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A Linha Verde é o “escritório” do representante comercial Carlos Gorski: empresa ofereceu carro com freio ABS e Air Bag e isso pesou na hora de aceitar  o emprego | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
A Linha Verde é o “escritório” do representante comercial Carlos Gorski: empresa ofereceu carro com freio ABS e Air Bag e isso pesou na hora de aceitar o emprego| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Futuro

Metrô está no centro das discussões

O automóvel surgiu como uma espécie de transporte coletivo, destinado à utilização pela família. Hoje, o último resquício dos tempos da invenção é a existência de cinco assentos no veículo, dos quais quatro estão vazios em 90% das viagens urbanas.

O debate sobre as soluções de mobilidade nas cidades se foca atualmente no transporte coletivo. Curitiba, por exemplo, vive um momento de debate intenso sobre qual é o melhor e mais eficiente tipo de transporte público, pois inicia um intenso processo de mudança no modelo. A cidade ficou conhecida internacionalmente por ter criado e implantado nos anos 1970 o BRT (Bus Rapid Transit), sistema de ônibus com vi­as exclusivas e passagem pré-paga, entre outras inovações. Após ser reproduzido em dezenas de outras cidades, o modelo foi considerado esgotado na capital paranaense. Em 2011, a prefeitura, em parceria com a União, anunciou um investimento de R$ 2,25 bilhões para a implantação da primeira linha de metrô, com previsão de término para 2016.

Ricardo Bertin avalia que Curi­­tiba acertou o timing do metrô: "A quantidade de usuários que poderia migrar para o transporte coletivo já o fez. O ônibus não vai atrair mais ninguém. Mas o metrô agrega em qualidade. O usuário vai sentir que ganhou em conforto, tecnologia e segurança", defende.

A Associação Nacional das Em­­presas de Transportes Ur­­banos (NTU) se posiciona oficialmente contra a implantação do metrô em Curitiba, além de defender o de­­sen­­­volvimento de sistemas BRT nas grandes cidades. "A demanda tem que ser altíssima para justificar o investimento do metrô. O BRT traz um retorno muito grande para um investimento reduzido", ar­gumenta André Dantas, diretor técnico da NTU.

Quando Carlos Alberto Gorski entra na Linha Verde, às 7 horas da manhã de uma abafada quinta-feira de dezembro, já soma duas horas consecutivas na direção. A partir de agora, serão mais 40 minutos de acelerações e freadas até chegar à região norte de Curi­­tiba. O representante comercial de 38 anos partiu de Joinville (SC), onde mora, para uma semana consecutiva de trabalho na capital paranaense. Após percorrer 125 quilômetros de rodovia, se prepara para iniciar o trecho mais difícil de sua longa jornada até os clientes.

"Depois que proibiram o tráfego de caminhões na Linha Verde a situação melhorou um pouco", co­­menta ele enquanto alterna entre as pistas da via – uma antiga rodovia federal transformada em corredor de transporte urbano com capacidade para 100 mil veículos por dia. "Mas o pessoal quando en­­tra nos carros parece que está em uma competição". Como se para corroborar o comentário, Car­­los é fechado pelo condutor à frente.

Supervisor de uma indústria de farinha e misturas para pão, Carlos precisa acompanhar a visita de outros representantes a panificadoras da cidade. Ao longo de oito horas e 40 paradas, Carlos faz do automóvel o seu escritório. A cada destino, sai do carro e permanece em pé por alguns minutos na calçada. Às vezes acende um cigarro. "Há empresas que atendem com horário marcado, e se você passa por um acidente na rua acaba fi­­cando parado e se atrasa para o compromisso", diz.

O trânsito é seu patrão, cartão-ponto, carga de estresse e, inclusive, concorrente. Como o produto é entregue em caminhões truck de dois eixos, o tráfego intenso do Centro criou uma trincheira atrás da qual é impossível descarregar durante o horário comercial, tornando inatingíveis os potenciais e desejados clientes dessa região.

