Ao contrários de termos como pai e mãe, que surgiram espontaneamente na sociedade, os ativistas querem que expressões como "filiação 1" e "filiação 2" sejam utilizadas por imposição da lei, o que expõe a verve autoritária da ideologia de gênero, observa Azambuja.
"É uma forma de se impor uma terminologia via compulsão estatal. Ou seja, fazer engenharia social através ou de ativismo jurídico ou de leis, fazendo com que as pessoas mudem as palavras na expectativa de que elas também mudem o comportamento e aceitem a ideologia de um determinado grupo."
Decisão de 2011 do STF sobre casais LGBT gera efeito dominó
A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), que entrou com a ação no STF para acabar com os termos “pai” e “mãe” em formulários e documentos, elogia a decisão de 2011 do STF que equiparou uniões homossexuais a heterossexuais, mas pede que a Corte dê um passo além.
Segundo a ABGLT, os casais LGBT “são submetidos a múltiplos constrangimentos e humilhações” na tentativa de registrar os filhos ou as crianças de que cuidam. A associação alega que as mudanças das expressões “pai” e “mãe” seriam “até mesmo banais no plano técnico e administrativo”.
Para Azambuja, o argumento de que essas mudanças seriam banais é autocontraditório. "Se é algo tão banal e trivial, por que é necessário se mobilizar politicamente para modificar isso? É porque existe um peso", afirma.
No texto da ação, a ABGLT pede que o STF “avance em sua contribuição para a construção e fortalecimento da cidadania” de pessoas LGBT. A atribuição original do STF, cabe recordar, é zelar pelo cumprimento da Constituição, e não a de promover ativamente transformações sociais.
A ABGLT fala que há um “pensamento heterossexual” que “se expressa nas formas como o Estado impõe o acesso à cidadania”. A “heterossexualidade”, diz a associação, estabelece “o que é uma mulher e o que é um homem, os tipos de relações afetivas e familiar legítimas e de parentesco válidos”.
Essa argumentação do grupo LGBT segue a cartilha da ideologia de gênero, que trata a complementaridade entre os papéis de cada sexo no casamento e na paternidade como uma construção meramente social imposta por tradição, e não como uma realidade fundamentada na própria natureza humana.
O projeto de lei da deputada federal Natália Bonavides, que propõe alterar o texto oficial da celebração de casamento civil no Brasil, suprimindo os termos “marido” e “mulher”, também cita a decisão de 2011 do STF. A linha argumentativa se assemelha à da ABGLT e conta com um apelo para que o STF dê um passo além.
“Após uma luta firme de movimentos LGBTs, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o óbvio: é inaceitável que a ordem jurídica brasileira, sob a vigência da Constituição de 1988, impeça que casais homoafetivos se casem. Contudo, não basta o reconhecimento do direito ao casamento. Sem a adequação da cerimônia, casais homoafetivos têm sido submetidos a constrangimentos que são verdadeiras violações de direitos. Por isso, é urgente que o Código Civil seja modificado no sentido de assegurar a igualdade de tratamento para a diversidade de casais”, diz a deputada na justificativa do PL.
Apoio à linguagem neutra nas escolas também é levado ao STF
Os estados de Rondônia e Santa Catarina vetaram o uso da linguagem neutra em instituições de ensino neste ano. As normas foram sancionadas em outubro e junho de 2021, respectivamente, mas a lei rondoniense foi suspensa pelo ministro do STF Edson Fachin, relator do caso, após pedido feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee).
Os casos deverão ir ao Plenário do STF, mas estão sendo tratados de forma separada, já que as leis diferem em alguns aspectos. No caso de Rondônia, a norma diz que “fica expressamente proibida a denominada ‘linguagem neutra’ na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas”.
Já a lei catarinense, em vigor desde 15 de junho, afirma que “fica vedado o emprego em documentos oficiais de linguagem que, contrariando as regras gramaticais da língua portuguesa, pretendam se referir a gênero neutro”. Além disso, a norma proíbe o uso, nas instituições de ensino, de “novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas e nacionalmente ensinadas”.
O caso de Rondônia foi levado a Plenário virtual no começo de dezembro, mas o ministro Nunes Marques fez um pedido de destaque, e o julgamento foi adiado.
Marques, aliás, é relator do caso de Santa Catarina, que ainda não começou a ser julgado e se originou de uma petição do Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo o PT, o decreto catarinense “viola os direitos à igualdade, à não discriminação, o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à educação”.
O PT afirma que o fato de o gênero neutro no português ser o masculino é “um dos símbolos do machismo socialmente enraizado”. Diz ainda que a língua portuguesa “não previu a mudança de paradigma que está ocorrendo no mundo e no país há alguns anos”, e que os estudos feministas e a “teoria queer” são “frutos da evolução social e da necessidade de transformação daí sobrevinda”.
O partido cita o “Manifesto Ile Para uma Comunicação Radicalmente Inclusiva”, um texto de blog de um autodenominado “artista social” que prega o uso do pronome neutro “ile”, e fala em outras sugestões de sistemas para a utilização da linguagem neutra, como o “sistema ILU”, que propõe a substituição de ‘ele/ela’ por ‘ilu’, ‘dele/dela’ por ‘dilu’, ‘meu/minha’ por ‘mi/minhe’, ‘seu/sua’ por ‘su/sue’, ‘aquele/aquela’ por ‘aquelu’ e ‘o/a’ por ‘le’. Para o PT, lutar para mudar a língua portuguesa com ideias desse tipo “é, de fato, essencial, tendo em vista que a linguagem funciona como formadora e informadora do contexto de cada cidadão”.
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