A violência do trânsito também intimida. Durante a subida pela BR-376, ele não raramente deixa de presenciar o rescaldo de algum acidente. "Um dos motivos de eu vir trabalhar nessa empresa é que eles fornecem carro com freio ABS e Air Bag", ressalta. Ex-funcionário de uma concessionária de veículos, ele lembra que um dos rituais da segunda-feira era ver a coleção de automóveis acidentados durante o fim de semana.

Vida em bando

A relação entre o indivíduo e o trânsito reproduz as mesmas dualidades da vida em sociedade. A utilização das vias públicas de forma organizada pelos cidadãos tem igual capacidade para servir ou oprimir. Quando a harmonia fa­­lha, o conjunto de engenharia, inteligência e ação cidadã se torna uma espécie de doença autoimune, em que o organismo passa a atacar a si mesmo como se fosse uma doença.

O tráfego é responsável por co­­nectar as várias funcionalidades do espaço social, aproximando o ci­­dadão de sua necessidade e justificando a aglomeração de milhões de pessoas em um espaço físico relativamente pequeno. Experiên­­cias de trabalho, afetividade, consumo e entretenimento tão diversas quanto o número de habitantes da urbe se alinham lado a lado, criando uma rede de troca e proteção.

O estabelecimento dessa relação exige entrega. O trânsito é compulsório, e todos os seus usuários representam o mesmo papel. Em um congestionamento, o condutor tende a perceber o carro à frente como uma pedra no meio do caminho: sem direito ou necessidade de estar ali. Mas, em uma grande cidade como Curitiba, que tem 1,3 milhão de veículos nas ruas, as vias são formadas por 1,3 milhão de Carlos.

Engarrafamento tira tempo precioso

Nos estudos sobre o meio urbano, é muito conhecida a metáfora do trânsito como artérias de uma cidade. Quando o volume de veículos aumenta sem que a capacidade das vias seja ampliada, a reação imediata é o entupimento. O espaço de mobilidade se torna um funil, bloqueando em seu bojo a riqueza de uma sociedade urbana, bem como sua capacidade de desenvolvimento. O bem-estar do cidadão também é impactado. Em um congestionamento, uma pessoa permanece em um ambiente hostil e tenso, respirando poluição e sofrendo pressão do relógio.

"O cidadão perde muito tempo no trânsito, e não é um tempo que se torna produtivo. O máximo que ele consegue fazer é ouvir música", diz o engenheiro civil e mestre em transportes Ricardo Bertin, coordenador adjunto do curso de En­­ge­­nharia Civil da Pontifícia Uni­­ver­­sidade Católica do Paraná (PUCPR).

Uma pesquisa conduzida pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) mediu o tamanho do prejuízo imaterial. Após 40 minutos de viagem, a produtividade do passageiro cai 14% nas tarefas executadas após o percurso. Acima de 80 minutos, a perda ultrapassa os 21%.

"O sujeito não consegue mais voltar para casa na hora do almoço, não leva os filhos na escola. Perde oportunidades de lazer e dedicação à família", aponta o engenheiro civil Joel Krüger, especialista em transporte coletivo e presidente eleito do Conselho Regional de Engenharia e Arqui­­tetura do Paraná (Crea-PR).

Peso nos bolsos

O afogadilho do trânsito é uma experiência relativamente nova para diversas cidades brasileiras, Curitiba entre elas. Se ela seguir o mesmo roteiro de megalópoles mundiais, o alto custo do transporte individual deve mudar de hospedeiro. Ao invés de o impacto no bolso ocorrer na compra do veículo, virá em fortes mordidas ao longo da utilização do bem. É o que ocorre em Londres, onde a prefeitura instituiu um pedágio urbano de 10 libras (R$ 28) para quem entra ou sai da zona central da cidade.

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Interatividade

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